Sempre foi um desportista, campeão de vela várias vezes, e mantém o físico de um atleta à beira de fazer 65 anos. Calmo e mais ponderado do que costuma ser, recebeu-nos no belo edifício da Câmara do Porto, onde falou sobre a pandemia – o facto de os enfermeiros e médicos dos Centros de Saúde estarem envolvidos no processo de vacinação, quando deviam de estar preocupados em tratar os doentes –, o centralismo do Estado, a possibilidade de hoje, sábado, dia 24, nascer um novo partido, e de não ter intenções de se candidatar a presidente do FC_Porto. Apesar de não anunciar a recandidatura à Câmara do Porto, é praticamente garantido que o fará no princípio de maio. Em relação ao processo judicial, conhecido como o caso Selminho, recusa fazer comentários e aguarda pelo dia 29.
Como conseguiu o Porto, no início da tragédia da covid, trazer os primeiros ventiladores para Portugal?
Isso resulta da excelente relação que temos construído, quer com Macau, quer com Shenzhen, com quem temos um contrato de geminação. Sabíamos que estavam a produzir ventiladores, certificados para a Europa, e o que fizemos foi antecipar a venda a Portugal, neste caso ao Porto, tendo previamente falado com os hospitais S. João e St.º António do Porto, para perceber se aqueles ventiladores eram os mais adequados à situação e se tinham a certificação necessária. Os ventiladores vieram a um preço bastante inferior até a outros que foram adquiridos posteriormente pelo Governo. Portanto, diria que foi a diplomacia das cidades. A partir das necessidades contempladas, cedemos ventiladores a Cascais, porque o Carlos Carreiras, falou comigo. Como tenho uma boa relação com ele, perguntou se podíamos fazer a cedência de alguns ventiladores e também um para Cabo Verde. Também no âmbito das diplomacias das cidades. Porque temos uma geminação com Mindelo, conseguimos fazer chegar um ventilador.
Por que acha que a Câmara teve mais facilidade em adquirir os ventiladores do que o Governo? E como é que a Câmara conseguiu um preço mais baixo?
Não lhe sei dizer. Sei que conseguimos fazer isso. Sei também que há uma fábrica no Porto que começou imediatamente a fabricar máscaras. E começou a fazê-las a um preço muito baixo. E fomos das primeiras autarquias a ter um conjunto de máscaras disponíveis, numa altura em que a DGS pensava que as máscaras eram inúteis. Começámos a fazer máscaras para aquilo que era essencial, ou seja, não só para as nossas necessidades próprias. Estamos a falar dos bombeiros, da Polícia que estava em contacto com a população. Mas também para IPSS e para lares. Em primeiro lugar, há sempre o problema da contratação, como as coisas são contratadas e o que isso complica nestas situações, embora o Governo tenha facilitado a matéria das contratações públicas para a questão da pandemia. Sabe, havia uma livro, que gostava muito, quando andava na universidade que se chamava Small is Beautiful, às vezes é isso. Como somos mais pequenos, os mais pequenos por vezes têm uma agilidade que os grandes por vezes não conseguem. Talvez seja essa uma boa explicação.
É por isso que a Câmara de Cascais está mais próximo de conseguir trazer as vacinas para Portugal do que o próprio Governo? E a Câmara do Porto esteja associado?
Desde há cerca de três meses que andamos a investigar a matéria. Sabemos que neste momento não é possível. Dada a grande escassez de vacinas e o atraso na certificação, não é fácil conseguir comprar vacinas. Mais cedo ou mais tarde, a capacidade a nível europeu e a nível mundial vai permitir que haja vacinas em quantidade suficiente. E qual é a nossa estratégia? A nossa estratégia tem a ver com o facto de a questão das vacinas não ser um problema apenas de este ano. Acho que as pessoas ainda não compreenderam que as vacinas para a covid-19 vão ser como as da gripe sazonal. Todos os anos vamos ter de ter stocks.
Mas no caso que se falou, da Câmara de Cascais, era para adquirir o mais rapidamente possível.
Falei com o Carlos Carreiras e fui tomando nota das várias iniciativas que ele tinha. O que lhe disse, se fosse possível, é que a Câmara do Porto estaria interessada a ir a jogo. Porquê? Porque aqui a dimensão conta. Cascais e Porto têm mais ou menos a mesma população: 240 mil. Se somarmos aqui parcelas conseguimos ter maior participação.
Neste caso precisariam de mais de 800 mil doses?
Sim, o que já é um número interessante. Isto tem de ter alguma dimensão, porque se não tiver não funciona.
E está em crer que se o Governo permitir e a Infarmed adquirir as vacinas, consegue vacinar a população do Porto em menos de dois meses?
Em cerca de dois meses, sim. Neste momento temos um drive-thru instalado, que tem uma capacidade apreciável que não está a ser utilizada, esperemos que venha a ser utilizada quando houver vacinas. Tem uma capacidade de 7 mil a 8 mil vacinas por mês. Podemos multiplicar por mês esses modelos, rapidamente conseguimos chegar muito mais longe.
Por que disse que o Governo não quis esse seu modelo de centro de vacinação?
Até agora não quis. Não queria chamar Governo, chamar Governo é um pouco abusivo. Naturalmente isso são competências da DGS. Não são competências da task force. Inicialmente fizemos um protocolo com o Hospital de S. João e com a Unilab. Não terá nenhum custo para a Direção-Geral de Saúde. Recebi uma carta, que foi enviada a todos os autarcas, por parte do senhor presidente da task force, vice-almirante Gouveia e Melo. Começa por dizer que os municípios não se devem preocupar com isso, porque se está a criar uma expectativa na população, na medida que não há vacinas, o que compreendo. Por nós dizermos que temos isto tudo pronto. Posteriormente, o senhor vice-almirante escreve-nos uma carta a dizer que teríamos de ter a capacidade de vacinação pronta dali a três semanas. Disponibilizámos duas escolas que estavam encerradas e disponibilizámos também recursos a outros ACES para montar uma tenda de recobro. Criámos de facto condições para, com os ACES, reforçar a capacidade de vacinação. Fizemos um protocolo com os táxis, que é bastante interessante que permite a uma pessoa chamar um táxi para ir ser vacinada. A Câmara intermedeia isso e o táxi só cobra dois euros. O que de alguma maneira resolveu o problema de muitas pessoas.
