João Leão. Um ano sem surpresas

Assumiu a pasta a 15 de junho de 2020 e tinha à sua espera uma grave crise económica e social, contas públicas em desequilíbrio e ‘temas quentes’ como Novo Banco e TAP. Economistas fazem o balanço do primeiro ano de mandato.

João Leão. Um ano sem surpresas

Fez esta semana um ano que João Leão assumiu a pasta do Ministério das Finanças, após a saída de Mário Centeno para a liderança do Banco de Portugal. A escolha foi feita para manter a linha de continuidade, já que Leão fez parte da equipa de Mário Centeno desde o início, sempre como secretário de Estado do Orçamento. Além disso tinha sido um dos peritos a integrar o grupo de 12 que António Costa foi chamar em 2015 para preparar o quadro macroeconómico do seu primeiro Programa Eleitoral.

Mas quando em 15 de junho de 2020 assumiu o cargo tinha à sua espera uma grave crise económica e social, contas públicas em desequilíbrio e ‘temas quentes’ como o Novo Banco. A sua estreia deu-se com a discussão e aprovação do Orçamento Suplementar, para acomodar os efeitos da crise (aumento de despesas em áreas como saúde e apoios às famílias e empresas, e quebra de receita do Estado), aprovado no início de julho. No entanto, a sua primeira ‘prova de fogo’ foi com o Orçamento do Estado para 2021, que acabou por ser aprovado – depois de ter recebido 1.500 propostas de alteração – e viu-se a braços com a polémica em torno das transferências do Fundo da Resolução para a instituição financeira liderada por António Ramalho. 

Em causa estava uma injeção de 476 milhões de euros para o Novo Banco, o que levou o Governante a garantir os compromissos teriam de ser cumpridos e o não fazer «seria brincar com o fogo», com a credibilidade do país e a estabilidade do sistema financeiro. A transferência foi feita – 317 milhões de euros referentes a 2020 com recurso a um empréstimo bancário, mas abaixo do valor pedido pelo banco (598 milhões de euros).

Ainda em 2020 teve de lidar com a reestruturação da TAP que continua a estar longe de ser pacífica e terminou o ano com a economia portuguesa a cair 7,6% e um défice de 5,7% do Produto Interno Bruto (abaixo das previsões), reflexo das medidas impostas para reagir às consequências da pandemia. 

O ministro das Finanças considerou que estes resultados provam que «o país conseguiu resistir melhor à crise do que se esperava». Já o primeiro-ministro salientou que este é dos «maiores défices» da história da democracia em Portugal e defendeu que seria necessário relançar a economia.

Já no arranque de 2021 assumiu o cargo de presidente em exercício do Conselho de Ministros das Finanças da UE (Portugal tem a presidência do Conselho da UE), liderando as discussões dos Estados-membros sobre os planos nacionais de recuperação. O programa português foi esta semana aprovado. No entanto, depois de o aval de Bruxelas, o PRR português será agora avaliado pelo Conselho num máximo de quatro semanas, pelo que Portugal poderá começar a receber os fundos da ‘bazuca’ ainda em julho.

O primeiro-ministro garantiu que «este é um plano ambicioso e transformador» considerando que o PRR irá «aumentar o potencial de crescimento de Portugal», trazer «mais e melhor emprego», mas também «mais condições para as empresas». Ainda assim, António Costa afirmou que não se trata de um «cheque em branco», mas um «compromisso, com metas, objetivos e calendários». No total, o PRR português prevê o desembolso por parte da União Europeia de 13,9 mil milhões de euros em subvenções a fundo perdido e 2,7 mil milhões de euros em empréstimos.

E o futuro?
João Leão acredita que tanto as medidas de combate à crise como as de relançamento da economia são as adequadas, afastando um caminho que passe por austeridade ou por aumentos de impostos. «A recuperação não assenta em austeridade nem no aumento de impostos, mas no reforço dos apoios às famílias e empresas», tem defendido várias vezes.

Aliás, está otimista em relação ao crescimento da economia ao acreditar que poderá crescer até 5% este ano (acima dos 4% esperados no Programa de Estabilidade) e que o fim das moratórias bancárias não deve ser levado com «dramatismo» (ainda que admitindo apoios aos setores mais afetados) pois há a expectativa de «uma forte recuperação da economia».

Ainda esta semana, o Banco de Portugal (BdP) reviu em alta as perspetivas da economia portuguesa e acredita que deverá crescer 4,8% em 2021. Um número que fica acima das previsões anteriores, altura em que apontava para 5,6% em 2022 e de 2,4% em 2023, de acordo com o Boletim Económico divulgado esta quarta-feira.

