“Estou tão longe do PS como sempre estive”

O Tempo de Avançar quer mudar o rumo da esquerda, mas não confia no PS. Daniel Oliveira diz que o BE, partido que fundou, se revelou mais avesso ao poder do que o PCP.

Se o Eurogrupo não ceder à Grécia o que acontece?

O que o Eurogrupo fez no início da semana foi um acto de chantagem pura. A Alemanha está a tentar provocar uma humilhação ao Governo do Syriza, lançando um sinal para o resto da Europa, que é ‘o seu voto não mudará o rumo nem do seu país nem da União’.

A tese da vacina está ganhar?

A tese da vacina será o suicídio da Europa. O que para mim é extraordinário é o comportamento dos governos socialistas, alinhados com este ultimato, mostrando que desistiram de ter um discurso político próprio, e com o qual eles foram eleitos.

A saída da Grécia do euro é o fim do projecto europeu?

Ninguém sabe o que acontecerá. E se há país que não deve ser calmo em relação a isso é Portugal. O Governo português está mais preocupado em mostrar-nos que não havia outras alternativas do que, no Eurogrupo, representar os interesses nacionais. 

A sua esquerda depende de uma vitória do Syriza frente a Merkel? Resiste a um revés do Syriza?

Não depende, e resiste a um revés do Syriza. Mas claro que a esquerda em que estou será a mais prejudicada. No caso contrário, será a mais beneficiada, pois mostrará que quem está disposto ao compromisso consegue alguma coisa.

Quando o Syriza ganhou as eleições, Luís Fazenda do BE criticou o «embandeirar em arco» de «Rui Tavares e companhia alargada», pois deviam antes estar a olhar para o partido Dimar (dissidente do Syriza), que quis aliar-se ao PASOK e foi varrido do mapa eleitoral. Aceita a comparação?

Sempre foi uma discordância minha com alguns sectores da esquerda a tendência para importar a realidade de outros países. Não há nenhum Syriza em Portugal, nenhum Dimar, nem sequer nenhum Podemos. Em Portugal, não estamos a assistir a uma desagregação do mapa político-partidário. 

Militou no PCP e no BE, agora no Tempo de Avançar (TdA). Está cada vez mais próximo do poder?

Eu acho que quando passei do PCP para o BE me afastei mais do poder. O BE tem mais aversão ao poder que o PCP. Saí do PCP por razões ideológicas e de funcionamento interno. Agora sou independente, estou num movimento de cidadãos, não num partido político. 

É Tempo de Avançar para o Governo? Tempo de Avançar com o PS?

É tempo de desbloquear a esquerda e de concorrer a eleições para não ir para oposição. Mas há um aspecto importante: qualquer acordo parlamentar irá a uma nova convenção do nosso movimento e será votado pelos cidadãos. Não pedimos um cheque em branco, e provamos que não é tempo de avançar a qualquer custo para o Governo.

Qual é o problema do PS?

O PS não quer transformar a realidade. Posso dizer que, ouvindo o discurso do PS, que eu não percebo qual é, estou tão longe do PS como sempre estive.

O que o TdA não está disposto a negociar com o PS?

A continuação do desmantelamento do Serviço Nacional de Saúde e da escola pública. E as privatizações. E acrescento que tenho baixíssimas razões para confiar no PS sobre a captura do Estado por interesses privados. 

O BE é um Syriza que falhou?

Não acho que haja Syrizas em Portugal. E é injusto para o BE, porque não é exclusiva responsabilidade do BE que não haja um partido à esquerda do PS, que esteja a abanar o sistema político, com 35% de votos em Portugal. As realidades não são transponíveis. 

O BE não tem responsabilidades?

Tem, por ter preferido ficar no seu canto, a juntar pessoas com as quais tem divergências ideológica.

Há boas razões para a esquerda estar tão dividida?

Não dividimos. Do nosso lado juntamos um partido (o Livre) e três organizações. O que nos move é ter uma intervenção política que mude o país. Olhando para António Costa e para o PS percebe-se o que acontecerá se o cenário político em Portugal se mantiver igual. 

António Costa é um novo Hollande?

Seria injusto dizê-lo agora. Mas António Costa não deu nenhum sinal de que ser Hollande é uma impossibilidade.

António Costa não é o seu candidato a primeiro-ministro?

Não. 

O TdA terá um líder?

Não. Mas terá cabeças-de-lista. E o meu candidato a primeiro-ministro será deste campo político. 

Inclui o partido de Marinho Pinto como parceiro de coligação?

Não sei. Apesar de ser eurodeputado, não sei o que pensa sobre a Europa. A única coisa que sei é que acha o ordenado muito alto e por isso recebe-o. 

Está preparado para ser ministro no próximo Governo?

Não está nas minhas ambições pessoais.

O Partido Livre diz que está no meio da esquerda. Você não está mais próximo da ala esquerda do PS do que da UDP?

Eu sou de esquerda, não estou obcecado é com essa geometria, que é difícil de fazer. A minha prioridade é vencer a austeridade e estou disposto a trabalhar com pessoas muito distantes de mim politicamente, até algumas de direita, que neste combate são aliadas. É uma necessidade, como se vê até com a experiência do Syriza. Eu quando me apanho a dizer que concordo com Manuela Ferreira Leite ou Bagão Félix faço-o por necessidade. 

O próximo governo, um governo com o TdA, aumenta de imediato o salário mínimo?

Não digo de imediato. Agora, o aumento do salário mínimo é um imperativo moral, político e económico. É preciso aumentar os salários mais baixos para atacar a mais desigual distribuição de riqueza da Europa.

E é preciso aumentar impostos aos que mais recebem?

Terá de haver maior redistribuição da carga fiscal, mas ela faz-se de várias formas. Nós vamos aprovar uma reforma fiscal, que tem por principal objectivo redistribuir os sacrifícios.

O que fazem à dívida pública?

Vamos seguir o que se passa na Grécia e tirar daí lições para fazer uma proposta de reestruturação da dívida pública. Mas há outras dívidas que nos levam a agir: teremos um pacote de desendividamento das dívidas das famílias e das empresas. Estou a falar de dívidas à segurança social, ao fisco e à banca. A grande tragédia portuguesa é a dívida privada. Não é possível ter um país com cidadãos livres quando muitos são escravos da sua própria dívida. 

Ferreira Leite é uma boa candidata presidencial?

Falar de presidenciais é um bom entretém para não falar de legislativas. Mas não apoiarei Ferreira Leite. 

E António Vitorino?

Não o apoiarei seguramente na primeira volta e numa segunda logo se verá. Considero-o uma péssima escolha. O país precisa de uma pessoa que dê um abanão no estado deste regime. António Vitorino é um excelente representante do mau estado deste regime. E estou convencido que Vitorino perde as eleições.

Apoiaria Francisco Louçã?

Não me parece que seja candidato, não vou comentar. Apoiarei Carvalho da Silva ou Sampaio da Nóvoa. São ambos excelentes candidatos para fazer a ruptura com a degradação da democracia e têm um currículo impecável.

E Maria de Belém?

Aplico o que disse de António Vitorino. Maria de Belém esteve este tempo todo entre a política e o mundo dos negócios.

manuel.a.magalhaes@sol.pt