Não foram tão longe como Lisboa que oferece mesmo o táxi.
Não oferecemos. Mas Lisboa é uma cidade mais rica que o Porto. Aqui no Porto somos de boas contas. Achamos que as pessoas deviam pagar. Dois euros é o que custa andar de autocarro.
Muitas pessoas aderiram?
Tivemos muitas pessoas e isso teve depois um impacto positivo na atividade económica dos taxistas. E isso é uma coisa que nos preocupa muito. Estamos muito preocupados com essa carência que existe. Vi hoje, curiosamente, que a Uber está a fazer preços especiais para quem queira fazer testes. Parece que esta ideia está a alargar ao setor privado, o que naturalmente é apreciado por mim. Porque o engenho aqui é muito interessante, ou seja, também temos que fazer das fraquezas força. Este tipo de intervenção tem de facto um impacto positivo na economia, porque tem um efeito multiplicador. A nossa convicção é que estas estruturas a nível dos ACES, não vão resolver o problema, quando precisarmos de vacinar mais pessoas por dia. A função prioritária dos Centro de Saúdes deve ser tratar das pessoas doentes. Os centros de vacinação tem uma função diferente, é evitar que as pessoas adoeçam. E portanto estar a misturar as duas coisas não nos parece em rigor, no limite, a melhor estratégia em termos da saúde pública. Não é competência minha, mas como cidadão tenho o direito de ter a minha opinião. Acho que estar a apostar que a vacinação deve ser feita toda nos centros de saúde parece-me a mim um erro. Tal como a vacinação não está a ser feita nos hospitais
Mas a vacinação está a ser feita noutros sítios.
Mas é através dos recursos do centro de saúde. Vamos precisar de vacinar muita gente e seria bom que a vacinação não fosse feita no centro de saúde. Os centros de saúde são para as necessidades de proximidade das pessoas que têm patologias, das pessoas que estão doente, das pessoas que precisam de consultas. Não acho que seja boa estratégia misturar as duas tribos. A tribo que está doente e a tribo que não quer estar doente.
É notório que tem tido algumas divergências com a Direção-Geral de Saúde, este é mais um episódio?
Tive uma divergência com a Direção Geral de Saúde que foi pública. Foi quando a senhora diretora, baseando-se em números errados, estava a pensar fazer uma cerca sanitária no Porto. Compreende que o presidente da Câmara, não quer dizer que seja contra, deve ser informado. Até que chegou esta informação paradoxal. Foi à hora do almoço que ela fez a conferência e tinha ido com a minha mulher ao supermercado. De repente comecei a ver muita gente a chegar ao supermercado. E não percebi. Achei que aquilo era um afluxo anormal. Mas lá paguei a minha conta, fui para casa. E liga-me um conselheiro de Estado, António Lobo Xavier, a dizer mais ou menos isto: ‘Ó Rui, vocês vão fazer uma cerca sanitária no Porto’. Nós? Não, Não sei de nada. ‘Mas ouvi agora. Não façam isso. Isso é um disparate, fazer uma coisa dessas sem ser pensado’. Eu não sabia o que se tinha passado. Aí reagi. A dizer à senhora diretora-geral de Saúde que se algum dia pensar fazer uma cerca sanitária – como foi feita em Ovar e muito bem a meu ver, e nos Açores, em Rabo de Peixe – isso deve ser pensado, ponderado, deve ser avaliado. E depois, falando com as autoridades locais, porque, para todo o efeito, estou à frente da Proteção Civil da cidade do Porto. Parece-me um desrespeito pelo poder autárquico, e foi por isso que reagi.
É público e notório que não concorda com muito do que é dito sobre a pandemia.
A minha maior discordância com a direção-geral de Saúde até foi no início da pandemia. O problema dos lares é uma tragédia mal contada. Que um dia será contada. E é uma tragédia com foros de escândalo. Porquê? Porque a estratégia que montámos na altura foi mais vasta, não trouxemos só ventiladores. Também vieram da China testes. Testes
esses que depositámos no Hospital de S. João, e a nossa estratégia foi cobrir muito rapidamente todos os lares da cidade. Os lares formais e os informais. No sentido de testar toda aquela população porque sabíamos que eram as mais frágeis. E a nossa estratégia era a da separação. Um em que havia pessoas já infetadas e pessoas não infetadas. A nossa estratégia era de separação dessas pessoas imediatamente e nessa altura houve uma grande resistência da Direção-Geral de Saúde, e nomeadamente na estratégia que implementámos. E acabou por ser implementada lentamente no país. Acho que a Direção-Geral de Saúde esteve mal. Por isso é que montámos em conjunto com a Ordem dos Médicos e também com o Hospital de Stº António, o pavilhão Rosa Mota para rapidamente separar as pessoas. E tivemos até há pouco tempo a Pousada da Juventude que o Governo nos cedeu mas foi operada por nós. Também para separar as pessoas. Teria sido muito importante que essas pessoas tivessem sido todas separadas. Porque deixar pessoas que ainda não estão contaminadas em contacto com pessoas que estão contaminadas e muitas vezes com pessoal que já está contaminado, levou a que provavelmente a taxa de contaminação tenha sido maior do que poderia ter sido se tivesse seguido o critério que defendemos e que implementámos, dentro das nossas possibilidades.
