Congresso do PS: o triunfo dos moderados?

A dois anos das legislativas, António Costa puxa o PS para o centro e Francisco Assis sobe ao palco para dizer que ‘a geringonça não foi o tempo novo’ e contestar a força da ala esquerdista.

O próximo Congresso do PS será o regresso dos moderados. Na reta final da legislatura, António Costa está a aproximar o partido do centro e a ala socialista que estava desconfortável com a ‘geringonça’ volta ao púlpito para reclamar a herança social-democrata e europeísta de Mário Soares.

Francisco Assis vai subir ao palco para uma «reflexão» sobre a identidade do PS. Na intervenção que está a preparar, Assis vai falar sobre «um discurso que foi silenciado durante dois anos», o discurso do centro-esquerda. 

O eurodeputado acredita que a governação de António Costa foi sempre moderada, mas o discurso político socialista foi contaminado por matizes esquerdistas que não fazem sentido no PS. «Há uma diferença clara entre a governação e algum discurso político», aponta o eurodeputado.

O que Francisco Assis defende é que, ao contrário do que alguns anunciaram – e que moderados como ele próprio temeram -, a ‘geringonça’ «não foi o tempo novo nem o mundo novo» e isso começa agora a ser visível e publicamente assumido pelo número dois do Governo, Augusto Santos Silva, que escreveu dois artigos de opinião no Público na semana passada precisamente para puxar o partido para o centro.

«António Costa é um moderado. Santos Silva é um moderado. Mário Centeno é um moderado. Não se pode dizer que seja um Governo radical extremista», nota Assis ao SOL, registando o facto de João Galamba – um dos ‘jovens turcos’ da ala mais à esquerda – ter afirmado que Santos Silva expressava uma «posição ultraminoritária no PS» quando defendia as virtudes da Terceira Via.

‘Costa diz o mesmo que Macron’, nota Assis

Para quem tem dúvidas de que Costa é menos esquerdista do que a solução governativa que lidera possa fazer crer, Francisco Assis remete para os «discursos praticamente iguais de Costa e Macron» sobre a Europa.

«Os jovens turcos é que são claramente minoritários. E têm estado até muito calados. Estou com muita expectativa sobre o que vão dizer no Congresso», afirma Assis.

André Pinotes Batista também vai aproveitar o conclave socialista da Batalha para recordar o legado de Soares, frisando que «ser social-democrata não é incompatível com as leis do mercado, mas exige manter o foco no combate às desigualdades». 

Pinotes Batista acha que «a Terceira Via foi um equívoco, que alienou a base eleitoral» dos socialistas, mas também não vê futuro na «bloquização do PS» e acha que o próximo Congresso é o momento certo para «regressar à matriz ideológica» do partido.

O deputado socialista foi um dos céticos em relação à solução de governo à Esquerda. Há um ano, em entrevista ao i, vaticinava: «O PSD pode mudar de liderança e no dia em que isso acontecer temos muito a dialogar com o PSD». 

Na altura, parecia isolado quando dizia que governar com o apoio do BE e do PCP «não é uma fábula de La Fontaine de viveram felizes para sempre» e reclamava um retorno ao centro. «Ninguém quer ouvir os moderados, mas alguém tem de ter a firmeza de dizer que nem tanto ao mar nem tanto à terra. Vamos ter de ter um radicalismo da moderação», defendia.

‘Os meus receios não se confirmaram’, diz Ascenso

Agora, outros elementos da ala moderada reconhecem que os receios de que os acordos com BE e PCP ‘esquerdizassem’ o partido podem ter sido claramente exagerados. «Os meus receios não se confirmaram. O PS é um partido de esquerda moderada e manteve-se assim», assume Ascenso Simões, que também está a pensar subir ao palco do Congresso para dizer isso mesmo.

Outro moderado que vai falar aos militantes é Eurico Brilhante Dias. O secretário de Estado da Internacionalização lembra que o Congresso de 25 a 27 de maio vai decorrer já no aquecimento para as eleições europeias e legislativas e que é normal que nesse período pré-eleitoral «cada partido vinque as suas diferenças». Mas sublinha que «o princípio dos acordos com o BE e o PCP era o de que nenhum partido perderia a sua identidade e foi isso mesmo que aconteceu».

