Empate técnico

Na quarta-feira, dia do debate entre Passos Coelho e António Costa, o Correio da Manhã publicava uma sondagem que dava quase seis pontos de avanço da coligação PSD/CDS sobre o Partido Socialista.

Era um duche de água gelada na já abalada confiança dos socialistas, que na generalidade das sondagens têm vindo a perder terreno de semana para semana.

À partida para o debate, António Costa sabia, pois, que tinha de estar sempre ao ataque para conseguir inverter a tendência dos últimos tempos.

Passos Coelho, pelo contrário, tinha por missão não estragar a vantagem conseguida, mantendo uma pose serena de estadista – em contraste com a do líder do PS.

Isso marcou muito a primeira parte do confronto.

Mas também era natural que assim fosse: ao partido da oposição compete atacar o Governo, enquanto ao Governo cabe defender as opções que faz.

Assim, vimos de início um António Costa muito agressivo, a mostrar vários gráficos preparados para esta situação e a acusar repetidamente o Governo de ter ido “além da troika”.

Nesta fase, Passos Coelho foi bastante passivo, não contra-atacando no estilo impetuoso do adversário e procurando explicar, no seu estilo pedagógico de professor primário, as medidas difíceis adotadas pelo Governo a que preside.

Na segunda parte do debate, talvez alertado pelos assessores para a excessiva passividade da sua postura, Passos Coelho começou mais combativo e António Costa marcou um autogolo ao insistir numa ideia em que ninguém acredita: que foi o PSD quem chamou a troika.

Mas fez um bom número de circo ao ridicularizar o programa de apoio do Governo ao regresso dos jovens emigrantes.

Deve dizer-se que, na sua deliberada contenção, Passos Coelho não explorou algumas fragilidades do adversário – como, por exemplo, a diferença entre a forma como foi gerido o caso BES e o modo como os socialistas lidaram com o BPN, cuja nacionalização António Costa apoiou.

 De facto, apesar de o BES ser dez vezes maior do que o BPN, o Estado só terá perdas indiretas no primeiro, enquanto no segundo já registou prejuízos que poderão situar-se nos sete mil milhões de euros.

E o fracasso do Syriza na Grécia, cuja vitória António Costa precipitadamente saudou, também poderia ter sido muito mais explorado se Passos não fosse primeiro-ministro.

Nas perguntas finais, Passos manteve a pose de estadista e António Costa mostrou-se um tanto mais embrulhado.

Numa apreciação geral, Passos Coelho e António Costa não conseguiram afastar por completo neste debate as principais dúvidas e reservas que pesam sobre eles.

Costa não conseguiu tranquilizar os eleitores quanto aos perigos de fazer o país andar para trás,  inutilizando  os  esforços realizados  pelos  portugueses  até  aqui.

A reafirmação, no debate, das suas promessas eleitorais (rebatizadas de “compromissos”) não deixou ninguém tranquilo quanto ao abandono da política despesista que marcou outros governos socialistas.

Quanto a Passos Coelho, não conseguiu acabar de uma vez por todas com a ideia de que podia ter seguido um caminho que exigisse menos sacrifícios aos portugueses; e, sobretudo, mantém-se a suspeita de que poderá prosseguir – ainda que em doses mitigadas – a política de austeridade.

Tudo somado, um debate sobre o qual se centravam todas as expectativas acabou por não alterar muito a situação.

Os simpatizantes da coligação PSD/CDS sentir-se-ão um pouco desiludidos, pois as sondagens criaram um clima de euforia que esperavam ver continuado na TV, com Passos Coelho a esmagar António Costa e ficar com uma passadeira estendida até as eleições.

Nesta medida, o debate foi como que um balde de água fria nas expectativas dos apoiantes da coligação.

E os socialistas sentem-se um pouco eufóricos pela razão oposta: se Costa tivesse sido claramente derrotado, como temiam, as eleições estariam irremediavelmente perdidas.

Assim, o debate reequilibrou os pratos da balança – e os dois exércitos iniciam a campanha numa situação de igualdade.

Daqui para a frente, a dinâmica que um e outro consigam criar vai ser decisiva.

P.S. – Passos Coelho perde, por vezes, em ser muito politicamente correto. Se, na pergunta sobre as presidenciais, por exemplo, tivesse dado uma resposta surpreendente do tipo: “O PSD só decidirá depois das legislativas, mas eu veria pessoalmente com bons olhos a candidatura de um ex-líder do partido como Marcelo Rebelo de Sousa”, teria condicionado tudo. Nessa noite e nos dias seguintes não se falaria noutra coisa e essa declaração abafaria toda a discussão sobre o debate.

Crónica originalmente publicada na edição em papel do SOL de 11/09/2015