Segundo o documento, a recuperação da economia é «impulsionada no segundo trimestre de 2021 pela procura interna, em particular pelo consumo privado». De acordo com as contas do regulador, o consumo privado deverá crescer 3,3% em 2021 e deverá recuperar mais marcadamente em 2022 (4,9%), ano em que retoma os níveis pré-pandémicos. «O rendimento disponível real cresce 1,3% em média em 2021-23, em resultado da recuperação do emprego e dos salários».

Para Mário Centeno a recuperação do indicador de confiança assenta, em grande parte, no mercado de trabalho que, no seu entender, «tem sido a ancora visível da recuperação económica». A instituição prevê que a taxa de desemprego atinja 7,2% em 2021, recuando para 7,1% em 2022 e 6,8% em 2023, e espera que o emprego cresça 1,3% este ano.
O Nascer do SOL quis saber junto de vários economistas como avaliam estes 12 meses de trabalho de João Leão, mas as opiniões divergem.

César das Neves: ‘Se o novo caminho de consolidação for feito sem os erros de Centeno seria muito bom’
O economista reconhece que João Leão assumiu a pasta «num momento muito ingrato, em que a pandemia estava a destroçar as nossas finanças, finalmente equilibradas (ou parecendo estar)», reconhecendo que «naturalmente que esse efeito dominou este primeiro ano».

A principal crítica de César das Neves em relação ao trabalho levado a cabo pelo ministro das Finanças diz respeito ao resultado do défice que, no seu entender, «é demasiado bom, apesar de ser o pior dos últimos anos». 

E vai mais longe: «De facto, o projeto político dominante dos últimos anos, centrado no objetivo do equilíbrio das contas públicas, manteve-se influente, num momento em que claramente não podia, nem devia ser relevante face à calamidade nacional. A emergência de acudir à economia paralisada devia ter tido mais prioridade do que teve. Esta devia ser a altura em que, perante a catástrofe global, o ministro das Finanças devia ter cedido o passo aos ministros setoriais, envolvidos na tarefa de salvar a sociedade», refere ao Nascer do SOL.

Apesar da linha de continuidade em relação ao trabalho de Mário Centeno, acabou-se por assistir a uma rutura nos resultados, influenciado pela pandemia. «A pandemia dominou os resultados. Mas o que deveria ter feito, e não fez, era mudar o critério de avaliação dos resultados. Quando a casa está a arder não se tenta reduzir a conta da água».

O economista lembra que a função do ministro das Finanças é controlar as contas públicas e, nesse aspeto, considera que fez esse trabalho bem. Mas deixa um recado: «A culpa do erro é do seu superior, que lhe deu demasiado influência, em detrimento dos planos de apoio à economia».

Em relação ao futuro, prevê que o grande desafio do momento está relacionado com a data do levantamento das moratórias dos impostos, «o que só deveria acontecer quando a economia estiver seguramente a recuperar». A par disso, João Leão terá de lidar com o défice e endividamento acrescidos, «o que nos colocam ainda piores em 2014, quando saiu a troika». 

E acrescenta: «Se o novo caminho de consolidação das contas, que agora começa, for feito sem os erros de Centeno, seria muito bom, mas não é provável. Neste momento de enorme incerteza, todas as previsões são realistas».

Nuno Teles: ‘A continuidade da política agravou a vulnerabilidade da economia portuguesa’
«O trabalho de João Leão é claramente um trabalho de continuidade em relação ao que tinha sido conduzido por Mário Centeno, marcado não só pelo cumprimento das imposições de Bruxelas, mas pela tentativa de ultrapassar os objetivos definidos pela União Europeia em relação ao défice». A opinião é de Nuno Teles.

O economista reconhece que esta foi uma «política bem sucedida» graças à recuperação da economia portuguesa desde 2015 (boom turístico e imobiliário), ao ambiente de baixa das taxas de juro e, sobretudo, através de investimento público quase inexistente. «Procurou-se ser o ‘aluno’ bem comportado no curto prazo, comprometendo a capacidade produtiva e dos serviços públicos. Apostou-se num modelo de crescimento e atuação do Estado que ampliou as vulnerabilidade da economia portuguesa».

No seu entender, essas vulnerabilidades ficaram claras com o impacto económico da pandemia em Portugal, um dos países europeus onde a quebra do PIB foi mais profunda. «A continuidade política de João Leão à frente do Ministério das Finanças agravou a vulnerabilidade da economia portuguesa». 