Acha que se a Direção-Geral tivesse seguido a sua estratégia que o problema dos lares não teria sido tão grave?
Acho.
Ter-se-iam evitado muitas mortes?
Acho que ter-se-iam evitado mortes.
Por que acha que o poder local consegue resolver determinadas situações melhor do que o poder central?
Imaginemos que somos uma ave rapina, que sobrevoamos determinado território, isto é um bocado como o poder central. O poder central vem de longe, vê muito lá de cima, quase de satélite. A partir de um satélite olha para o território. E é evidente que quando há um grande problema ele apercebe-se. O poder local é mais o pardal que anda ali próximo e percebe que falta uma pedra na rua e diz, temos é que pôr a pedra na rua. O poder central, quando vê o problema, resolve mas vai mandar asfaltar e fazer uma nova avenida. E portanto acho que há uma complementaridade entre os dois. Mas essa complementaridade em Portugal não tem sido reconhecida. E percebeu-se agora com a pandemia. O poder central impôs todas as regras ao contrário do que aconteceu em Espanha e noutros países. E depois viu-se na necessidade de pedir ao poder local e ao poder autárquico para resolver os problemas que ele já não conseguia resolver. Veja o caso dos horários dos estabelecimentos. Por exemplo, aqui ao lado em Espanha, isso foi deixado às autonomias e às cidades definir horários. Discordo profundamente de algumas medidas que foram implementadas. Por exemplo, aquela altura em que os supermercados foram fechados à uma da tarde.
Mas agora ainda têm os restaurantes com esse horário aos fins de semana.
Vamos lá ver, nos restaurantes, com todo o respeito pelo setor, ainda compreendo, parece ser nos restaurantes que nos contaminamos com maior facilidade. Nos supermercados a verdade é diferente. Reconhecendo que os supermercados têm de funcionar, o comércio alimentar não podia parar. Percebemos que nos primeiros dias da pandemia houve uma corrida aos supermercados. Aliás, esgotou o papel higiénico, que é uma coisa típica das crises. Nunca percebi porquê (risos). Não podemos moderar a procura e ao reduzirmos a oferta aquilo que fazemos é aumentar o número de pessoas que estão a comprar ao mesmo tempo. Considero que essas medidas podem ser para inglês ver.
O que teria feito de diferente se tivesse tido autonomia?
Não me pode perguntar isso de uma forma geral ao longo de um ano. Teria seguido um modelo de testagem mais intenso do que aquilo que foi seguido. E recordo que o Porto foi a primeira cidade a fazer um drive-in, no Queimódromo. E isso teve um grande impacto. Testar, testar e testar era muito importante. E durante muito tempo a testagem foi muito lenta. E aquilo que teria permitido, em termos de horários, seria uma flexibilização grande, que evitasse a concentração de pessoas. E noutras fases em que as coisas não foram tão graves, também na restauração, nas cafetarias e tudo mais.
O Porto, à semelhança de Lisboa, ganhou muito dinheiro com os turistas. Em relação ao Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) foca muito que há uma centralização dos dinheiros. O que sente que falta neste PRR?
Duas coisas, por um lado a territorialização, ou seja termos um conceito de estratégia para o país que perceba que este plano é provavelmente a última oportunidade do tempo das nossas vidas de mudar o paradigma do país e de combater o excesso de concentração no litoral das duas áreas metropolitanas. Acho que se devia ter sido mais ousado. Faltou aqui ousadia. Porque muitas vezes estamos a pensar, vamos fazer um plano de resiliência, construir casas para não sei quantas pessoas. Claro que elas são precisas. Mas também nos devemos perguntar, que num país que está a perder população, de repente há tanta falta de casas nas áreas metropolitanas. E podem dizer que é especulação imobiliária, porque é muito conveniente à esquerda dizer. Mas não é. Porque continua haver um excesso de fluxo às cidades. Como houve com o Estado Novo, em Lisboa nos anos 40 e 50 a cidade encheu-se. É extraordinário que este modelo continue a ser perpetuado. E que não se perceba, através deste plano, que seria possível criar no interior do país, nos territórios de baixa densidade, condições de atração que fixasse desde logo a população e, quiçá, levasse para a lá a população. O plano é pouco ousado, é mais do mesmo. Não estamos a pensar num modelo de desenvolvimento diferente. E, aliás, recordo aqui Jorge Coelho que morreu tragicamente há uns dias, que falava nisso. Falava na necessidade de ter uma estratégia para o interior e para os territórios de baixa densidade. Que é absolutamente óbvio. Hoje em dia, um miúdo de Portalegre quando acaba os seus estudos o que vai fazer? Provavelmente vai para Lisboa. Um miúdo de Vila Real onde é que vai? Vem para esta zona Noroeste. Ou seja, Portugal, neste momento, tem duas regiões, que puxam pela economia na área industrial, este noroeste se assim quiser, que vai de Águeda até Viana do Castelo, tem a área metropolitana de Lisboa e depois temos o Algarve com o turismo, que é uma coisa sazonal e agora mais afetada, e o resto do país para o qual não há uma estratégia. Porque olhamos para o lado, chegamos à fronteira, entramos em Espanha e encontramos cidades no meio do planalto espanhol e na planície espanhola encontramos cidades que têm a sua economia, têm a sua atividade, de alguma maneira não foram esvaziadas. Portugal foi esvaziado. Esta subocupação de uma parte do território, por sobreocupação de outra parte do território, devia ter sido pensada nesta altura em que temos o PRR. Depois há naturalmente outro aspeto que me preocupa, que tem a ver com as medidas que, em cerca de 70%, são para salvar o Estado. Ora também aqui é um pouco mais do mesmo. Ou seja, o Estado não se reforma, nem durante o tempo da troika se reformou. No tempo da troika não houve uma reforma da administração nem do Estado. O PRR vai ser mais uma almofada para tapar os buracos. Mas quando acabar a almofada, quando as penas voarem os buracos vão continuar lá.
