Esquerda contra cortes salariais e Governo admite suspender pagamento por conta do IRC

Bloco quer apoios para pagar salários a 100% e Jerónimo de Sousa avisa que não se pode tornar “banal o inaceitável”, ou seja, o desemprego e ou redução salarial. Governo com abertura para acolher proposta do PEV.

O primeiro-ministro arrancou ontem com as audições aos partidos para um plano de estabilização económica e social, além do orçamento suplementar a entregar na segunda quinzena de junho no Parlamento. E ficou claro que há abertura do lado do Governo para suspender o pagamento por conta de IRC para as empresas. Porém, os parceiros de esquerda da anterior legislatura não querem que as regras do layoff simplificado se eternizem. Querem o prolongamento dos apoios, mas terão de ser reforçados. Assim, em alternativa, o Governo tem de se desenhar uma solução que evite colocar o trabalhador entre a espada e a parede: o desemprego ou o salário cortado na ordem, em média, de um terço. Isto se quiser o apoio do PCP e do Bloco de Esquerda.

Os primeiros sinais da suspensão do pagamento por conta de IRC para as empresas vieram do PEV, com o deputado José Luís Ferreira a assinalar com agrado tal abertura do lado do Executivo. Esta era uma das medidas que o PEV levava consigo para apresentar a António Costa. Horas mais tarde, seria a coordenadora do Bloco de Esquerda, Catarina Martins, a destacar o “consenso” desta medida, até porque é “importante que as empresas não tenham de fazer pagamentos por conta relativos a lucros que tiveram no ano passado quando este ano estão em dificuldades”.

Mas a esquerda também abordou a questão do layoff simplificado, a medida que vigorou (e ainda vigora) em tempos de emergência e calamidade. O Presidente da República já tinha pedido o seu prolongamento e existe a noção de que, mesmo com o desconfinamento, as empresas (sobretudo as micro e pequenas empresas) não terão capacidade para cumprir à risca os seus compromissos. Por isso, o próprio primeiro-ministro admitiu que é preciso reavaliar a solução. Mas para o Bloco de Esquerda e o PCP ficou claro que qualquer versão final de apoio à manutenção dos postos de trabalho não pode passar pela permanente desvalorização salarial .

“Não é possível uma manutenção da desvalorização salarial prolongada por via do layoff, ou seja, continuar o layoff como está até agora durante mais meses”, começou por explicar Catarina Martins, do Bloco de Esquerda, após mais de duas horas de conversa com o primeiro-ministro, o ministro das Finanças, Mário Centeno, o ministro da Economia, Siza Vieira, e a ministra da Presidência, Mariana Vieira da Silva.

Para Catarina Martins o desenho dos apoios aos salários dos trabalhadores que estão em layoff “deve ter em conta a necessidade de os salários serem pagos a 100%”. E a dirigente insistiu que é preciso avançar para esta solução porque “todas as pessoas que ganham mais do que o salário mínimo estão a ter uma perda salarial”. Na versão do layoff simplificado em vigor, quem ganha o salário mínimo não sofre cortes, mas a partir daí os cálculos apontam, em média, para o pagamento de 2/3 do salário (70 por cento pago pelo Estado e 30% pela empresa).

O Governo não clarificou qual será a opção, prazos ou modelos, conforme explicou Jerónimo de Sousa, secretário-geral dos comunistas. “Não tivemos certezas em relação ao layoff e procuraremos dar a nossa contribuição para encontrar soluções”, declarou o líder do PCP, argumentando que não se pode “ tornar banal o que é inaceitável: colocar o trabalhador entre a espada e a parede, ou seja, entre o desemprego e os salários cortados”. Os comunistas levaram um conjunto de propostas e Jerónimo de Sousa admitiu também que existirão “três ou quatro medidas importantes que o Governo considerará”. Mas não revelou quais, reservando para mais tarde uma posição sobre o Orçamento Suplementar, numa lista de medidas que antecipou de “insuficiente”.

Já o Bloco insistiu que há medidas prévias ao Orçamento suplementar que têm de ser” implementadas rapidamente” como, por exemplo, a renovação de apoios para “que não haja cortes de água e luz” ou para quem tem recibos verdes. Por fim, insistiu numa “contribuição solidária” de empresas com grandes lucros (que ganhem com a crise) ou do setor dos seguros, cujos prémios não desceram, mas também não tiveram custos com a pandemia. Além disso, a coordenadora do BE argumentou, mais uma vez, que se deve “proibir a distribuição de dividendos em nome de lucros passados”, da mesma forma que se suspender o pagamento por conta.

Do lado do PAN, André Silva defendeu que o layoff deve ser estendido até ao final do ano e incluir as “pessoas em situação de trabalho experimental, em trabalho a termo ou estagiários”. O deputado também defendeu a regulação do teletrabalho para ser reforçado e o aumento da dotação orçamental para fundos de apoios municipais e de organizações não governamentais para acautelar as necessidades de quem não consegue comprar comida.

O PEV não abordou o layoff, mas saiu agradado da reunião, sobretudo porque o Executivo mostrou abertura para duas medidas que propôs para as micro e pequenas empresas: um fundo de tesouraria para as empresas pagarem salários e rendas, com “um período de carência de cerca de dois anos e com uma taxa de juro zero”, além da suspensão do pagamento por conta do IRC. Hoje, serão recebidos em São Bento o PSD, CDS, PS, Iniciativa Liberal e o Chega.