O botão de pânico ou a vergonha do botão?

Não podemos continuar com ilusões, mentiras e fugas às responsabilidades porque isso só serve para sedimentar e alimentar projetos de exclusivo poder pessoal.

Por Manuel dos Santos

A extravagante proposta do chamado botão de pânico que as autoridades portugueses se propõem colocar no SEF para garantia do respeito pelos mais elementares direitos, garantias e liberdades, a que todos os cidadãos têm direito, é hoje o símbolo do estado a que chegou a prática política em Portugal e da forma infantil como o governo continua a tratar os cidadãos.

Ainda não refeitos com a aprovação de uma suposta política orçamental, que eliminou a ‘crise’ com que o sr. primeiro-ministro tantas vezes nos ameaçou, estamos cada vez mais, condicionados à evolução da pandemia e, sobretudo, baralhados com a qualidade de informação que, sobre este assunto, é divulgada todos os dias em normas e conferências, cheias de evidências científicas, que, para lá de não serem de fácil compreensão são, praticamente, impossíveis de cumprir.

A gravidade da crise pandémica com que o país tem de lidar, não justifica nem devia impedir que fossem feitas outras reflexões, em tempo útil e com eficácia comprovada, para assegurar que não morrendo da doença, também não venhamos a morrer da cura. A ausência deste debate é o dilema infernal com que o poder instalado e alguma comunicação social, sistematicamente, amedrontam os cidadãos.

Convenhamos que foi ‘lindo e patriótico’ ouvir responsáveis políticos dos três órgãos de soberania, afirmar que o tempo era de convergência de esforços, de complemento de ações e, mesmo, de adiamento ou anulação de alternativas. Tudo isso é (era) verdade, só que, também aqui, tem de haver mais vida para além da pandemia.

Aliás, se analisarmos o resultado das tréguas anunciadas, é muito difícil identificar algo que tenha direta e verdadeiramente a ver com a luta contra o flagelo sanitário que se abateu sobre o país.

Ou será que a surpreendente eliminação dos debates parlamentares quinzenais, a vergonhosa operação de colocar o anterior ministro das Finanças no Governo do Banco de Portugal, a estranhíssima substituição do anterior (e excelente) presidente do Tribunal de Contas, a aceitação passiva e sem denúncia da ocupação de cargos e atribuição de prebendas, sem respeito pelas normas legais e, em especial, pela competência da Cresap, a distribuição das presidências das CCR’s, foram os elementos fundamentais do tal consenso que permitiu combater a doença?

Afinal onde esteve essa colaboração? Tiveram os partidos a humildade de elaborar uma proposta orçamental de combate à crise que incorporasse boa parte do modelo que o Governo encomendou a um especialista externo em regime de outsourcing?

Conseguiram os diretórios partidários concentrar-se numa cooperação que reforçasse a coesão interna, criando condições excelentes para o aproveitamento dos apoios externos que, mais mês ou menos mês, chegarão a Portugal?

Foram, momentaneamente ultrapassados os conflitos ideológicos que opõem o Serviço Nacional de Saúde ao Sistema Nacional de Saúde (que inclui privados e setor social) só porque uns tantos, mesmo em situação de calamidade nacional, não abdicam dos seus ‘amanhãs que cantam’?

Estes acordos e muitas mais que não cabem no âmbito deste escrito, é que seriam as condições essenciais para estabelecer um pacto (transitório) de regime que, não pondo em causa a identidade e a autonomia de cada corrente de opinião, permitisse minorar os sacrifícios dos portugueses mais desprotegidos e ultrapassar, num prazo razoável, a grave crise que atravessamos enquanto país e sociedade.

Não podemos continuar com ilusões, mentiras e fugas às responsabilidades porque isso só serve para sedimentar e alimentar projetos de exclusivo poder pessoal.

A verdade é que a CRISE (também moral) está aí com toda a sua força e com as inevitáveis consequências. Basta não fechar os olhos.

No plano económico porque continuamos a caminhar (como todas as instituições internacionais denunciam) para o fim da escala de bem estar dos países da União Europeia. O plano de recuperação europeu não alterará substancialmente esta realidade, até porque, para lá das razões políticas e sociais já referidas, temos um nível de dependência da dívida externa que não permitirá utilizar totalmente os meios financeiros indispensáveis às reformas estruturais.

No plano político os acontecimentos dos últimos dias (Novo Banco, SEF e TAP nomeadamente) e os estragos que provocaram à coesão governamental e à cooperação institucional demonstram, que o pior ainda está para chegar. Tudo ficará, aliás, mais claro, dentro de um mês, após as eleições presidenciais.

O Governo está claramente em desagregação e não será o exercício semestral da presidência do Conselho Europeu (claramente desvalorizada após a entrada em vigor do Tratado de Lisboa e, sobretudo, pelo excelente exercício da presidência alemã que agora termina) que criará condições para uma melhoria substancial.

Arrumada que esteja a questão presidencial e superados que sejam as limitações constitucionais, é finalmente tempo de pensar noutras soluções (incluindo eleições) porque é necessário proceder à recomposição do sistema partidário (incluindo alterações profundas nas lideranças dos próprios partidos) que, hoje, já está desajustado da realidade portuguesa. O país não alcança o seu desígnio a discutir permanente e doentiamente a ‘ilegalidade’ do Chega.

O ‘esquecimento’ de muitas das situações graves que se passaram nos últimos meses (Pedrógão, golas inflamáveis, raríssimas, venda de património imobiliário da Segurança Social, equipamento médico sem uso e, nalguns casos, sem utilidade, trapalhadas no Montepio, informação estatística truncada, atraso na concessão de apoios, controlo partidário de autarquias, etc. etc..) sendo uma conduta que só interessa aos prevaricadores é um verdadeiro retrato do estado da arte a que foi conduzida a opinião pública.

É óbvio que já estamos no fundo e o país não precisa, por isso, de um botão de pânico, mas sim de um verdadeiro botão de vergonha.