PS ao centro. Hoje é o primeiro dia do resto da sua vida?

António Costa chega hoje ao debate quinzenal preparado para assinar dois acordos com o PSD, no dia em que o BE faz oposição ao Programa de Estabilidade para 2018

Hoje é um dia diferente. António Costa tem um debate quinzenal que começa três horas antes do encontro em que vai selar com Rui Rio os acordos sobre descentralização e fundos comunitários. A tensão, desta vez, está à esquerda. Nos últimos dias, o PS começou a encostar ao centro e isso está a mudar o xadrez político.

Se com Rui Rio a agenda passa por uma fotografia – até há pouco tempo impensável – de assinatura de acordos entre primeiro-ministro e líder da oposição, à esquerda o BE começa o dia com a apresentação do projeto de resolução para rejeitar a meta de 0,7% no Programa de Estabilidade.

O que é que mudou? António Costa está a ver o PSD perder terreno – enredado em polémicas e com um discurso surpreendente de defesa de aumentos para a função pública – e resolveu voltar ao lugar onde se ganham eleições: o centro.

Santos Silva clarifica 

Se o Programa de Estabilidade sem medidas eleitoralistas e os avisos de Mário Centeno sobre os riscos do despesismo não fossem suficientes para perceber essa aproximação ao centro, o artigo de ontem de Augusto Santos Silva no “Público” veio tornar isso ainda mais claro.

“O PS tem uma razão própria para se orgulhar, porque é quem lidera a atual situação política, é ele que forma o Governo, é a sua estratégia programática que está a ser concretizada”, escreveu aquele que é dos pesos políticos mais pesados do governo de Costa. Fica assim registado que o programa é do PS e os louros das reposições de rendimentos e direitos também. Mas há mais: há um aviso de que não há muito mais margem para cedências à esquerda.

“Não desvalorizo nenhum partido parlamentar. Cada qual tem a sua identidade e autonomia e todos são indispensáveis à democracia. Apenas digo que só o PS me parece combinar os cinco elementos fundamentais de que carece o nosso próximo futuro: o aumento do emprego e do rendimento das famílias; a modernização da economia, das infraestruturas e do Estado; a redução das desigualdades e o fomento da coesão social; a disciplina financeira e orçamental; e uma política pró-europeia e pró-atlântica. Por isso respondo aos muitos que vão perguntando o que deve fazer agora o PS: o PS deve prosseguir o seu caminho”, afirma Santos Silva.

Críticos internos registam

O caminho será, pois, no centro-esquerda. Para a ala direita do PS – crítica da solução governativa à esquerda – esta não é, contudo, uma grande surpresa. “O que se está a fazer é criar margem de manobra”, diz um dos críticos, que acha que “nunca houve uma verdadeira viragem à esquerda, houve foi habilidade e manha”.

“O que Santos Silva está a dizer é que não há cedências à esquerda nos próximos tempos”, comenta outro crítico.
Apesar disso, é muito prematuro declarar uma rutura à esquerda que, aliás, ninguém deseja. Até às eleições, o PS deve encostar ainda mais ao centro, à medida que BE e PCP reforçam as suas posições de partida à esquerda. Mas ninguém se atreve a antever que esse vincar de posições se traduza num chumbo ao Orçamento do Estado.

De resto, António Costa tem reforçado a ideia de que ainda haverá muito a “negociar” e ainda ontem Mário Centeno afirmava que não dizia “nunca” à hipótese de dar aumentos salariais à função pública.

Só não se sabe se um aumento salarial de 1,4% – o valor da inflação – chegará para satisfazer as pretensões da esquerda depois de dez anos de salários congelados e sabendo-se que não será possível acomodar todas as reivindicações de aumento de despesa com pessoal e de reforço do investimento público e cumprir a meta de um défice de 0,2% em 2019.

O elogio de Teodora 

Para já, até o Conselho de Finanças Públicas considera a estratégia de António Costa uma “alteração de postura da política orçamental [que] sugere a retoma do processo de consolidação estrutural das finanças públicas interrompido em 2014”. Uma observação da instituição liderada por Teodora Cardoso que ajuda a reforçar a imagem de responsabilidade orçamental e recusa de despesismo que António Costa quer que faça parte da marca deste final de legislatura. Mas que causa mal-estar no BE e no PCP e que ajuda a perceber a declaração do líder parlamentar comunista João Oliveira, esta semana ao “Eco”: “Apoiar o governo? Mas nós não apoiamos o governo”. Na assembleia, será a vez de Mariana Mortágua tomar uma posição idêntica em oposição ao Programa de Estabilidade para 2018. Hoje é o dia em que aumenta mais uns centímetros a distância entre o PS e a esquerda.