E face à crise e ao inevitável aumento do défice público, Nuno Teles dá cartão vermelho ao caminho seguido pelo Executivo. «O Governo optou por uma estratégia de aumento de gastos puramente emergencial (saúde e layoff), abstendo-se de intervir como motor do investimento, ao contrário do que aconteceu em países, como a Alemanha», acrescentando que «em nome do controlo dos gastos públicos, optou-se por uma estratégia de ‘segurar’ a economia através do diferimento e aumento do endividamento privado na economia, quer de famílias, quer de empresas, através das moratórias e das garantias públicas de crédito».

O economista lamenta que a esperança esteja agora centrada nos fundos do Plano de Recuperação e Resiliência. «Espera-se que os fundos PRR, que tardam em chegar, sejam suficientes para recuperar o investimento, o que manifestamente não parece ser o caso dada a gravidade da crise em Portugal e as perspetivas pessimistas em relação aos motores recentes do crescimento». 

Por conseguinte, a estratégia do Governo de limitar o défice público com o menor investimento público da zona Euro parece-lhe muito arriscada. «O fim das medidas de apoio, como as moratórias associado ao aumento do endividamento privado e uma recuperação lenta pode traduzir-se num efeito dominó de crédito malparado, falências e desemprego. Em tal cenário, o objetivo de redução do défice será inalcançável».

Bagão Félix: ‘Leão não tem a força política dentro do Executivo que Centeno alcançou’
Bagão Félix acredita que não há «diferenças substanciais» entre as linhas de Mário Centeno e as de João Leão, «exceto de estilo e de gestão mediática, em que Centeno estava bem mais à vontade do que Leão agora». No entanto, reconhece que pessoalmente gosta de uma maneira de estar mais contida, que no seu entender deve ser própria dos ministros das Finanças. «Acresce que, Leão não tem a força política dentro do Executivo que Centeno alcançou», refere ao Nascer do SOL.

O economista reconhece, no entanto, que a pandemia e o seu prolongamento veio agravar as condições do défice e da dívida. «Há um indicador preocupante, qual seja o da ‘avalanche’ de entradas de mais funcionários públicos, o que rigidifica ainda mais a gestão orçamental e torna o modelo menos sustentável. Diz-se que estão a entrar mais pessoas por causa da pandemia. Pura falácia. Salvo alguns setores muito específicos – como, por exemplo, áreas determinadas do SNS – a principal razão advém da diminuição injustificada de horário de trabalho na função pública, da responsabilidade de Centeno». 

E não tem dúvidas em relação ao desafio do ministro: «Saber reduzir o peso do Estado onde ele não é preciso e até é contraproducente, bem como a necessidade de, ainda que lentamente, reduzir a enormíssima carga fiscal para o nosso nível de desenvolvimento».

No entanto, Bagão Félix aponta para entraves: considera que não há condições para avançar com reformas substantivas, nomeadamente na área da justiça, segurança social, educação, entre outros. «Um Governo que, à sua esquerda, tem partidos que, para deixar sobreviver um Executivo minoritário, o prendem a um imobilismo anti-reformador e impedem a criação de condições para uma economia competitiva e sustentada. Ou seja, vamos assistir cada vez mais a uma mera gestão de poder e uma navegação em ziguezague e à vista, que o dinheiro fresco da Europa vai esconder». 

Susana Peralta: ‘Faz uma gestão orçamental difícil de compreender nesta altura’
Susana Peralta lembra que Mário Centeno já enfrentava a pandemia, quando houve a transição de pasta. A economista não hesita: «João Leão é uma continuidade quase simbiótica de Mário Centeno porque eram de uma equipa muito coesa. Era mais ou menos evidente que Mário Centeno saiu do Ministério, ficando João Leão no lugar dele era para ser seguida uma política de continuidade. Até porque ele secretário de Estado do Orçamento, era a pessoa das contas».

Peralta não se mostra surpreendida com o caminho que foi seguida e garante que não sabe qual seria a estratégia a ser seguida pelo atual governador do Banco de Portugal, ainda assim admite que «deveria ter feito mais ou menos a mesma coisa que João Leão». No entanto, faz uma ressalva: «Quando Mário Centeno saiu havia uma mensagem bastante positiva quanto à retoma. Claro que, durante o período de confinamento, as pessoas pouparam bastante, depois quando desconfinaram quiseram consumir». E chama a atenção para facto de uma parte substancial das pessoas ter escapado à crise.

A economista acha que, durante esta fase de pandemia, João Leão está excessivamente preocupado com a gestão do défice – a única exceção deu-se quando foi preciso salvar a TAP, e aí houve dinheiro. «Há uma gestão de não abrir muito os cordões à bolsa, de ir mantendo as coisas em lume brando, mantendo alguns apoios curtos em setores muito afetados, como a cultura, restauração, alojamento». 

