Base das Lajes. “Quem ganha sempre são os Estados Unidos”

António Ventura, do PSD, critica a falta de conhecimento do Estado sobre a importância da posição geoestratégia dos Açores

Depois da notícia de que os Açores vão receber a nova estratégia nacional para o espaço, a Assembleia da República debate, a pedido do PSD, a valorização das posições geoestratégicas das regiões autónomas da Madeira e dos Açores.

António Ventura, deputado social-democrata eleito pelos Açores, explicou ao i que o objetivo do debate é que “se fale do tema, se estude o tema, se dê importância ao tema a nível nacional”. “Nós propomos uma articulação de cá [continente], para lá [regiões autónomas], em que o governo da República e o governo regional discutam”, explicou o deputado.

“Sabermos antecipadamente quais são as vantagens negociais neste xadrez multipolar da posição dos Açores” é vantajoso para que Portugal deixe de “ir para a mesa de negociações – quer internamente [na União Europeia] quer externamente – sem saber que benefícios têm os Açores”.

A localização do arquipélago açoriano sempre foi cobiçada a nível estratégico, chegando mesmo a receber o título de “ilhas do mundo”. No entanto, o conhecimento do Estado português sobre as possibilidades de utilização é limitado, denuncia o deputado.

A utilização da base das Lajes por parte dos Estados Unidos da América (EUA) a nível militar é para Ventura um “colete de forças”. “Este colete de forças, digamos assim, com os EUA – só com os EUA – não tem permitido abrir o leque das potencialidades da posição geoestratégica e geopolítica dos Açores”.

Para além disso, a falta de conhecimento sobre as possibilidades do arquipélagos faz com que os acordos sejam sempre prejudiciais a Portugal. “Em todas as revisões dos acordos com os EUA [sobre a utilização base das Lajes], quem ganha sempre são os EUA. Não tenhamos dúvidas quanto a isso. E Portugal tem de saber tirar partido para além dos EUA”.

O deputado afirma que é preciso estudar a possibilidade de investir a nível tecnológico, humanitário ou do conhecimento, como, por exemplo, nas áreas marinha e astrofísica, chegando mesmo a sugerir a criação de um laboratório no meio do oceano Atlântico.

“O que tem acontecido é que nós estamos em estado latente, não atuamos nem damos prioridade ao conhecimento da política da geografia no âmbito internacional e no âmbito das negociações internacionais”, afirma Ventura.

A questão “exige, de facto, estudos prospetivos, mas que não parem no tempo, têm de ser atualizados”. Para Ventura, “é o Estado que tem de potencializar a seu favor – e também a favor dos Açores – o arquipélago. Há ali um potencial adormecido, claro que há. Está em estado latente, claro que está. Não tem sido devidamente aproveitado, claro que não. Nós estamos numa posição no mundo em que podemos beneficiar Portugal – e os Açores – em termos de criação de riqueza e de emprego”, acrescenta.

Estratégia nacional para o espaço Como o i publicou na passada terça-feira, foi publicada em Diário da República a resolução de conselho de ministros de fevereiro que aprovou a Estratégia Nacional para o Espaço. “Isso é uma boa notícia, mas a questão é que tem havido muitas notícias e pouca concretização”, critica Ventura. “Foi o Air Center, um centro de segurança no Atlântico, agora é um centro de lançamento de satélites. A verdade é que não passa ainda de teorias, não sei se está no papel de forma concretizada e planeada”.

O deputado social-democrata defende que “é preciso passar da publicidade à concretização. Basta de publicidade, de anúncios. Concretize-se aquilo que se tem vindo a anunciar”, pede o Ventura. “E parece que há aqui uma publicidade para entreter, uma forma de criar expetativas e assim ir embalando o povo açoriano. Já estamos a dois anos do mandato, já vamos para o terceiro ano, rapidamente para estaremos no quarto ano, são as eleições e nada se fez”.

O deputado eleito pelos Açores chega mesmo a partilhar uma situação em que mostra a “descoordenação” que existe entre o arquipélago e o continente. “No âmbito do orçamento da defesa para 2018, o ministro Augusto Santos Silva anunciou no parlamento, com pompa e circunstância, que no orçamento da Defesa estava previsto o estudo de usos adicionais para a base das Lajes. Logo no dia a seguir veio o presidente do governo regional [Vasco Cordeiro] dizer que é mentira, que não estava lá. E, mais grave do que isso, é que, precisamente uma semana depois, o ministro dos Negócios Estrangeiros voltou a afirmar que lá estava e o presidente do governo voltou a afirmar que não estava. Isto há aqui uma descoordenação incrível que nada benéfica quem está a ver esta palhaçada política”.

Cinco propostas em discussão E foi com o objetivo de acabar com esta “descoordenação” que o PSD apresentou este tema à Assembleia da República juntamente com um projeto de resolução que recomenda ao governo que “potencie com o governo regional dos Açores e o governo regional da Madeira uma articulação política prospetiva para a importância geoestratégica e geopolítica dos arquipélagos”. “O que nós propomos é que se sentem, que articulem, que estudem, porque caso contrário são várias vozes sem coordenação”, explica.

Também em debate estão outros quatro projetos, dois do PS e dois do CDS, que defendem a valorização do potencial geoestratégico tanto da Madeira como dos Açores. Os projetos dos outros partidos “são bem-vindos”, afirma Ventura, que acredita que o mais importante é que “haja esta atenção nacional para as potencialidades que estão ali adormecidas”.

Sobre as expetativas para o debate, o deputado social-democrata espera “que seja aprovado”, mas deixa o aviso: “Nós vamos acompanhar, vamos vigiar o cumprimento dessa resolução da Assembleia da República. Porque também há outra estratégia do governo que é aprovarem as resoluções e depois, como são aprovadas, não se fala mais no assunto e eles não fazem nada. Nós não vamos deixar que o assunto morra”.