Em relação ao Porto, acha que esta bazuca vai ajudar o Porto?
Vai, mas o meu pensamento, nesta matéria, não pode ser limitado a isso.
Disse numa entrevista que esta bazuca servia para obras faraónicas.
Quando olhamos para a História de Portugal, basicamente tivemos três grandes fluxos em Portugal. Basicamente três grandes momentos muito importantes. Foi com as especiarias que vieram das Índias, com o ouro do Brasil e com a entrada para a União Europeia. E somos de uma geração, alguns não, mas eu sou, que teve duas hipóteses durante a sua vida, agora é a bazuca. Coisas que acontecem com 200 ou 300 anos de intervalo, de repente temos dois instrumentos destes, e a avaliação que temos de fazer é por que razão com todas estas coisas não fomos capazes de ter crescimento. Com a bazuca espero que possa ser diferente. E quando olhamos para o crescimento português percebemos que não fomos capazes de crescer. E quando olhamos para a taxa de crescimento do PIB em Portugal é muito mais baixo do que o da União Europeia. Todos os anos somos ultrapassados por uns estados, estamos quase na cauda da Europa e não só estamos na cauda da Europa como também estamos endividados. Senão estivéssemos endividados, ainda podíamos pegar no dinheiro que tínhamos e usá-lo para consumo interno. Estamos nesta conjuntura paradoxal de termos um crescimento anémico. Não nos aproximamos do crescimento da média da União Europeia e aproximar também não nos adianta muito. Porque há países que não precisam muito de crescer, por exemplo a Alemanha. Mas quando nos comparamos com os países mais pequenos, Portugal tem um crescimento inferior aos dos países do Leste.
Uma das soluções passa pela reforma do Estado, por despedir e aliviar a máquina do Estado?
A reforma da administração e do Estado não passa por despedimentos de pessoas. Não tenho nada essa perspetiva. O que não se conseguiu fazer foi as reformas necessárias. Há pessoas a mais numas áreas e a menos noutras. Há falta de competência numas áreas e excesso de competências noutras áreas.
O que está a correr mal no processo de descentralização?
Não tendo regiões administrativas, só as autarquias são o recurso natural para a descentralização. Por exemplo, para a Câmara Municipal do Porto deveriam vir determinadas competências, na área da Educação, da Saúde, da Polícia… Já há sete anos que nos interessamos por aquilo que é a rede dos cuidados de saúde primários da cidade. Pedi um estudo que foi feito por Fernando Araújo. Que depois foi secretário de Estado, é hoje administrador do Hospital S. João. Ele teve a amabilidade de não levar à Câmara do Porto um tostão por isso. Fez um levantamento das necessidades que temos na cidade de centros de saúde. E a Câmara doa Porto começou a intervir nesses centros de saúde, através de um conjunto de protocolos com o Ministério da Saúde. Na altura tinha cá o Dr. Manuel Pizarro como vereador, a pessoa que conhece muito bem a área da Saúde e muito colaborou comigo nessa área. Quando fomos ver o modelo de descentralização, estávamos à espera que a Câmara vai pudesse construir centros de Saúde de acordo com este plano gizado – alguns já estão feitos. Mas depois era nossa expectativa que pudéssemos definir as competências nos centros de saúde, os horários. Que é uma coisa fundamental, como sabe. Porque um Centro de Saúde que é ao lado do hospital, que tem uma urgência, não precisa de funcionar 24h. Um Centro de Saúde que está longe de um hospital precisa de trabalhar 24h. Achávamos que as competências iam ser nossas mas não são. Somos responsáveis porquê? Por pagar ao pessoal administrativo, ao pessoal de limpeza, por fazer a manutenção dos centros de saúde, ou seja, pelo Ajax. Isto é, somos os tarefeiros. O Estado dá-nos apenas as tarefas, mas não permite definir qual o número de médicos, quais são as competências desses centros de Saúde e os horários de funcionamento.
Algo está a correr mal.
Isto demonstra que a descentralização, tal como foi pensada, não é descentralização nenhuma. É o Estado a lavar as mãos e a atirar para as autarquias este tipo de competências. Muitos dos municípios foram ao engano e aceitaram estas competências. Estavam a contar com uma parte das verbas do IVA. O Porto é seguramente uma das cidades do país onde se cobra mais IVA, porque o imposto cobra-se em pontos de consumo. Ou seja, cidades como Porto e Lisboa são aquelas onde há mais IVA, até por causa dos turistas. Sabe qual foi a transferência que o Governo fez de IVA para a cidade do Porto no ano passado? Dois milhões e meio de euros. Não serve para um terço do déficit que vamos ter na descentralização da coesão social. Veja o caso das praias. Passaram as praias para a competência das câmaras, coisa que acho bem. Acho bem poder limpar as praias, poder determinar que tipo de atividades se faz nas praias, nomeadamente em termos das concessões. A partir de dia 1 de janeiro tivemos que assumir todas essas competências, ou seja limpar as praias, fazer a manutenção, fazer o tratamento das águas. Não sei ainda quanto vai custar, mas calculará que vai custar uns milhões largos. Qual era a contrapartida que nos deviam ter entregue? As concessões dos bares das praias. No entanto, esqueceram-se e não criaram regras normativas, não podemos cobrar essas rendas. De repente, ficámos com uma competência, com um encargo, mas sem nenhuma receita. Mais, neste momento, há pessoas que querem reabrir os bares de praia e as concessões terminaram e não sabemos ainda como é que podemos fazer legalmente. Isto demonstra esta incapacidade que o Estado tem de se reformar.