E alerta: «Isso é reflexo da gestão de João Leão, que é de tentar poupar sempre dinheiro. Há um problema social enorme, as pessoas não estão a trabalhar porque dissemos-lhes para não trabalhar e o ministro mantém-se nessa linha muito dura de poupança», refere ao Nascer do SOL. 

Uma decisão que leva a economista a dar cartão vermelho ao ministro. «Teria sido necessário reforçar os apoios de todas as pessoas que não estão abrangidas pelo layoff, que são muitas. E mesmo essas tiveram uma quebra de rendimento porque houve horas extraordinárias, complementos, etc., que não foram pagos Sem falar de uma margem enorme do mercado de trabalho que não é abrangido por este sistema que foram as pessoas com a contrato a prazo que não foram renovados, assim como os prestadores de serviços. É uma gestão orçamental que é um bocadinho difícil de a pessoa compreender no meio de uma crise destas que entretanto se prolongou, que já dura há um ano e meio e não vemos fim à vista». 

Em relação ao futuro, Susana Peralta aponta alguns desafios. Um deles diz respeito às moratórias. «Já Mário Centeno veio dizer que as moratórias não se vão poder prolongar e tem toda a razão, defendendo que é preciso mais apoios à economia, o que curiosamente como ministro não implementou. Isso é um problema que vai começar a surgir». Por outro lado, defende que é preciso resistir à tentação de salvar todas empresas: há que evitar criar zombies. «É evidente que decidir não salvar algumas empresas implica sempre ajudar as pessoas que estão nessas empresas. E este problemas das moratórias não é desligado desta gestão mais cuidadosa que é a gestão com a marca Centeno/Leão», conclui.

João Duque: ‘Estaria com remorsos de ver tanta gente com tantas necessidades e carências’
«A execução está completamente fora do Orçamento de Estado que foi aprovado. Não mudou grande coisa. Se olharmos para 2020 podemos sempre descartar metade da responsabilidade. Mas não nos podemos esquecer que o ministro desperdiçou totalmente o acréscimo da despesa que foi autorizado a fazer nesse ano para fazer face à pandemia». A garantia é dada ao Nascer do SOL por João Duque. 

O economista lembra que o nível de despesa foi inferior, mesmo depois de ter um Orçamento retificado, o que mostra que João Leão gastou menos do que estava previsto no documento inicial aprovado. «Houve uma sobra face ao Orçamento do Estado inicial que foi aumentado em cinco mil milhões de euros, mas que não foi preciso para nada. Ou seja, gastou menos do que estava previsto num Orçamento feito sem pandemia», aponta. A única diferença disse respeito à receita arrecada, menor do que estava previsto.

«Mais uma vez, cortaram no investimento, que poderia ser de nove mil milhões para fazerem obras de construção, recuperação de estradas, obras essas que não estavam sujeitas a um confinamento. Acho isto inacreditável, pior que isto só o ano de 2014, em que se gastaram 77%. Mas em ternos nominais nunca houve uma diferença tão grande em termos de orçamento executado e de orçamento aprovado na área do investimento público, em que se traduziu numa poupança de 1.450 milhões e estamos a falar de obras que fazem falta», acrescenta.

Quanto aos apoios, João Duque também aponta o dedo ao garantir que houve várias verbas que foram prometidas, mas que não chegaram a ser executadas. «Há muito milhão que foi tirado para o ar e depois não se fez nada. Estaria com remorsos de ver tanta gente com tantas necessidades e carências, principalmente depois ter executado muito menos obra que devia».

Em relação ao futuro, o economista tem dúvidas: «Como é que vamos ser uma economia mais competitiva, mais positiva», questiona, lembrando que «essa é que é a grande questão», mas acredita que o Governo não tem resposta para isso. «Vão vivendo o dia-a-dia».

Também reticente está em relação à ‘bazuca’ ao garantir que essa verba foi a que podia ter sido gasta no ano passado e não foi executada. «Estavam autorizados a gastar e ficaram com uma ‘bazuca’ de 14.000 milhões para investir e não o fizeram e a agora falam em bazuca? Nos últimos exercícios de 2017, 2018, 2019 e 2020, Portugal deixou de fazer aquilo que estava autorizado. Portugal deixou de executar em orçamento e investimento 5.600 milhões de euros e isso é mais de um terço da bazuca. Podiam ter bazucado à brava», refere.

E garante: «Não se fizeram novas estradas, não se fizeram novas pontes, não se fizeram ferrovias, não se fizeram novos aeroportos. Ou seja, não se fez praticamente nada. E mesmo assim gastou-se sete mil milhões em investimento. Então agora com 16 mil milhões vão mudar Portugal? Estamos a brincar com quem?», questiona.