Brilhante Dias acha que não há novidade no facto de o PS estar no centro-esquerda, porque isso é assim desde Mário Soares. «António Costa é um social-democrata. Augusto Santos Silva é um social-democrata. Pedro Nuno Santos é um social-democrata», afirma o governante.

É, no entanto, evidente que Costa está a modelar o discurso nesta segunda parte da legislatura para descolar da Esquerda. Não é por acaso que na moção que vai levar ao Congresso Costa não fala dos parceiros de Esquerda e só refere a solução governativa para reclamar os louros do sucesso para o PS.

«Cumprimos e estamos a cumprir tudo aquilo com que nos comprometemos perante os portugueses e perante os nossos parceiros parlamentares. E se hoje os resultados são melhores é porque boas políticas dão bons resultados», escreve Costa, que evita o tema das alianças à esquerda na parte da moção reservada às questões estratégicas para o futuro.

Não é por acaso que o faz. António Costa não vai nunca pedir uma maioria absoluta, mas não é segredo que anseia por ela e que acredita que a única forma de a conseguir é indo buscar eleitores ao terreno do PSD, no centro. E é dentro dessa estratégia que devem ser lidos os artigos de Augusto Santos Silva no Público sobre a forma como as conquistas de reposição de rendimentos e direitos se devem ao «programa do PS», um partido com uma matriz europeísta e atlântica.

Pedro Nuno Santos responde à ala direita em espanhol

Pedro Nuno Santos, visto como o líder da ala esquerda do PS, não quer para já entrar em debate público com Santos Silva e os moderados. Mas resolveu responder-lhes de Espanha, numa entrevista ao El País, esta semana.

«Há que voltar ao antagonismo entre Esquerda e Direita», afirma o secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares que é descrito pelo diário espanhol como «o homem da geringonça» e o «negociador».

Apontando como um erro o posicionamento ao centro, Pedro Nuno Santos é claro ao afirmar que a solução governativa à Esquerda «é uma história de êxito», numa resposta que desconstrói a análise feita por Santos Silva sobre as vantagens incompreendidas da Terceira Via de Tony Blair.

«Muitos partidos europeus sociais-democratas acreditaram que eram donos do voto dos trabalhadores e deixaram de ter respostas políticas para os seus problemas; juntaram-se ao centro-direita, dirigindo a sua preocupação política para setores mais dinâmicos. Deixámos de falar para a maioria das pessoas, para a maioria dos trabalhadores que tem problemas concretos que não tiveram resposta nas últimas décadas. Isso provocou um afastamento [dos eleitores] em relação aos partidos socialistas. Os nosso eleitores foram para a nossa esquerda ou para a extrema direita, que cresceu muito ao mesmo tempo que a democracia retrocedeu», defendeu Pedro Nuno Santos ao El País.

Para já, a resposta à ala direita do partido fica-se por aqui. O SOL sabe que a moção setorial que Pedro Nuno Santos está a preparar para levar ao Congresso não será doutrinária nem ideológica. Mas há quem na ala esquerda socialista não descarte que essa análise possa vir a fazer parte dos discursos de um dos ‘jovens turcos’, mesmo que por enquanto ainda não esteja nada definido.

É certo que Pedro Nuno Santos tem hoje apoiantes nas principais estruturas do partido e, nesse sentido, domina o aparelho socialista. Mas o facto de António Costa ter dado cobertura à defesa da Terceira Via feita por Augusto Santos Silva recomenda cautelas entre a ala esquerda do PS.

Nem Pedro Nuno Santos nem os seus apoiantes querem entrar em choque direto com a linha que Costa parece estar a querer imprimir como estratégia para as legislativas de 2019. E isso ditará cautelas na reação, que está a ser estudada e que não deixará de ser dada – como o provam as declarações feitas pelo secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares ao jornal espanhol. 

A palavra de ordem, para já, é a de esperar para ver. Por isso, evitam-se as declarações públicas sobre a aproximação à Esquerda depois de João Galamba, porta-voz do PS, ter sido particularmente duro, na semana passada, na resposta ao ministro que é o político mais ‘peso-pesado’ do Governo e o número dois de António Costa, acusando-o de não ser «capaz de interpretar as razões do seu próprio sucesso».