António Saraiva: “Um ferrador de cavalos da minha região ganha mais do que um médico”

Começou a trabalhar aos 17 anos, na Lisnave, tendo chegado a presidente da Confederação Empresarial de Portugal. Hoje está à frente da Cruz Vermelha e segue a máxima de Clint Eastwood: ‘Todas as manhãs quando me levanto luto contra o velho que se quer instalar em mim’. Entrevista Imprevista a António Saraiva.

Nasceu em Ervidel, município de Aljustrel. Mantém amigos desse tempo? Que recordações tem das minas de Aljustrel?  
Sim, mantenho alguns amigos desse tempo. Ainda na última feira Ovibeja nos encontrámos e foi uma enorme alegria. Não tenho recordações das minas pois vim muito cedo para Lisboa, (tinha 6 anos).

Acha que a exploração do lítio será benéfica para as populações locais?
Das minas de Aljustrel, extrai-se principalmente cobre, zinco e chumbo. No passado também enxofre. Existem planos para lítio e o estanho mas não extraídos neste momento.
A exploração do lítio será benéfica para o país pelas receitas geradas mas terá que ser encontrada uma fórmula de beneficiar as regiões com essas receitas.

Começou a trabalhar na Lisnave aos 17 anos. Foi líder sindical, tendo depois chegado a ‘chefe’ dos patrões. Algum dia pensou que, em 2025, os empregos manuais, como canalizadores ou eletricistas, ganhariam a preponderância atual, havendo mesmo, no Reino Unido, uma ‘fuga’ das universidades para as escolas profissionais?
Sim, penso isso há muito tempo. Em várias das minhas intervenções tenho referido, como exemplo dessa realidade, que um ferrador de cavalos na minha região de origem ganha mais do que um médico. Um bom profissional será melhor remunerado que muitos doutorados.

O atraso que ‘conquistámos’ com o fim, durante anos, das escolas ‘industriais’ foi recuperado? Isto é: Portugal tem um bom sistema de escolas profissionais para fazer face ao desaparecimento de muitos empregos devido à Inteligência Artificial?
Não. O desaparecimento das escolas industriais e comerciais abriu uma brecha que não fechou. Temos escolas profissionais protocoladas entre o IEFP e associações patronais e sindicais que são excelentes e com elevados índices de empregabilidade, mas continua a existir um estigma na sociedade portuguesa de que só a formação académica superior é que prestigia.

Os robôs, no futuro, deverão pagar imposto para ‘sustentar’ os desempregados?
Não é certo que a robotização traga desemprego. Terá que ser desenvolvido um vasto programa nacional de requalificação profissional. Vamos assistir a novas e diferentes formas de realizar tarefas. Sim, creio que deverá ser encontrada uma forma de taxar o robot para sustentar a reforma dos seres humanos quando estes chegarem à aposentação.

Também disse que o regime anterior, apesar dos muitos defeitos, tinha um plano para o país. Se Portugal não cresce de forma sustentada há 25 anos, haverá um futuro positivo para o país?
Os antigos Planos de Fomento contribuíram para que o país tivesse um rumo, uma estratégia de desenvolvimento. Teremos que encontrar hoje uma estratégia para o país. Não nos podemos resignar a ter crescimentos anémicos. Sim, o país tem futuro. Assim saibamos aproveitar a nossa localização geográfica, o potencial do nosso mar, o recurso florestal a par de outras potencialidades.

Atendendo a que foi líder sindical e depois dos patrões, o que acha que falta a uns e a outros?
Fatores de confiança e respeito mútuo.

Nestes anos todos de atividade sindical e empresarial, quais os políticos que o marcaram mais positivamente ou negativamente?
Não recordo impressões negativas pois as relações foram sempre bastante cordiais. Cada um dos muitos com os quais convivi tinham as suas características mas sempre criei, em diferentes situações, pontes de entendimento.

Superou um problema grave de saúde. Hoje, à frente da Cruz Vermelha Portuguesa, como encara os problemas na Saúde?
Com apreensão. O SNS enfrenta um conjunto variado de problemas que não se resolverão numa legislatura. Terão que se tomar corajosas medidas as quais exigem um amplo acordo entre todos os agentes.

A instituição que preside enfrenta problemas económicos sérios. Acredita que será possível salvá-la?
Compreendo que essa seja a percepção mas ela não corresponde à realidade. Não escondo que existem dificuldades pois as despesas com as várias valências que desempenhamos vêm aumentando bastante e as receitas não têm acompanhado esse aumento. Contudo, estamos a desenvolver um conjunto de iniciativas e novos programas, enriquecendo a nossa proposta de valor, para dar mais robustez e sustentabilidade à entidade. Fazemos este ano 160 anos e já passámos por muitas fases. Com as medidas que estamos a tomar faremos muitos mais!

Por que continua a trabalhar? Não tem vontade de usufruir do tempo para estar mais tempo com a família e amigos?
Por vezes coloco-me a mim mesmo essa questão. Mas a minha natureza, a minha inquietude cívica e o conhecimento diário que o mundo do trabalho me permite, não me deixam parar. Sigo uma frase do Clint Eastwood: ‘Todas as manhãs quando me levanto luto contra o velho que se quer instalar em mim’.