Então há gente a mais.
Não há gente a mais, porque há gente a menos. Precisamos de engenheiros informáticos para a câmara e vemo-nos numa enorme dificuldade para encontrar engenheiros informáticos. Primeiro, porque não existem na Função Pública e depois porque não conseguimos remunerar, porque temos de cumprir as regras, não conseguindo competir com o setor privado.
São duas coisas diferentes.
Isto é a mesma coisa do que termos um restaurante. No restaurante temos uma cozinha em que precisaríamos de ter vinte pessoas e temos duas. Mas empregados de mesa temos quarenta e devíamos ter vinte. O desequilíbrio do Estado tem muito mais a ver com estas coisas, com esta forma que o Estado tem de não corresponder àquilo que é o desígnio das pessoas. Todos percebemos as dificuldades que temos quando recorremos ao Estado, para coisas como os passaportes, os cartões de cidadãos, etc. Se calhar precisariam de mais recursos humanos. E há outras áreas em que percebemos que há pessoas que não têm nada que fazer.
Mas quem serve à mesa, necessariamente não tem que saber estar na cozinha?
Sim, mas pode aprender.
Qual é o modelo de regionalização que defende?
Neste momento não vale muito a pena falar na regionalização porque não vai ser feita. O modelo que defendo é a descentralização efetiva.
E em relação à descentralização o que acha que é preciso fazer para o país melhorar?
O que é preciso é passar competências efetivas para os municípios, para as áreas metropolitanas e futuramente para as regiões. Aquelas competências que falávamos e teve a ver com a sua primeira pergunta [a razão das câmaras conseguirem fazer melhor do que o Estado].
Não acredita que essa descentralização pode aumentar ainda mais os job for the boy?
Talvez não.
Este processo da descentralização…
Tudo depende do que queiramos. Em primeiro lugar, não se pode fazer política sem pessoas que ocupem os cargos políticos. Se não quisermos jobs for the boys, podemos voltar ao tempo do Estado Novo, ter uma pessoa a mandar em tudo. Sabemos que a democracia representativa indica que umas pessoas se dediquem à mesma a tempo inteiro e outras a tempo parcial. Aquilo que temos feito é obrigar um número excessivo de pessoas a trabalhar nisso a tempo inteiro. Antigamente, não era assim. Lembramo-nos de um Parlamento em que havia menos incompatibilidades, hoje há mais. Curiosamente, não atingem os advogados, que é algo que não compreendo, são os únicos que ficam à margem. Nos anos posteriores ao 25 de Abril, havia um conjunto de pessoas que desempenhava essas tarefas, cidadãos absolutamente notáveis em todas as forças políticas e tinham outras ocupações. Aquilo que se quis foi a profissionalização da política. Se se quis isso, é natural que agora se pense que se criarmos autarquias intermédias…
Políticos em exclusivo? Temos advogados, médicos, tudo.
Só profissões liberais e quase todos advogados.
Acha que isso é aceitável?
O que não pode haver é a intervenção em situação de claro conflito de interesses. Não me parece que o Parlamento tenha de ser todo constituído por profissionais da política. E se for assim, 230 é, provavelmente, um número excessivo. Porque percebemos que, no dia-a-dia, apenas 30 ou 40 intervêm. Se não forem profissionais da política, pode fazer sentido. É difícil encontrar um português que consiga dizer o nome de mais de 30 deputados. Antigamente, não era assim. Alguma coisa foi perdida.
Podemos dispensar metade dos deputados.
Isso teria um problema: o dos territórios de baixa densidade. Por exemplo, Portalegre elege dois deputados em 230. Bem sei que é proporcional à sua população, mas não devia ser. Devia haver também uma referência à proporcionalidade de todo o território. Se olharmos para os Açores e a Madeira, são uma exceção porque têm um grupo parlamentar que não corresponde à população. Devia haver uma compensação. Se reduzirmos o número de deputados de 230 para 115, Portalegre passa a ter um deputado, o que não é aceitável. A redução do número de deputados implicaria reorganizar o país de tal maneira que os territórios de baixa densidade mantivessem a sua representatividade.
Nesta história da descentralização, onde é que entra a ligação, por exemplo, a Espanha?
A relação transfronteiriça, particularmente aqui no Norte, é intensa. Há pessoas que vivem num lado e trabalham noutro, há cidades como Verín e Chaves que constituem uma eurocidade… As pessoas organizam-se e entendem-se, deixamos de ter um problema linguística porque falamos um portuñol, os negócios correm bem. O Estado não impede que essa relação exista e que nada tem a ver com os nossos instrumentos. Coisa diferente acontece quando falamos com eles. Tenho uma ótima relação com o Alberto Feijóo, o presidente da Junta da Galiza, e ele tem uma representatividade, é eleito como representante de uma determinada região. Não temos, agora temos é um presidente da comissão de coordenação, mas que não tem representatividade. Mas isso não obsta a que haja essa relação intensa. Aquilo que me incomoda é que as competências de um autarca do lado de lá são muito diferentes. A população questiona-me sobre a falta de policiamento. Eu não posso dar ordens à polícia, depende do Ministério da Administração Interna. Explicar isto às pessoas é quase impossível. Relativamente aos centros de saúde, ao trânsito, acham que estas competências são da Câmara. Interiorizaram que há competências que ainda não existem. Isto demonstra que devíamos ir mais longe na descentralização. Quando há uma concentração de pessoas como aquela que houve numa praça do Porto, imediatamente fui acossado. Em primeiro lugar, achavam que tinha autorizado a realização do evento, mas a Câmara não pode autorizar eventos ilegais. E o presidente não pode mandar lá a PSP. Perguntam os motivos pelos quais não há videovigilância nos seus bairros, nas zonas mais perigosas, mas o presidente não pode colocar, é proibido. Esta divergência entre aquilo que é o poder percecionado pelo cidadão e o poder efetivo dos municípios é uma demonstração de que o país é demasiado centralista e que não descentralizou.
