Governo e ligações familiares deixam António Costa cada vez mais pressionado

Caso a caso somam-se já relações familiares entre 50 pessoas que fazem parte da equipa do Governo liderado por António Costa. Mas esta não é uma realidade nova dentro PS, como é o caso da mulher de Fernando Medina que em 2009 foi sua adjunta quando o atual presidente da Câmara de Lisboa era secretário…

Governo e ligações familiares deixam António Costa cada vez mais pressionado

Em Portugal, ligações familiares ou de amizade nas equipas de Governo sempre houve. Mas, no último mês, o número de casos de ligações familiares na equipa do Executivo, liderado por António Costa, tem vindo a ganhar dimensão ao ponto de ter captado a atenção da imprensa internacional, que diz que a realidade portuguesa «não tem comparação com qualquer outro país na Europa». 

Além disso, os casos que têm vindo a ser conhecidos já provocaram uma troca mais acesa de palavras entre o Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, e o seu antecessor Cavaco Silva, que chutaram um para o outro a responsabilidade de terem dado posse ao elenco do Governo. 

Até ao momento, entre pais e filhos, mulher e marido ou tios e sobrinhos, foi já detetada uma teia que envolve 50 pessoas e 20 famílias. São membros da equipa de Governo que ocupam cargos de nomeação. 

Do lado do PSD e do CDS não tardou a haver uma chuva de críticas e foram acompanhados pelo Bloco de Esquerda, um dos partidos da ‘geringonça’. Também João Paulo Batalha, presidente da Associação Cívica Integridade e Transparência, disse esta semana ao jornal i, que todas estas ligações revelam «falta de alguma cultura de decoro institucional». 

Mas o primeiro-ministro não partilha da mesma visão. Mais de um mês depois, com todos os dias a serem conhecidos casos de relações familiares no Governo, só esta quinta-feira o António Costa reagiu. Começou por desvalorizar o assunto passando depois ao ataque contra governos do PSD. O visado foi Cavaco Silva: Costa aludiu a José Oliveira e Costa, que liderou o BPN depois de ter sido secretário de Estado dos Assuntos Fiscais do Governo de Cavaco Silva, e à ida de Ferreira do Amaral, ex-ministro das Obras Públicas, para a Lusoponte. 

Para António Costa «pode haver uma coincidência» nas relações familiares da sua equipa governamental. Mas para o primeiro-ministro este é um cenário que «é provável que aconteça como seguramente acontece em qualquer empresa», referindo que são conhecidos apenas «alguns casos» entre as cerca de 500 pessoas que trabalham no Governo. 

Críticas e defesas 

Já antes, o presidente do PS, Carlos César – que tem quatro familiares em cargos públicos – tinha saído em defesa do PS para responder às críticas da coordenadora do Bloco de Esquerda, Catarina Martins, que pediu ao PS «uma reflexão» sobre as relações familiares. 

César rebateu para lembrar que o Bloco de Esquerda é um partido «onde se conhece que, no seu próprio grupo parlamentar, são abundantes e diretas as relações familiares». 

Também o deputado Porfírio Silva e o vice-presidente da bancada socialista Pedro Delgado Alves – que também tem ligações familiares – entendem que «estes casos traduzem algo que não é anormal, nem tem uma tradução diferente em 40 anos de democracia». 

No entanto, há vozes da área socialista que criticam a avalanche de casos. O antigo eurodeputado do PS, Vital Moreira frisa que o «problema aumenta exponencialmente quando entram em jogo as relações familiares e quando a frequência das ocorrências deixa perceber um padrão de conduta comprometedor». Também o ex-secretário de Estado da Juventude e Desporto, João Wengorovius Meneses, diz na sua página do Facebook que «já se percebeu que há um problema com os jobs for the boys (and girls), familiares, mas também amigos, clãs e negociatas» e que agora é preciso «concentrar os esforços nas soluções» de forma a travar «o rolo compressor do(s) partido(s), bem como as redes de dependência e a ambição pessoal» de membros dos partidos, que se sente «assim que se toma posse de um Governo». 

