Vórtex entra na reta final com um enquadramento bastante diferente do que dominou o espaço público e mediático em 2023, aquando das buscas e das detenções relacionadas com o processo. Apresentado inicialmente como um caso-modelo de corrupção, evoluiu para um julgamento que revelou fragilidades da acusação e deslocou o debate para a dimensão técnica do urbanismo.
Francisco Pessegueiro adotou uma postura distinta da generalidade dos arguidos: reconheceu falhas, descreveu práticas do setor e relatou pedidos de dinheiro por parte dos antigos autarcas de Espinho, aos quais acedeu na perspetiva de corresponderem a “taxas de urgência” e de assim garantir que os seus projetos não eram condenados a um “veto de gaveta”.
O Ministério Público – que abre a ronda de alegações finais na manhã de dia 12 de dezembro, no Tribunal de Espinho – deve insistir na condenação pela corrupção, mas não é aí que o Tribunal tem oportunidade de ser exemplar e de criar jurisprudência: é a incentivar, para futuro, que outros escolham contar a verdade – mesmo que isso signifique assumir algumas responsabilidades e as suas consequências – e colaborem com a justiça.
A tese do Ministério Público
A tese com que o Ministério Público se apresentou em tribunal, no dia 5 de setembro de 2024, assentava numa narrativa muito apetecível para os media: decisões urbanísticas teriam sido “compradas” por promotores imobiliários, através do pagamento de vantagens a autarcas e técnicos municipais. Porém, o evoluir do julgamento não confirmou essa leitura linear. Em vez disso, destruiu o nexo causal das decisões ilegais tomadas a troco de dinheiro.
As testemunhas
Testemunhas técnicas da própria Câmara Municipal negaram ter agido fora da lei ou sob instruções ilegítimas e afirmaram que as decisões obedeceram a práticas internas, critérios técnicos e interpretações do PDM que já vinham de trás, não tendo sido criadas para servir outros interesses que não os de Espinho, designadamente os de Francisco Pessegueiro. Um ex-dirigente municipal declarou, sem ambiguidades, nunca ter recebido ordens para beneficiar qualquer empresário em processos concretos.
A intervenção de duas especialistas em direito do urbanismo, chamadas pela defesa de Francisco Pessegueiro, foi decisiva para enfraquecer a acusação. Depois de analisarem os projetos que estão no centro da Operação Vórtex – 32 Nascente, 32 Poente, Sky Bar e Lar Hércules – Dulce Lopes e Fernanda Paula concluíram que as decisões da Câmara de Espinho tinham enquadramento no regime jurídico aplicável e não configuram nulidades nem ilegalidades graves. Ambas afastaram a existência de fundamentos técnicos que sustentassem a tese de “decisões fabricadas à medida” de um promotor imobiliário.
No que à própria investigação diz respeito, esta revelou um conjunto de fragilidades. Em audiência, o inspetor responsável chegou mesmo a reconhecer não ter registos visuais ou documentais de alegadas entregas de dinheiro – um constrangimento que só reforçou o carácter indiciário do processo.
Resumindo…
Esperava-se de Vórtex que fosse um exemplo de mão pesada com empresários e autarcas e se tornasse um símbolo no combate à corrupção na esfera do poder local, mas entre prova produzida e testemunhas ouvidas ninguém tem hoje essa expectativa. Será preciso assumir que o MP foi com muita sede ao pote: não teve em conta as especificidades locais, em matéria de urbanismo, considerando que a lei tinha sido violada de forma e ignorando uma componente de subjetividade na sua aplicação, dependente da interpretação local instituída em Espinho há vários anos.
Já Francisco Pessegueiro manteve a atitude do princípio ao fim do julgamento: confessou os seus atos, assumiu ao Tribunal que cometeu erros, mas explicou que agiu convicto de que estava a fazer a coisa certa para concretizar os seus projetos. Seguiu as orientações que lhe deram como sendo a prática comum em Espinho para conseguir celeridade.
OPERAÇÃO VÓRTEX: O QUE É E PRINCIPAIS ACONTECIMENTOS
A acusação foi montada como um caso-modelo: dois ex-presidentes de câmara, vários técnicos municipais e promotores imobiliários, num enredo que envolve o licenciamento de projetos imobiliários (edifícios multifamiliares e unidades hoteleiras) na zona de Espinho.