A defesa do Porto não é um trunfo para si enquanto independente?
Há alguém que queira ser presidente de uma Câmara, seja de onde for, que não queira o melhor para a sua terra?
Será que por estar a aproximar-se o tempo da sua recandidatura está mais contido? Por exemplo, em relação à droga.
Na minha opinião, pelo menos em determinadas áreas do espaço público, o consumo de drogas injetáveis deve ser criminalizado. Não é aceitável que haja zonas da cidade onde as pessoas entendem que podem chutar para a veia. Por exemplo, à porta de uma escola. Não é normal.
Mas no passado não falou apenas nas injetáveis.
Drogas duras. Não tenho nenhum problema com aquilo que as pessoas fumam.
Defende ou não as salas de chuto?
Sim, as salas de consumo assistido. Queremos construir, pelo menos, uma. Acho que um agente da polícia pode chegar ao pé de uma pessoa, que se prepara para injetar na veia, à porta de uma escola, e dizer: ‘Aí não, pode em sua casa ou naquela sala onde o consumo é assistido e até há lá uma enfermeira’. Aquilo que não faz sentido é estarmos a criar estes instrumentos e as pessoas poderem estar lá dentro ou cá fora.
Em relação à videovigilância, disse que qualquer dia instalava e que o viessem prender.
Não disse isso. Sou muito institucionalista. O Conselho Municipal de Segurança já se pronunciou duas vezes sobre isso. A PSP fez um estudo em que identificou os locais da cidade que são mais perigosos, penso que vai mandar o parecer para o Ministério da Administração Interna e para a Comissão Nacional de Proteção de Dados. Aquilo que a Câmara Municipal do Porto disse é que paga o equipamento e a instalação. Julgo que, neste momento, irá andar.
Na Amadora, no Bairro Alto, há várias zonas com câmaras.
Ainda não conseguimos ter, mas não é que eu não queira.
Qual é a justificação?
Não estamos na capital.
Acha que esse é um problema?
Resulta de não sermos Lisboa.
‘Não vale a pena dizer que consumir cocaína numa festa em Lisboa não é um grande problema, mas é para os inquilinos da Câmara do Porto’. Teve muito essa vontade de vincar essa diferença entre Lisboa e Porto?
Gosto imenso de Lisboa. A família da minha mãe é de Lisboa, o meu avô foi fundador do Belenenses. Acho que Lisboa olha para o Porto como um incómodo porque, apesar de tudo, não é apenas o resto do país e, nessa matéria, é objetivamente maltratado.
Disse que o Porto foi muito maltratado porque a TAP apostou em Lisboa.
Não. O Porto tem sido maltratado pela TAP historicamente porque tentou sempre inibir o crescimento do Aeroporto Francisco Sá Carneiro porque nele não estava interessada.
Porquê? Teoricamente um gestor deve apostar em algo que seja rentável e útil para o país.
Os gestores públicos não estavam interessados. A partir do momento em que passou a ser privada, se fosse 100% privada, podia fazer aquilo que quisesse. Sou um liberal nessa matéria. Porque é que vamos meter dinheiro na TAP? Porque dizem-nos que é importante do ponto de vista do serviço público, não é verdade?
Acredita que são os tais 40 mil milhões de que fala?
Eu acho que, provavelmente, sim.
Vão derreter-se?
Espero que não. Apesar de tudo, acho que vai ser uma empresa muito mais pequena do que aquela que era. Quando fazemos um investimento, fazemos sempre uma análise custo-benefício. Todos gostaríamos de ter uma sauna em casa, mas não o fazemos porque sabemos que terá um custo muito exagerado e que a utilidade não é compaginável com o custo. Portugal é um vício muito caro que, ainda por cima, só beneficia alguns portugueses. Chego a Faro, olho para a lista de voos, não encontro nenhum da TAP. Vou à Madeira, também não. Vou ao Aeroporto Francisco Sá Carneiro, há um. A TAP parece interessar-se apenas pelo Aeroporto de Lisboa. Se for privada, não há problema nenhum, é uma decisão dela. Sendo paga por todos os portugueses, havendo outros aeroportos em Portugal, parece haver algum desequilíbrio.
Não acha que esta questão vai desaparecer se for avante a proposta do ministro Pedro Nuno Santos? Disse que a Europa quer acabar com os voos de menos 600 quilómetros.
O que ele disse é verdade. As medidas ambientais apontam que a Europa, em 2030 ou por aí, vai proibir os voos de curta distância. É uma forma de dizer ‘Bom, temos de criar fórmulas alternativas’. Isto faz parte da estratégia de descarbonização. O ministro está a dizer que, no futuro, será proibido apanhar um voo entre Lisboa e Porto e vice-versa. E, por isso, está a pensar-se na duplicação da Linha do Norte. Neste momento, não tem capacidade, não chega para os comboios de que precisamos. Isso não quer dizer que o Aeroporto Francisco Sá Carneiro deixe de existir ou o Aeroporto de Lisboa. Vamos ter voos para o Dubai, Nova Iorque, Frankfurt, etc. Aquilo que vai acontecer é a mudança da interação entre os aeroportos. Não vejo mal naquilo que o ministro disse. Ouvi imensos comentários, críticas àquilo que ele disse, mas ele limitou-se a constatar um facto assumido pela União Europeia.
A Linha do TGV?
Não. Não se pode viajar em curta distância e tal vai causar uma maior procura nos métodos alternativos de transportes.
Qual acha que seria a melhor Linha?
