Os contos de Anderson

O título era sugestivo e o elenco notável. As críticas falavam dele com entusiasmo. Mas o trailer de apresentação do filme desiludiu-me – tudo parecia caricatural e demasiado ensaiado. “Um disparate”, resumiu a minha mulher. Além disso, o cartaz mostrava um elenco de luxo como se de cromos numa caderneta se tratassem. Uma constelação de…

Refiro-me a Grand Budapest Hotel. Do seu realizador, o relativamente jovem Wes Anderson, já tinha visto filmes muito bons (como Os Tenenbaums – Uma Comédia Genial ou The Darjeeling Limited) e filmes menos bons, como Um Peixe Fora de Água e o quanto a mim sobrevalorizado Moonrise Kingdom. Faltava um para desempatar.

Quando Grand Budapest Hotel saiu, achei, por aquilo que conhecia do realizador, que podia ser um grande filme. Mas o entusiasmo inicial foi esmorecendo e, depois de ver o trailer, fiquei com sérias dúvidas sobre se valeria a pena vê-lo. Até que há dias tomei a sábia decisão de o alugar no videoclube.

A narrativa começa no antigo cemitério da localidade imaginária de Lutz (Carl Lutz foi um diplomata suíço que viveu em Budapeste durante a II Guerra e salvou a vida de muitos judeus), onde existe um memorial dedicado a um escritor. Uma fã dedicada deposita ali uma chave em jeito de homenagem e abre um livro: Grand Budapest Hotel.

O nome pomposo contrasta com a primeira imagem que temos do hotel: um edifício decadente, com empregados desmazelados e clientes – raros – excêntricos e solitários. Só depois recuamos à época áurea do Grand Budapest, quando era uma espécie de palácio que recebia hóspedes de todo o mundo, um ponto de encontro da aristocracia e dos muito ricos, um microcosmos de boas famílias, boas maneiras e bom gosto.

Cinco minutos bastaram para deitar por terra todas as minhas reservas iniciais sobre o filme. Embora tenha momentos que fazem lembrar The Shining – o clássico de Kubrik sobre um escritor que enlouquece enquanto fica a guardar um hotel durante o Inverno – e outros que trazem à memória Por Favor Não me Morda o Pescoço, de Polanski, o resultado é de uma originalidade a toda a prova.

O génio de Wes Anderson e da sua equipa manifesta-se de variadas formas: nos ambientes, nos enquadramentos, nos trajes e adereços, no fascínio por mecanismos como fechaduras, roldanas, elevadores e funiculares, ou até na elegância com que uma personagem desce um lanço de escadas.

A maior surpresa para quem vê Grand Hotel Budapest, porém, é que afinal talvez nem se trate de uma comédia. Como alguém disse, parece-se mais com uma fábula ou um desses contos que misturam o maravilhoso e o grotesco. O sentimento dominante não é o humor, mas a nostalgia. Por isso não surpreende a informação final de que o filme se inspira na obra de Stefan Zweig, o grande escritor austríaco de ascendência judaica que exprimiu na perfeição o requinte da civilização centro-europeia do início do século XX e que, exilado, se suicidou com a mulher no Brasil, em 1942.

Com o seu cabelo comprido e feições de criança crescida, Wes Anderson parece um americano vulgar dos dias de hoje. Quem o julgar pela aparência, dirá que ele e Zweig têm muito pouco em comum. Mas quem vir o seu filme perceberá que não são apenas dois grandes autores: são duas almas gémeas.

jose.c.saraiva@sol.pt