10 de janeiro de 2023 – A Polícia Judiciária executa cerca de duas dezenas de mandados de busca domiciliários e não domiciliários — nos serviços da autarquia de Câmara Municipal de Espinho, residências de funcionários da autarquia e em empresas nos concelhos de Espinho e Porto. Nessa operação, são detidas 5 pessoas.
10 de julho de 2023 – O Ministério Público deduz acusação formal contra 8 arguidos e 5 empresas (entre elas a Construções Pessegueiro). Entre os acusados estão dois ex-presidentes da câmara (Miguel Reis e Pinto Moreira). O empresário Francisco Pessegueiro é acusado de 8 crimes de corrupção ativa, 1 de tráfico de influência, 5 de prevaricação e 2 de violação de regras urbanísticas.
24 de novembro de 2023 – O Tribunal de Instrução Criminal do Porto decide levar todos os arguidos a julgamento.
5 de setembro de 2024 – Francisco Pessegueiro faz confissão e fala em valores pedidos por Pinto Moreira e Miguel Reis para projetos estratégicos para Espinho em troca de “démarches políticas” que agilizassem os processos urbanísticos na autarquia.
6 de setembro de 2024 – Francisco Pessegueiro revela que entregou dinheiro a Miguel Reis num café de Espinho, como adiantamento ligado à aprovação de projetos urbanísticos.
12 de dezembro de 2024 – Na 12.ª sessão do julgamento, enquanto era ouvido o arquiteto João Rodrigues e em referência a escutas telefónicas, surge a expressão “taxas de urgência” alegadamente ligadas a Miguel Reis, no contexto do empreendimento 32 Nascente. Este momento cristaliza a ideia de “pagamento por celeridade”.
16 de janeiro de 2025 – Com explicações técnicas, João Rodrigues, tenta desmontar a tese do MP de que havia um plano concertado para favorecer a construtora Pessegueiro. Com referências constantes às reuniões técnicas que tinha na Câmara Municipal de Espinho, procura mostrar que os processos de Francisco Pessegueiro seguiam circuitos administrativos normais.
14 de fevereiro de 2025 – Paulo Malafaia nega ter corrompido quem quer que seja e rejeita qualquer “pacto corruptivo” com Pessegueiro e João Rodrigues para obter celeridade no licenciamento em Espinho.
27 de fevereiro de 2025 – Na 22.ª sessão do julgamento, Pinto Moreira garante que “nunca acordou com o senhor Francisco Pessegueiro o que quer que fosse”, negando explicitamente qualquer acordo de contrapartidas.
7 de março de 2025 – Miguel Reis começa a prestar declarações e nega qualquer contacto pessoal ou informal com Francisco Pessegueiro. Nega ainda ter recebido qualquer contrapartida financeira que o colocasse dentro do esquema de favorecimento no qual assenta a tese do MP.
27 de março de 2025 – Inspetor da PJ fala sobre o sistema de videovigilância do café onde teriam ocorrido duas entregas de 5.000 euros a Miguel Reis. Explica que há imagens do primeiro encontro (maio de 2022), mas as do segundo (setembro de 2022) foram sobregravadas, porque o sistema não guardava 30 dias de gravação.
17 de outubro de 2025 – Professora Dulce Lopes, sustenta que não se verificaram nulidades nem ilegalidades graves nos atos urbanísticos da Câmara de Espinho nos projetos 32 Nascente, 32 Poente, Lar Hércules, Sky Bar e que a prática de aprovar projetos com condições é comum e não viola, por si, o RJUE. Na sequência dos pareceres assinados por Dulce Lopes e Fernanda Paula e após o seu depoimento, tribunal manda refazer uma perícia anteriormente junta aos autos, colocando em causa a prova técnica do MP.
19 de novembro de 2025 – perito regressa ao tribunal de Espinho e a sua interpretação entre em choque com as dos arquitetos que estão a ser julgados e que insistem na forma como determinadas regras são, desde sempre, interpretadas e aplicadas em Espinho à luz do PDM e da especificidade local.