O grande desafio é tentar que Lisboa-Porto se faça em 1h15, 1h30.
Não é o TGV que faz isso?
Precisamos de uma linha em que possam andar comboios mais ou menos rápidos. Pode haver um comboio que faz Lisboa-Porto com uma paragem, o Intercidades também lá pode andar, mas deve fazer a ligação ao Aeroporto Francisco Sá Carneiro e também à Corunha, na faixa Atlântica. O Governo espanhol concorda e isto só pode ser feito com a aprovação do mesmo. Parece-me que teremos uma segunda alternativa à Linha do Norte porque, neste momento, com as mercadorias, os Intercidades, os Interregiões, os Suburbanos não permite aumentar a velocidade. Nas linhas de caminhos de ferro não há ultrapassagens.
Mas como se chamam esses comboios que fazem as ligações rápidas?
Um pendular podia fazê-lo, não é necessário ser um TGV. Não lhes quero chamar TGV porque estaríamos a poluir o debate. O TGV dedica-se a uma linha de comboios que faz apenas uma ligação ponto a ponto. Não é isso que o Governo está a fazer e ainda bem.
Defendeu sempre a solução de Portela mais um. E agora?
Defendo Montijo mais Portela. Acho que o Montijo é, para Lisboa, a melhor solução, até pelos estudos que já foram feitos. Alverca tem problemas de incompatibilidade do espaço aéreo. Esta história vem desde a Segunda Guerra Mundial. Há páginas e páginas sobre isso, até eu escrevi um livro sobre o assunto.
Por que nunca quis participar em partido político nenhum?
O meu interesse pela participação cívica é um interesse tardio e temporário. Até ao ano de 2000, nunca tive nenhuma função pública visível. Depois, durante anos, estive na Associação de Comercial do Porto e, depois, resolvi meter-me nisto. E, quando resolver sair, não terei nenhuma atividade política. Fui convidado a integrar partidos algumas vezes.
Mas acha que é uma coisa menor?
Pelo contrário, acho que é bom para quem quer ser militante, é perfeitamente legítimo. Costumo votar, voto sempre. Nunca me interessou muito fazer parte dessas associações.
Também fez parte da União de Estudantes Democratas Independentes.
Fui eu que a fundei com o José Pedro Aguiar Branco e ganhámos as eleições. Estamos a olhar para 1974.
Em relação às eleições, sei que ainda não decidiu, mas é curioso: recentemente, Rui Rio disse que não é uma pessoa confiável e, em 2017, teve um episódio caricato com a Ana Catarina Mendes.
Aquilo que aconteceu é, se regressarmos a 2017, em determinada altura, a Ana Catarina Mendes disse que queria negociar comigo o apoio e lugares do PS na minha lista. Eu disse que não negociava isso, que faria convites a pessoas do PS de acordo com as suas competências e o interesse do Movimento Independente. Manuel Pizarro disse que compreendia perfeitamente a minha posição, mas que, como havia uma Convenção Autárquica no dia seguinte, o PS decidiu que não apoiaria a minha candidatura e avançou numa candidatura autónoma com Manuel Pizarro.
Então é semelhante àquilo que está a acontecer agora com o PSD.
Acho que toda a gente já percebeu que tive um convite para jantar com duas pessoas, uma das quais conhecia e outra não. O Salvador Malheiro e o José Silvano. Foi-me feita uma proposta perfeitamente razoável que declinei e contrapus uma hipótese. Disse que se quisessem apoiar-me, tudo bem, mas que não seria candidato pelo PSD numa coligação. E, depois, alguém do PSD decidiu plantar esta notícia. Não aconteceu mais nada.
Podia ter acontecido no Porto aquilo que está a acontecer em Oeiras? Ou seja, o PSD não apresenta nenhum candidato, mas apoia Isaltino Morais.
Isso Rui Rio não quis. Estava à espera de que me quisessem apoiar, mas não quis aquilo que me propuseram. Agradeci muito, foi uma conversa entre pessoas civilizadas. Toda a gente já percebeu quem pôs as notícias nos jornais.
A sua relação com Rui Rio é engraçada. Não tem grande admiração intelectual por ele.
Tenho, a maior das admirações. O meu problema com ele não é esse. Rui Rio tem o estilo que tem, eu tenho um diferente. Os ataques soezes que ele fez sobre mim não alteraram a forma como o vejo.
Estamos junto à varanda onde o FC Porto costuma comemorar as suas vitórias. Não acha que a sua ligação ao FCP pode criar uma leitura menos simpática? De alguma promiscuidade?
Aos benfiquistas. Nunca me vali das minhas relações no futebol para ser aquilo que sou. Nunca tive comissões de honra preenchidas por presidentes de partidos e jogadores de futebol. Em segundo lugar, a minha relação com o clube, não é hoje, eu ia nascendo no Estádio das Antas, só não aconteceu por acaso. Um tio-bisavô meu foi campeão pela primeira equipa. Acho que fazer parte do conselho superior de um clube é uma coisa perfeitamente normal. O candidato do PSD, o engenheiro Vladimiro Feliz, já anunciou que se, porventura for eleito presidente da Câmara, também vai abrir a varanda. Pela primeira vez, o assunto está pacificado. Rui Rio contactou e convidou António Oliveira, que é o maior acionista da SAD do Porto, que o público reconhece como grande futebolista, selecionador nacional, investidor capitalista e acionista, para Vila Nova de Gaia. Estamos a falar de um assunto que já morreu.
Se não quer que o candidato do PSD ganhe, obviamente que se vai candidatar.
Não, podemos indicar outros candidatos. Somos um movimento. Da última vez, tivemos qualquer coisa como 50 mil votos.
Nunca admitiu transformar o movimento em partido?
