Pobrezinhos e desonrados

O desfile das Forças Armadas no Dia de Portugal foi uma demonstração do estado a que o Estado chegou. Nem com camuflagem lá vai

Tirando umas centenas de residentes em Portalegre, mais as personalidades dignitárias nas tribunas montadas propositadamente para as comemorações do Dia de Portugal, poucos mais terão ligado ao desfile militar do 10 de Junho.

Naturalmente, as atenções centravam-se nos discursos do Presidente Marcelo Rebelo de Sousa e do presidente das cerimónias comemorativas do Dia de Portugal, o cronista portalegrense João Miguel Tavares.

Mas, discursos à margem – porque já suscitaram profusos e justos comentários (e alguns injustos, porque há que reconhecer que, sobretudo a de João Miguel Tavares, independentemente da maior ou menor identificação com as ideias expostas, foi uma excelente e emotiva preleção) -, os três ramos das Forças Armadas Portuguesas (FAP) desfilaram pelas ruas de Portalegre, mais 80 viaturas militares ou blindadas, e houve aviões da Força Aérea a cruzar os céus da cidade capital de distrito do Alto Alentejo.

E aquele desfile militar do 10 de Junho é digno de ser visto e revisto. Porque, se bem observado, é arrepiante.

E é arrepiante porquê?

Porque é uma chocante manifestação da fraqueza e da debilidade a que chegou o Estado português.

E arrepia. De facto, arrepia.

Porque o equipamento das Forças Armadas Portuguesas é de uma pobreza franciscana, miserável.

Se as nossas Forças Armadas estão assim tão mal equipadas, para que servirão?

Se aquele é o melhor do material bélico português, estamos bem entregues.

 

O desinvestimento é mais do que brutal. É vergonhoso.

Na Batalha de La Lis, na primeira Grande Guerra – aliás e vá lá perceber-se por que raio de motivo foi tão efusivamente celebrada por Marcelo Rebelo de Sousa e António Costa no 10 de Junho do ano passado -, os militares portugueses serviram de carne para canhão, morreram que nem tordos, aquilo foi uma desgraça, diga-se o que se disser e inventem-se os heróis que se quiserem.

Um século depois, com o material que têm ao seu dispor, as Forças Armadas portuguesas não serviriam para muito mais.

Com efeito, olhando para aquele desfile do 10 de Junho, percebe-se por que razão houve quem dissesse que o material roubado dos paióis ou paiolins de Tancos, há dois anos, não passava de material obsoleto e que não servia para nada (e quem o disse era altíssima patente na hierarquia militar e do Estado).

Afinal, tirando porventura os célebres submarinos comprados com Paulo Portas, o material das FAP deve mesmo ser todo obsoleto e não serve para grande coisa.

Donald Trump lá terá as suas razões para reclamar do desinvestimento da Europa na Defesa e dos gastos excessivos dos Estados Unidos para suprir as lacunas dos seus aliados da NATO.

Em Portugal, é mesmo gritante.

 

É claro que um país que não tem dinheiro para nada, para sequer assegurar meios suficientes para garantir a segurança dos seus cidadãos contra os incêndios, para garantir o bom funcionamento dos seus serviços mais básicos na Saúde, na Educação, na Justiça, nos Transportes, em infraestruturas essenciais, em tudo e mais alguma coisa – menos nos cobradores de colete da Autoridade Tributária -, há de lá estar a preocupar-se com o apetrechamento mínimo das suas Forças Armadas.

Não é causa popular, muito antes pelo contrário, e está no fim da tabela das prioridades, porque não é mesmo prioridade para ninguém.

 

Olhar para aquele desfile militar do 10 de Junho e ver assim destratadas as Forças Armadas e seus principais responsáveis, generais e almirantes sem meios e muito poucas tropas, é assumir de vez que a soberania nacional e a sua defesa já eram há muito tempo.

Começa a ser, não urgente, mas já demasiado tarde para se discutir quais são, afinal, as funções do Estado. E quais as prioritárias, secundárias ou alienáveis.

Se não há dinheiro para quase nada, o Estado tem de fazer opções. E assumi-las.

Não pode continuar a deixar ridicularizar-se pelo papel que presta, quando presta, e trair o povo, iludindo-o e desiludindo-o, e aqueles que o servem, apesar de tudo, com esforço e dedicação, mas ingloriamente.

Nas Forças Armadas como em todos os outros serviços públicos.

Também por isso Tancos – e toda a palhaçada consequente – não foi um acaso. Foi apenas mais uma revelação do estado a que chegaram as FAP e do estado a que chegámos… e a que chegou o Estado.