Défice. PSD diz que ‘nem tudo são rosas’… mas os espinhos estão à esquerda

Num debate à volta do défice, a esquerda mostrou desconfiança em relação ao governo depois da aproximação ao PSD. Costa disse que “em equipa que ganha não se mexe” e que “ainda falta a segunda parte do jogo”

“Nem tudo são rosas”, dizia Fernando Negrão no arranque do debate. Mas os espinhos ficaram para a esquerda. O PSD, que fez o elogio ao défice, ainda tentou centrar a discussão no Serviço Nacional de Saúde, mas este foi o debate do défice. E a tensão entre o governo e os parceiros da esquerda ficou evidente.

Coube a Heloísa Apolónia, do PEV, a intervenção mais dura. “Nós podemos ter as contas todas certinhas, défice nenhum, mas se os problemas das pessoas persistirem, as políticas estão todas erradas”, disse Heloísa, que não se coibiu de deixar avisos claros sobre a atitude que Os Verdes terão na negociação do Orçamento para 2019.

As balizas para o OE2019 “Espero nunca ouvir que não pode ser porque o défice tem de ficar em 0,2%. Isso não pode ser, isso não nos condicionará”, avisou Heloísa Apolónia, que apontou a saúde, a educação, a cultura, a ferrovia e a promoção da coesão territorial como áreas em que considera ser prioritário um reforço do investimento público em 2019. Mas a deputada do PEV fez mais: definiu como “determinante” um acordo sobre aumentos na função pública.

Para Heloísa Apolónia, é preciso que fique claro que a nova maioria parlamentar não pode dar prioridade ao défice. “Há uma direita que foi aquela que governou a pensar nos números, sempre com a calculadora na mão. O compromisso que assumimos foi reverter esse ciclo”, afirmou a deputada que nem poupou na ironia para confrontar o primeiro-ministro com o desconforto da esquerda com o acordo entre PSD e governo.

Saudade do PSD? Heloísa Apolónia fez a pergunta que está na cabeça de muitos nos partidos mais à esquerda. “O que significa [assinar acordos com PSD sobre fundos comunitários e descentralização]? (…) Foi alguma saudade que lhe bateu ou uma tentativa ingénua de branquear responsabilidades que o PSD teve na tragédia que passou pelo país?”, perguntou.

“Nem saudade nem vocação para Omo lava mais branco”, respondeu António Costa, que foi frisando ao longo do debate a vontade de “convergência” e a abertura para negociar.

Benfiquista confesso ainda a sofrer com a derrota por um golo no último minuto do jogo dee domingo, o primeiro-ministro usou imagens futebolísticas para sossegar a esquerda.

“Sabemos que os jogos têm duas partes: ainda temos uma segunda parte desta legislatura para levar até ao fim”, disse a Jerónimo de Sousa, depois de confrontado com a opção de acelerar a redução do défice em detrimento de dar mais gás ao investimento público e à reposição de direitos.

Mesmo estando a fazer “o jogo para o meio do campo” – como se ouvia num aparte numa bancada da esquerda –, António Costa quis assegurar a BE, PCP e PEV, que “em equipa que ganha não se mexe”.

À esquerda, ninguém parece completamente convencido. Mas Catarina Martins mostrou-se disponível para continuar a negociar. “Tem razão. A legislatura não está no fim. Temos muito que fazer”, concedou a coordenadora bloquista, que só não aceita partir para as negociações condicionada por recados do governo nos jornais sobre a impossibilidade de medidas como o aumento de salários na função pública. “O pior de tudo seria ter um Orçamento antecipado nos jornais para dizer o que não se pode fazer. Não queremos um Orçamento antecipado nos jornais”, avisou.

Não há folga A António Costa coube vir recordar a concretização do que foi acordado à esquerda e garantir que – ao contrário do que dizem BE e PCP – não há uma folga de 800 milhões de euros resultante da revisão do défice de 2018 de 1% para 0,7%. “Isso não é uma folga”, insistiu António Costa, explicando que o que acontece não é Portugal ter mais dinheiro, mas sim menos necessidade de se endividar.

“Vamos poupar 74 milhões de euros no pagamento de juros. Isso é que é folga. E esses 74 milhões de euros nós reorientamos integralmente para o investimento público”, afirmou o primeiro-ministro.

E se Rui Rio se juntou esta semana à esquerda na crítica aos oito mil milhões que o governo já injetou na CGD e no Novo Banco, Costa veio defender a importância da estabilização do sistema financeiro como essencial para baixar os juros da dívida pública portuguesa.

Costa diz que a preocupação com o défice “não é de esquerda nem de direita” e afirmou que a receita para o conseguir não passou nem passará por mais austeridade. “Se querem mesmo saber como se reduziu o défice, a explicação é simples: emprego, emprego, emprego”. O primeiro-ministro fez as contas aos 448 milhões de euros poupados em subsídios de desemprego e aos 1,6 mil milhões de euros em contribuições para a Segurança Social, gerados nestes dois anos para concluir que “metade da redução do défice deve-se à redução do desemprego e à criação de mais e melhor emprego”.

Para a esquerda, a explicação é incongruente com a decisão de baixar a meta do défice em vez de aplicar esses 800 milhões de euros em investimento que poderia gerar mais investimento.

Mas Costa não explicou a aparente contradição, preferindo insistir na ideia de que é preciso aproveitar o bom momento para preparar o país para eventuais crises. Uma tese que Vítor Gaspar subscrevia ontem na apresentação do relatório do FMI sobre política orçamental à escala global.