Passos Coelho: ‘Sem um Governo de maioria passaremos as passas do Algarve’

Passos Coelho abre a pré-campanha eleitoral com uma grande entrevista ao SOL, onde fala das angústias vividas no passado recente e não poupa António Costa. Leia aqui a 4.ª parte da entrevista publicada na edição em papel do SOL de 15 de Maio de 2015.

Há espaço para mais sector privado na saúde e na educação?

Penso que sim. O sector privado tem vindo a adquirir uma importância crescente, mais até na saúde do que na educação. Seria hoje impensável resolver o problema da emergência médica ou das urgências nas áreas metropolitanas sem a oferta privada. Seria o caos. O Estado não está em condições, hoje, de suportar uma resposta completa e minimamente satisfatória nessa área. Ela depende muito da oferta privada, embora contratualizada com o Estado. Não é o Estado directamente a fazê-la, mas há uma oferta privada que é suportada pelo Estado. Além disso, há muita oferta privada que não depende do Estado e que está muito relacionada com os seguros de saúde e com a vontade das pessoas de terem outro tipo de serviços. O Serviço Nacional de Saúde melhorou significativamente nestes anos. O posicionamento de Portugal no contexto internacional é de grande nível, dentro das excelências. Mas muitas pessoas, apesar do bom serviço público que é oferecido, querem ter outras escolhas e pagam para isso. E não vejo nisso mal algum.

Esteve em cima da mesa a hipótese de PSD e CDS irem sozinhos às urnas?

Esteve em cima da mesa a possibilidade de fazermos um acordo pós-eleitoral ou um acordo pré-eleitoral, e a nossa opção foi fazer um acordo pré-eleitoral.

A utilização da palavra 'preferencialmente' no acordo de coligação teve como intuito possibilitar o aparecimento de um candidato menos conhecido, como Rui Rio?

A intenção foi apenas não deixar a coligação numa situação de rigidez. Apenas isto. Não há nomes envolvidos nem candidatos. Nós, preferencialmente, gostaríamos de tomar uma decisão depois das eleições legislativas. Porquê? Porque estamos concentrados nas eleições legislativas e não achamos que seja um ticket para legislativas e presidenciais. Não queremos perder tempo com as presidenciais.

Surpreenderam-no as desistências de António Guterres e de Durão Barroso? Acha que eram os dois candidatos mais qualificados para exercer a Presidência da República?

Não estou interessado em fazer nenhuma especulação de mérito nem de oportunidades em candidaturas presidenciais. Posso apenas dizer que alguém que levou tanto tempo a dizer que não estava interessado pode ter deixado acalentar em muitas pessoas a ideia de que poderia candidatar-se. Nesse sentido, pode ter havido gente surpreendida.

Refere-se a António Guterres?

A António Guterres, evidentemente.

A candidatura de Sampaio da Nóvoa representa um fenómeno novo na política portuguesa?

Novo não é, seguramente, pois já houve cidadãos de extracção não partidária que se apresentaram a eleições presidenciais.

Admite um dia ser candidato a Belém?

Essa é uma pergunta capciosa! Estou muito concentrado na minha tarefa como primeiro-ministro e o novo mandato de que estou à procura é para o Governo. Não creio que tenha perfil adequado à Presidência da República.

Admite fazer uma remodelação ministerial antes das eleições?

Só se for obrigado e seria muito contrariado. Ninguém deve procurar antes de eleições andar a fazer mexidas dentro do seu Governo.

O seu amigo Eduardo Catroga diz que em vez de ter feito um brutal aumento de impostos o Governo devia ter feito uma brutal diminuição da despesa. Como comenta essa avaliação?