Recorde-se que Wengorovius Meneses se demitiu em «profundo desacordo» com o ministro Tiago Brandão Rodrigues por causa das políticas seguidas e em divergência devido ao modo de estar no exercício de cargos públicos, frisando a interferência de boys nas decisões do ministro da Educação. 

Também os partidos da direita tecem duras críticas. O presidente do PSD, Rui Rio diz que o Governo «põe à frente, em muitas circunstâncias, as relações pessoais e não exatamente a competência» e que o Conselho de Ministros «parece uma ceia de Natal». O social-democrata defende, por isso, que deve haver uma «sanção política» para estas situações. 
Já a presidente do CDS, Assunção Cristas, refere que o organigrama do Governo «mais parece uma árvore genealógica» e acusa o PS de usar o «Estado como se fosse a sua casa».

O PCP desvaloriza o caso considerando que «mais do que saber de laços familiares, o importante é saber o que essas pessoas vão fazer, que política vão executar», defende o secretário-geral Jerónimo de Sousa.

A mulher de Medina

As relações familiares em governos do PS não são novas. Em 2009, Stéphanie Sá Silva foi nomeada adjunta de Fernando Medina, que era então secretário de Estado Adjunto da Indústria e do Desenvolvimento. Stéphanie Sá Silva é casada com Fernando Medina. Ou seja, durante pouco mais de dois anos, foi adjunta daquele que é hoje o seu marido.
Stéphanie Sá Silva é ainda filha de Jaime Silva, ministro da Agricultura, do Desenvolvimento Rural e das Pescas durante o primeiro Governo de José Sócrates.

Desde 1 de maio de 2018 que Stéphanie Sá Silva é diretora do departamento jurídico da TAP. A sua entrada na companhia aérea portuguesa foi através de convite do acionista privado, Atlantic Gateway, «tendo em conta a experiência com aviação, o conhecimento da realidade da TAP e excelente desempenho demonstrado», explicou ao SOL fonte oficial da companhia aérea que diz que a advogada assumiu o cargo depois da «aposentação da anterior diretora».

Quando Stéphanie Sá Silva entrou na TAP já Diogo Lacerda Machado – amigo de longa data de António Costa e consultor do Executivo – tinha sido nomeado como administrador não executivo da TAP. E a empresa ainda estava sob a tutela do ex-ministro do Planeamento e das Infraestruturas, Pedro Marques, que é próximo de Fernando Medina, marido de Stéphanie Sá Silva. Entre 2005 e 2009, Pedro Marques e Fernando Medina foram colegas de Governo, com o atual cabeça de lista do PS às europeias como secretário de Estado da Segurança Social e o atual presidente da Câmara de Lisboa como secretário de Estado do Emprego e da Formação Profissional. O ministro de Pedro Marques e de Fernando Medina, era, na altura, Vieira da Silva. 

De acordo com a TAP, antes de assumir funções na companhia, Stéphanie Sá Silva tinha sido advogada associada da Cuatrecasas, Gonçalves Pereira & Associados   – que teve como um dos sócios o antigo dirigente socialista António Vitorino – onde assessorou a Atlantic Gateway, «no processo de privatização da TAP que se concluiu em 2015». Posteriormente, a advogada assessorou a Atlantic Gateway na sociedade PLMJ. 

Se recuarmos a 2013, para as eleições autárquicas, Stéphanie Sá Silva foi candidata pelo PS à Junta de Freguesia das Avenidas Novas. Ocupava o 17.º lugar da lista. 

Em abril do mesmo ano, meses antes das autárquicas, a advogada e Fernando Medina, assim como um grupo de socialistas apoiantes de António Costa dos quais muitos ocupam hoje cargos no Governo – como Ana Catarina Mendes, Duarte Cordeiro, João Galamba, Luis Gois Pinheiro, Mariana Vieira da Silva, Pedro delgado Alves, Pedro Marques ou Pedro Nuno Santos – assinaram uma carta aberta enviada à direção do partido, em oposição a António José Seguro. Na altura, os costistas defendiam que o então secretário-geral do partido deveria fazer uma revisão dos estatutos do PS.