Edite Estrela: ‘Barroso é o rosto da vinda da troika’

Acompanhou os dez anos do presidente da Comissão Europeia e o balanço que faz é, com nuances, negativo. “Deixou-se intimidar por Angela Merkel”, sentencia.

Edite Estrela: ‘Barroso é o rosto da vinda da troika’

Foi eurodeputada durante os dez anos da presidência de Durão Barroso. Valeu a pena tê-lo em Bruxelas?

Eu não votei nele na primeira eleição e mais tarde acabei por achar que fui injusta. No segundo mandato votei, dando-lhe o benefício da dúvida, e relevando o facto de ser português. Depois, houve momentos em que me arrependi.

Porque não votou nele em 2004?

Porque estava muito marcada pelo papel que ele teve na Cimeira dos Açores, que abriu as portas à intervenção no Iraque. Ele fica na fotografia, ao lado de Bush, Aznar e Blair. Também não ajudou a forma como deixou o Governo em Portugal.

O primeiro mandato correu acima das suas expectativas. Quais foram as razões para isso acontecer?

Durão Barroso esteve muito bem na presidência portuguesa da União Europeia, quando Sócrates era primeiro-ministro, e geriu de forma eficaz um alargamento difícil quando a Europa dos 15 passou a ter quase o dobro dos países membros, 28.

E por que se arrependeu, depois, quando votou nele?

Porque não esteve à altura na crise das dívidas soberanas. Demitiu-se das suas responsabilidades, revelou falta de coragem. Acho que Durão deixou-se intimidar por Angela Merkel.

Durão fica para a História da UE?

Os dez anos de Barroso não ficam na História, como ficaram os dez anos de Jacques Délors, que transformou a CEE na União Europeia. Durão foi a reboque, não se conseguiu impor à Alemanha. Ele é um político mais habituado a procurar consenso… Acredito, porém, que se tenha batido para evitar que a Grécia saísse do euro. Mas, na gestão da crise, deixou-se embrulhar pelos interesses dos bancos alemães. Lamento que não tenha percebido que austeridade teria de rimar com solidariedade. 

Mas Portugal teve algumas vantagens em tê-lo como Presidente da Comissão Europeia?

Há sempre vantagens quando um português desempenha cargos de prestígio. Não me custa admitir que houve momentos em que fez a diferença ter alguém do nosso país à frente da UE. Acompanhou muito bem, como já disse, na presidência portuguesa. E, na crise, tentou segurar o euro, acompanhou as posições de Mario Draghi. Noutro nível, o facto de ser português também pesou, porque criou oportunidades de emprego: passou a haver um português em cada gabinete de comissário europeu.

Durão tem condições para se candidatar à Presidência da República, no início de 2016?

O futuro de Durão Barroso não faz parte das minhas preocupações. Mas não me parece que tenha tempo para fazer esquecer a má imagem que tem junto dos portugueses. Ele é o rosto da austeridade, da penalização dos portugueses, da vinda da troika. 

Não é José Sócrates?

Esperava que dissesse isso. O Governo português, do PS, assinou de facto o memorando de entendimento com a troika. Mas o memorando do PS não teve nada a ver com os sucessivos memorandos que foram sendo assinados depois.

António Guterres e Durão Barroso são falados como candidatos eventuais a secretário-geral da ONU. Algum deles tem perfil para o cargo?

António Guterres, sem dúvida alguma. Pude recentemente perceber ao vivo, na União Europeia, o prestígio internacional de que goza. E ele já está na ONU. O seu perfil humanitário, o seu desempenho exemplar como Alto Comissário do ACNUR, a agência das Nações Unidas para os refugiados, tornam-no indicado para ser secretário-geral da ONU. E julgo que estará bem colocado para conseguir o cargo. 

Mas com Guterres na ONU, o PS terá um problema para as eleições presidenciais.

Não creio. Há sempre alternativas. O PS tem muitos valores, há várias personalidades com perfil para ser Presidente da República. Dito isto, António Guterres, se quiser candidatar-se será obviamente um excelente Presidente que honrará Portugal.

Sócrates é uma das personalidades socialistas com perfil presidencial?

José Sócrates é um grande político nacional e internacional e um grande quadro socialista. Parece-me que não deve ser excluído.

Um ex-governante do PS, Ascenso Simões, pediu esta semana a Cavaco que condecore Sócrates. Augusto Santos Silva diz que a condecoração seria uma nódoa no currículo de Sócrates. O que lhe parece?

Sócrates, pelo que fez como primeiro-ministro, merece ser condecorado pelo Estado português. Agora, duvido que ele gostasse de ser condecorado por Cavaco Silva. Portanto, estou mais com a opinião de Santos Silva. 

Saiu do Parlamento Europeu este ano por não ter sido incluída nas listas por António José Seguro. Guarda mágoa por essa exclusão?

Prefiro não falar nisso. Era um direito que o secretário-geral tinha.

Com António Costa, tem disponibilidade para voltar a cargos partidários?

Sempre estive disponível para todos os desafios que o PS me quis atribuir. Quer quando me apresentei à Câmara de Sintra – o PS era então a terceira força no concelho -, quer na Assembleia da república ou no Parlamento Europeu, ou no Secretariado do PS. Penso que esta disponibilidade é a atitude correcta de quem quer o melhor para o partido em que milita. Continuo com essa postura.

manuel.a.magalhaes@sol.pt