Nós fizemos uma redução de despesa muito significativa. As necessidades de financiamento para o Estado eram de 20 mil milhões de euros em 2010, e em 2014 foram de 7,7 mil milhões. E serão significativamente menores este ano: aproximadamente um quarto do que eram em 2010. Isto não se faz sem uma grande redução da despesa. Portanto, não é adequada a crítica de que nos conformamos com o aumento da receita e não com a redução da despesa. Mas há uma parte de aumento da receita que fomos forçados a fazer porque o Tribunal Constitucional não consentiu algumas das medidas que actuavam sobre o lado da despesa. A primeira inclinação do Governo nunca foi ir por via do aumento dos impostos, foi sempre dar a cara pelas medidas difíceis de redução da despesa. A segunda observação que gostaria de fazer é esta: quando se fala na reforma do Estado que poderia ter gerado poupanças muito maiores, está a apelar-se para uma hipótese que não existe, que é fazer despedimentos com expressão significativa na Administração Pública. Porque uma parte significativa da despesa pública é feita com salários ou então em áreas sociais: a educação, a saúde e a Segurança Social. Mais de três quartos da nossa despesa estão aqui. Portanto, quando se diz que faltou fazer uma reforma do Estado que trouxesse essas poupanças, o que estamos a dizer é que devíamos ter cortado mais na saúde, na educação, na Segurança Social e nos salários. Ora aí somos frequentemente criticados por excesso e não por defeito… E se considerarmos que durante estes anos tivemos de pagar mais subsídios de desemprego, que dedicámos quase quatro mil milhões de euros ao programa de emergência social para acudir às pessoas que estavam em maiores dificuldades, que tivemos de suportar aumentos de consumos intermédios com as parcerias público-privadas (que só não foram maiores porque renegociámos as parcerias) e, por fim, que tivemos de fazer face a pagamentos de juros muitíssimo mais avultados do que eram em 2010, verificamos que houve um grande esforço de redução de despesa, de renegociação de despesas que estavam na iminência de se tornarem ainda mais graves, de juros que tivemos de pagar e que tiveram como contraparte outra despesa corrente que teve de ser cortada para acomodar esses juros sem mais défice, e por aí fora. Portanto, o esforço foi mesmo colossal!

Sente-se credor da gratidão dos portugueses?

Espero não ser mal interpretado, mas não é à procura da gratidão que ando. Não foi isso que me moveu. Para mim, era muito importante poder concluir o meu mandato de consciência tranquila, podendo dizer aos portugueses que fiz, no essencial, aquilo que devia para tirar o país da situação em que estava. E seria uma grande vergonha e um grande embaraço para mim ter de dizer aos portugueses que tinha falhado no meu objectivo. Durmo bem sabendo que fiz o que era preciso e estou de consciência tranquila com o trabalho que realizei. Se isso é suficientemente valorizado pelas pessoas ou não… O eleitorado pode achar que cumpri muito bem a minha missão, agradecer-me muito pelo feito, mas achar que para futuro é preferível uma pessoa com outras qualidades, com outra história, com outro enquadramento. A política é política. As críticas que me fazem, tomo-as essencialmente como políticas – e, por isso, nunca me zango com elas.

Qual foi a medida que lhe custou mais tomar?

Não sei responder. Houve tantas difíceis de tomar… Difícil foi fazer o conjunto todo, em condições de incerteza e de ansiedade grande para as pessoas. Foi difícil ajustar medidas que tínhamos negociado com a troika e que depois o Tribunal Constitucional cancelou. E isso repetiu-se várias vezes. Tínhamos de refazer tudo e ficávamos sem saber se conseguiríamos fechar a avaliação seguinte e se o país se livrava de um novo resgate. Aí, sim, a pressão foi muito forte. Estivemos várias vezes muito perto de ver tudo cair por terra. Mesmo sabendo que não íamos deitar a toalha ao chão, muitas vezes vi o caso mal parado. E isso talvez me tenha feito perder muito cabelo… Talvez esses meus nervos muito bem tratados dentro de mim próprio me tenham custado o cabelo.

Nesta legislatura, o PSD fez o papel de 'pai tirano' e o CDS de mãe boazinha que vai por trás e diz 'não vamos pedir tantos sacrifícios'. Dentro do Governo isto passava-se assim?

Quando tomamos muitas medidas complicadas, é difícil distribuir irmãmente os méritos e os deméritos entre ministros e entre partidos. Concordo que a percepção pública é um bocadinho essa, porque algumas áreas responsáveis pelas medidas mais gravosas estavam muito próximas de pessoas do PSD ou de mim próprio. Sempre dei pleno apoio aos ministros das Finanças e aos ministros que tiveram de executar políticas mais duras, mais difíceis. Mas, sendo certo que em todas as coligações há este tipo de problemas, houve divergências reais dentro do Governo. Elas foram expressas publicamente e soubemos ultrapassá-las. Não foi fácil, mas ultrapassámos. Claro que o meu partido, desse ponto de vista, foi um pouco mais castigado, até por ter o primeiro-ministro que fazia os possíveis por manter, no fim do dia, o saldo adequado para que o programa pudesse ser bem-sucedido. Mas também podemos dizer o reverso. Uma vez que as coisas correram bem, o PSD pode dizer que isso aconteceu porque o PSD não se importou de ser visto muitas vezes como o mau da fita. Isso hoje também terá, com certeza, algum saldo positivo.

Os números do desemprego são o maior fracasso do seu mandato?