Temos andado a ver se temos necessidade de o fazer. Vamos reunir-nos em Anadia – grupos de cidadãos eleitores que elegeram presidentes de câmara –, este sábado, para tomar essa decisão. Esses grupos reuniram-se em fevereiro, em Portalegre mais recentemente, e agora vão avaliar se os partidos reverteram algumas medidas da lei que inviabilizam as nossas candidaturas ou não. Se reverteram, continuamos como grupo de cidadãos eleitores. Se não reverteram, teremos de formar um partido.
Quantos presidentes de câmara independentes existem?
Somos cerca de 17 presidentes. Porto, Portalegre, São João da Pesqueira, Vila Nova de Cerveira, Oeiras, Aguiar da Beira, Borba, Redondo, Peniche…
Qual é o cabeça de cartaz desse partido?
Não há.
Como assim? Tem de haver um secretário-geral, um presidente.
Não serei eu, com certeza.
Pode ser Isaltino Morais?
Pode ser o presidente de São João da Pesqueira, Manuel Cordeiro, que tem sido o grande mobilizador disto.
Isto é engraçado porque diz que nunca esteve envolvido na vida política, mas está a pensar em formar um partido.
Pode haver momentos em que percebemos que os independentes estão privados de participar na vida pública.
Quando diz que há uma portofobia da TVI…
Acho que houve, mas que já não há.
Somos um país tão pequeno…
É essa a minha perplexidade. Se fossemos um país que vai daqui até aos Urais, até se percebia que o Porto fosse invisível ou notícia quando houvesse alguma tragédia. Durante a pandemia, foi notório que alguns órgãos de informação trataram o Porto de uma forma absolutamente discriminatória.
Como assim?
Quando o problema era a Norte, chegaram ao ponto de dizer que isso acontecia devido aos nossos hábitos sanitários. Depois, quando estourou em Lisboa, não disseram isso. O vírus a Norte acontecia porque somos maus, feios e sujos. A razão começou pelas feiras de calçado de Milão.
Em junho, especialistas do São João alertaram para a evolução da pandemia. Lisboa não ouviu aquilo que foi dito e aconteceu uma pequena tragédia.
Em primeiro lugar, este vírus e a forma como ele se propaga, só há duas maneiras de o combater: o confinamento e as vacinas. Ele tem um comportamento muito errático. Os excessos do verão aconteceram por todo o lado. Pode dizer-me que o povo português foi descuidado. Usámos os nossos mupis para campanhas de prevenção consecutivas. Sempre achei, e o senhor primeiro-ministro falou desse assunto uma vez, que a Direção-Geral da Saúde fez muito pouco nesse âmbito. O Parlamento aprovou recentemente uma medida de 15 milhões para investir no combate ao racismo. É um problema, mas, se é assim, deviam ter investido 40 milhões na covid-19 ou na violência doméstica que foi agravada pela pandemia. Depois, é fácil dizer que as pessoas são descuidadas e imprudentes.
Acha que o racismo é um problema forte na sociedade portuguesa?
Sim, não vale a pena relativizar.
O que se pode fazer para diminuí-lo?
Tem de se tentar explicar às pessoas que não faz sentido. Fazer um trabalho junto das escolas, de integração. Não é dizer que o Império era uma coisa terrível, nada disso.
Nas suas entrevistas diz que temos uma cultura de Império Colonial.
Continuamos a ter essa visão. Ainda não fomos capazes de a ultrapassar. Quando dizemos ‘Não fomos muito atingidos pela pandemia’, como se fosse um milagre, ou quando organizámos a final da Liga dos Campeões sem público e dizemos que é uma enorme conquista para o país: estamos sempre a anunciar grandes feitos para o país. É uma visão patrioteira – não é patriótica, isso passa por gostarmos daquilo que somos – e depois é o diabo.
Devemos deitar o Padrão dos Descobrimentos ao chão?
Não, está lá muito bem. Devemos saber viver com a nossa História e evitar uma coisa terrível: o anacronismo. Qualquer dia, estamos a dizer que o D. Afonso Henriques era um tipo horrível porque cometia violência doméstica relativamente à senhora sua mãe. Devemos compreender como é que as coisas eram em determinado tempo, mas também não deixar de entender aquilo que fizemos mal e deixou sequelas.
Mas por que acha que há racismo?
Há relativamente a comunidades que vivem entre nós, como os romani, os africanos.
O que pensa da criminalização do enriquecimento ilícito?
Em primeiro lugar, esse assunto deve ser tratado pelos políticos e não pelos magistrados e juízes. Estes devem julgar as leis que os primeiros fazem. Concordo com o senhor Presidente da República, penso que é tempo de encontrarmos uma forma de penalizarmos o enriquecimento ilícito desde que haja prova objetiva e não subjetiva.
Diz que não devem ser os magistrados, mas vemos que há deputados que têm interesses, que são advogados.
Deve ser a política porque os políticos são eleitos com este mandato. Se me pergunta qual é a minha opinião, diria que, num mundo perfeito, não seria necessário penalizar o enriquecimento ilícito porque resultaria de crimes que já teriam moldura penal. Não havendo isso, parece-me razoável que haja uma penalização. Se me aparecerem 500 mil euros no banco amanhã, devo explicar que os obtive de forma lícita e, se não conseguir, devo ficar sem eles e ser punido.
Acha que o Ministério Público tem poder a mais?
Não quero falar sobre isso.
E sobre o processo Selminho, onde é acusado pelo MP?
Também não vou falar sobre isso.
Pensa candidatar-se a presidente do Futebol Clube do Porto?
O clube tem um presidente excelente.
Mas não é eterno.
Não, mas está de boa saúde.
É uma porta que fecha?
Não faz parte do meu projeto de vida. Não tenho idade nem saúde para isso.