Salgado: activo tóxico na política

Augusto Santos Silva, seis anos ministro dos Assuntos Parlamentares de José Sócrates – um Governo que manteve relações estreitas com o BES –, ironiza: “Registo que a única forte influência que ficou até agora provada é a que Ricardo Salgado tinha no Ministério Público, que só o foi buscar quando ele caiu”. Em tom mais…

Salgado: activo tóxico na política

A verdade é que desde a detenção de Ricardo Salgado, conhecido em meios políticos e económicos como DDT (Dono Disto Tudo), a classe política vai pensando nos estilhaços que a podem atingir. Há vários políticos e ex-governantes que vieram do BES, havia parcerias governamentais com o Banco e as relações pessoais com o banqueiro eram variadas na política. 

“O Ricardo sabe. E se ele conta o que sabe? E o que saberá?”, disparou o dirigente do PS Eurico Dias, no Facebook. “E ainda duvidam da agenda de separação dos negócios e da política?”, questionou, puxando por um dos temas de campanha de António José Seguro, com que pretende atingir António Costa.

Santos Silva diz que “quanto à proximidade com os políticos, gostava de saber factos”. Não aceita “conversas de autocarro” ou “argumentos à Louçã” em que se faz de Manuel Pinho ou Miguel Frasquilho “suspeitos” e “se considera o seu regresso ao BES como prova de relações quase mafiosas”.

Na exposição da classe política ao agora ‘activo tóxico’ Ricardo Salgado, a guerra interna do PS oferece todo um campo de disputa. António José Seguro acusou os apoiantes de Costa de estarem ligados à “velha política” que “mistura negócios, política, vida pública, interesses, favores, dependências”.

Sem querer dar a cara, do lado segurista, vários dirigentes salientam que é Costa quem tem a perder. “Toda a gente do Sócrates está na candidatura dele. Os grandes negócios, das PPP, ao turismo, passando pelos PIN (Projectos de Potencial Interesse Nacional) passavam todos pelo primeiro-ministro e por ministros como Mário Lino, Manuel Pinho e Paulo Campos”, refere um segurista.

Ex-ministros de Sócrates, preferindo também o anonimato, afastam relações privilegiadas com Salgado. “As relações com o BES não foram nada de especial”, refere um ex-governante ao SOL. Nas Obras Públicas como no Ministério da Economia, durante o consulado socrático, fontes ouvidas pelo SOL, sublinham que a CGD era o banco preferido nos investimentos e parcerias. E há quem lembre que no Governo actual e em autoridades reguladoras “há muita gente do BCP e do BPI, mas faz tanto sentido levantar suspeitas por causa disso como dizer que o anterior Governo era influenciado pelo BES”.

Na discussão sobre as implicações da detenção de Ricardo Salgado, acusado de burla, abuso de confiança e branqueamento de capitais, o empresário Pais do Amaral falou de Marcelo Rebelo de Sousa. Um amigo pessoal do banqueiro, cuja namorada e um filho têm ligações profissionais ao BES e à PT. “A ligação não pode ser maior e, como tal, as ambições presidenciais não podem ser mais afectadas”, disse em entrevista ao Dinheiro Vivo. 

O ex-ministro da Justiça Vera Jardim defende Marcelo. “Não acho admissível que fique manchado, por ser amigo. Não somos responsáveis pelos nossos amigos. Ricardo Salgado mantinha uma rede de conhecimentos, não é novidade, e uma larga influência na sociedade, meios económicos e políticos. Não se pode fazer agora é uma caça às bruxas”. 

Santos Silva corrobora, com humor: “É um direito constitucional do Professor Marcelo ter uma namorada. Ela ter um lugar de administradora no BES levanta suspeitas sobre Marcelo? Ridículo!”.

Marcelo comentou profusamente as suas ligações de amizade com Ricardo Salgado. Na TVI, assegurou que as suas “ambições são tão pacíficas, tão calmas e são as mesmas que eram quando ele não era arguido”. Garantiu também que não renega a amizade, não sendo “daqueles que mandam sms a dizer que ‘não te posso ver mais porque tu és arguido’”.

Carlos Silva, líder da UGT, cujo salário continua a ser pago pelo BES, onde era funcionário, vai mais longe na defesa do ‘patrão’. “Tenho grande respeito por ele e o que aconteceu não me retira a simpatia por ele. Percebo a desilusão de muita gente, mas confio que a Justiça fará o seu caminho”. O sindicalista recorda que, quando passou a líder da UGT e se soube que continuaria a ser quadro do BES, “houve quem tivesse feito comentários maldosos”.  Carlos Silva recorda também que Salgado “sempre deu aos trabalhadores grande carinho e acompanhamento”. 

Quando se fala dos negócios do BES, vem ainda à memória o caso Portucale – o abate de sobreiros  após a aprovação de projectos imobiliários, antes das legislativas de 2005 – e o processo da venda dos submarinos, onde se suspeitou de financiamento partidário. Ambas as polémicas envolviam ministros do CDS.

Toda esta teia de ligações que envolve Ricardo Salgado leva um socialista a afirmar: “Este pode ser o maior tsunami da vida política portuguesa desde o 25 de Abril. Está lá tudo metido”.

manuel.a.magalhaes@sol.pt

* com Sónia Cerdeira