São a maior frustração. Não direi que sejam o maior falhanço, porque conseguimos diminuir o desemprego. E posso dizer mesmo que, atendendo à capacidade instalada, ao nosso modelo económico, até surpreendeu que houvesse uma descida tão pronunciada do desemprego. Em Espanha isso não aconteceu, na Grécia não aconteceu e, se é verdade que a Irlanda teve valores mais favoráveis, também é verdade que a emigração foi mais forte na Irlanda do que em Portugal, no mesmo período. Mas uma economia que tem um desemprego acima de 10 por cento tem imenso desemprego. E sabendo eu que isso está muito relacionado com os jovens, com pessoas mais velhas…

E de longa duração…

Também entre os jovens há desemprego de longa duração. Simplesmente, há uma diferença: quando a economia começar a criar emprego a um ritmo mais intenso, os jovens serão engajados nesse processo mais facilmente. Mas quem tem 45, 50, 55 anos tem mais dificuldade. Hoje estou mais preocupado com os jovens, porque são muitos – chegaram a ser quase 40 por cento – mas no médio e no longo prazo estou mais preocupado com aqueles que, mesmo que as coisas corram bem, terão mais dificuldade. E são pessoas ligadas a sectores da economia que não retomarão o tipo de desempenho que tinham antes, como a construção civil e serviços afins. E aí, sim, temos de desenvolver políticas muito taylor-made, muito feitas à medida desses sectores, para que essas pessoas tenham possibilidade de voltar ao mercado de trabalho.

Já se manifestou aberto a uma coligação com o Partido Socialista no caso de não haver nenhuma maioria depois das eleições. Só que, como o PSD e o CDS concorrem juntos, isso implica um Governo a três…

Creio sinceramente que o que vai estar em jogo nas próximas eleições é saber se damos maioria ao actual Governo ou se damos maioria ao Partido Socialista. Espero que uma destas coisas aconteça. Não há, no actual contexto, nenhuma hipótese de um governo juntando CDS, PSD e Partido Socialista poder sequer funcionar. Porque os programas económicos são divergentes, os modelos económicos são diferentes, a forma como o Partido Socialista – e já vão em duas lideranças – vem colocando o problema político e económico não é conciliável com os objectivos que temos. Basta dizer que boa parte das reformas que nós empreendemos foram vistas pelo Partido Socialista como concessões feitas à troika em condições em que a nossa negociação estava muito limitada – e, portanto, coisas que, se eles tivessem estado no Governo, teriam feito com grande contrariedade. Veja-se o processo de privatização da TAP, veja-se que o Partido Socialista não perde oportunidade de dizer que vai reverter o programa económico em curso. Como é possível dar consistência e coerência a um governo nessas condições? Portanto, eu sinceramente espero que a campanha eleitoral sirva para dizer às pessoas que o pior que nos pode acontecer é ninguém ter uma maioria. Ainda agora estive em Itália e vim de lá no dia em que foi aprovada a reforma eleitoral para garantir estabilidade aos governos: quem ganha tem sempre maioria absoluta. Não é um fim em si mesmo, mas é muito importante. E numa fase como aquela que estamos a viver, de recuperação ainda frágil, isso é ainda mais importante.

A ministra das Finanças, em entrevista ao SOL, admitiu que, no caso de não haver uma maioria, não via por que não fazer um Governo minoritário. Concorda?

Se não tivermos um Governo com maioria, passaremos as passas do Algarve. Portanto, não vou especular sobre outras condições teóricas que podem emergir. É muito importante que as pessoas tenham consciência dos perigos que rodeiam esse tipo de solução. O dia a seguir é sempre demasiado tarde para consertar as coisas. Da mesma maneira que foi indispensável eu e Paulo Portas termos conseguido manter o Governo nestes anos – e lembro-me de que, na crise de 2013, até as pessoas que não eram do CDS nem do PSD estavam preocupadas com o que podia acontecer, percebendo que se o Governo acabasse a vida delas ia piorar seriamente, porque tudo aquilo para que tinham feito sacrifícios ficava em causa -, assim no dia a seguir às eleições nós podemos perder muito. Não estamos já, felizmente, dentro do resgate – mas podemos perder muito mais do que as pessoas pensarão.

Houve alguma hesitação em apresentar-se a um novo mandato tendo em conta a doença da sua mulher?

Não. A minha mulher foi muito firme naquilo que disse sempre: era muito importante que pudéssemos prosseguir a nossa vida, com as nossas convicções, lutando por aquilo em que acreditamos. E eu procuro fazê-lo, esperando evidentemente que tudo acabe em bem dos dois lados. Teria de ter corrido tudo muito mal para que uma decisão dessas tivesse de ser encarada.

A ENTREVISTA NA ÍNTEGRA

Parte 1: 'É verdade o que se diz no livro sobre o Verão de 2013'

Parte 2: ‘Tenho uma visão positiva do mandato de Carlos Costa’

Parte 3: ‘O PSD não deve usar Sócrates na campanha’

Parte 4: ‘Sem um Governo de maioria passaremos as passas do Algarve’