Não muda o Presidente, mas mudam as circunstâncias

Talvez antecipando essa nova postura (ou mudança de circunstâncias?), o Presidente da República criou (perante o silêncio do Governo) uma task force especial para acompanhar (controlar?), a partir de Belém, a aplicação dos recursos europeus que financiarão o Plano de Recuperação e Resiliência.

O acontecimento politico desta semana foi, sem margem para dúvidas, o início do segundo mandato do Presidente Marcelo Rebelo de Sousa. Não se trata, naturalmente, da cerimónia protocolar na Assembleia da República, pois apesar das limitações extraordinárias criadas pela pandemia, esta acabou por decorrer segundo o modelo habitual, correspondendo, no plano simbólico e da dignidade institucional, ao que seria de exigir.

O que verdadeiramente releva é o facto de ter ficado clara a natureza da agenda politica, para o segundo mandato, que antes, durante e depois da cerimónia, o Presidente da República não se cansou de dar a conhecer aos portugueses.
Com efeito, nos dias que imediatamente antecederam a tomada de posse, Marcelo Rebelo de Sousa afirmou demasiadas vezes que é o mesmo personagem de há cinco anos (e de ontem, acrescentava), pelo que o que resultasse de diferente na sua ação não ocorreria por mudança sua mas apenas como consequência da alteração das circunstâncias dominantes nos próximos anos.

Talvez antecipando essa nova postura (ou mudança de circunstâncias?), o Presidente da República criou (perante o silêncio do Governo) uma task force especial para acompanhar (controlar?), a partir de Belém, a aplicação dos recursos europeus que financiarão o Plano de Recuperação e Resiliência. A insistente divulgação pública desta iniciativa não é um acaso, antes demonstra que este ato é um aviso sério ao executivo, e aumenta o escrutínio e o grau de exigência que a Presidência da República colocará na gestão dos fundos europeus.

A ajuda europeia foi também um dos temas centrais do discurso de posse, pois foi dito que o êxito do Plano de Recuperação e Resiliência, permitirá um ataque com sucesso à crise económica e social, fortalecerá e complementará o combate à pandemia e assegurará a estabilidade política que, no espírito do Presidente, parece equivaler à melhoria da qualidade da democracia.

Já depois da posse, Marcelo Rebelo de Sousa voltou ao tema dos recursos europeus afirmando, enfaticamente, que a sua aplicação tem de ser feita com total clareza, tem de concretizar uma estratégia reformista para o país e tem de obedecer a uma boa e adequada gestão.

Os recados foram todos dados e compete agora ao Governo, em primeiro lugar, mas também à sociedade no seu conjunto, (representada no CES) avaliá-los, compreendê-los e executá-los. A questão do aproveitamento dos recursos financeiros necessários para uma recuperação económica que compense as perdas resultantes da pandemia global, tornou-se no assunto central da discussão politica acabando mesmo por se autonomizar do acontecimento que lhe deu origem e até estando a condicionar soluções de governo nalguns dos estados membros da UE (a Itália e os Países Baixos, p.e.).

De resto, o sentimento geral, junto dos agentes económicos e dos cidadãos de que esta é provavelmente uma oportunidade irrepetível que se falhar, associada a outras ameaças existentes, pode colocar em causa o projeto europeu, com graves consequências para o futuro de Portugal, justifica totalmente a preocupação, o interesse e o acompanhamento ativo que o Presidente, recentemente eleito e com larga margem de aprovação, lhe vai dedicar.

A avaliação portuguesa sobre a aplicação dos elevados fundos que, desde 1986, foram transferidos do Orçamento Europeu, é relativamente contraditória pois, se é verdade, que, de uma forma geral, a taxa de execução foi boa, a ‘qualidade’ das aplicações foi demasiado ineficiente, como se comprova, com o facto de Portugal ser o 16.º país (em 19) da Zona Euro com o PIB per capita mais baixo e com clara tendência para descer a curto prazo.

Não foi, contudo, apenas em matéria de financiamento europeu que o PR optou por uma maior e mais eficaz intervenção pois anunciou-a também a propósito do combate à pandemia, colocando-se desde já (e ainda mais) na linha da frente da estratégia da vacinação e, nomeadamente, no ritmo e controlo do ansiado desconfinamento.

Não desconhece, seguramente, Marcelo Rebelo de Sousa as limitações constitucionais à ação do Presidente nalgumas dessas áreas, mas também não ignora a força e a capacidade que resultarão do exercício de uma correta, oportuna e assertiva magistratura de influência, num cenário de Governo minoritário e no quadro da reformulação, em curso, do sistema partidário.

Talvez por isso, e não apenas por mera formalidade institucional, recordou sempre a necessidade de uma estabilidade que elimine a ocorrência, antes do tempo próprio (autárquicas? fim da pandemia?), de uma desagradável crise política.
Não é de crer, todavia, que o Presidente da República ignore que a atual estabilidade é, de facto, uma verdadeira estagnação e que só se mantém porque o partido do governo aceitou ser refém do PCP (desistindo de qualquer opção reformista) e a oposição do centro direita se tem revelado incapaz de se transformar, nos próximos tempos, em verdadeira alternativa.

E por falar em tempo, (político naturalmente) esse é o bem escasso que o Presidente já possui, em manifesta vantagem, quando comparado com o que resta aos restantes principais protagonistas públicos. Com a sua inteligência, o seu inegável sentido de Estado, a sua argúcia e as novas circunstâncias, que não se inibe de anunciar, o Presidente Marcelo cumprirá, no respeito da Constituição que jurou, a sua vontade, o seu programa e os seus compromissos. Se isso vai agradar a todos, é uma incógnita que só o futuro desvendará.