António Mendonça: “A Ordem não pode ser um clube. Tem de se ampliar”

O candidato, membro número 85, garante que ‘ou a Ordem encontra uma forma de se relacionar e de se ampliar no seio dos economistas ou então é melhor fechar as portas’. O ex-ministro lamenta a ausência da Ordem dos Economistas durante a pandemia e defende uma representação ao mais alto nível. 

É candidato à Ordem dos Economistas. Quando decidiu avançar?

Ao contrário de outras Ordens, o Bastonário tem a sua profissão. Eu sou professor. É a primeira vez que há duas listas e isso foi provocado por nós, porque fomos os primeiros a manifestar a intenção de apresentar uma lista. E no seguimento de anunciarmos a nossa pretensão é que depois surgiu outra lista candidata à Ordem dos Economistas. A nossa lista é feita de baixo para cima: começou nas delegações regionais. Por  boas e também más razões, até agora não houve verdadeiramente um debate sério sobre as opções estratégicas e, pela primeira vez, isso está a acontecer.   

Fala em mudar a Ordem…

Procuramos condensar no lema: Mudar a Ordem, Prestigiar os economistas, servir o país em relação aquilo que consideramos ser o papel de uma Ordem. Tem de se relacionar com os economistas,  é fundamental. A Ordem existe para ser uma expressão organizada de uma classe profissional que hoje em dia é muito diversificada – temos dos macro economistas, aos economistas de empresa, aos especialistas em questões financeiras, etc. – e a Ordem tem de saber lidar com essa diversidade.

Esse é o primeiro grande desafio que é o saber relacionar-se com os economistas, fazer com eles se valorizem do ponto de vista profissional, que sejam reconhecidos pela sociedade e que a sociedade reconheça que ser economista não é algo que esteja ao alcance de qualquer pessoa.

Tem que ser uma pessoa com formação, com competência, com exigência, com sentido ético no exercício das suas responsabilidades e a Ordem tem um papel muito importante nesse relacionamento dos economistas com a sociedade, no sentido de colocarem as suas competências ao serviço da sociedade. O país confronta-se com desafios muito importantes, para os quais os economistas são chamados a dar uma resposta.

Como todos sabemos tivemos uma sessão de acontecimentos económicos muito negativos, começaram com a crise de 2008/2009 e quando ainda não estava totalmente superada surgiu a crise ligada à covid-19 e agora o país tem pela frente um desafio imenso que é o de recuperação económica. 

O crescimento económico tem sido anémico…

Há duas/três décadas que temos um crescimento medíocre, divergimos com a União Europeia e temos desafios não só de recuperação económica, mas também de alteração de bases estruturais que permitam ao país recuperar uma trajetória sustentada de convergência com a Europa.

E os economistas têm aqui um papel importante a vários níveis: quer no exercício efetivo das suas diferentes responsabilidades, mas também têm um papel muito importante, no sentido de acompanhar aquilo que são os planos do Governo, da própria zona Euro, no sentido de ter uma palavra a dizer sobre o que está a ser feito, se são projetos com impacto positivo e de monitorizar o desenvolvimento desses projetos. A Ordem e os economistas têm um papel insubstituível nesta matéria.

Ao darem sugestões para o crescimento da economia…

Os economistas individualmente têm manifestado a sua diversidade de opiniões, mas a Ordem enquanto instituição também tem a obrigação de mobilizar os economistas para tomar uma decisão. E isso é importante para os Governos, às vezes, há uma certa desconfiança dos Governos relativamente ao papel das Ordens, mas não tem de haver.

Até pelo contrário, as instituições da sociedade civil – particularmente como a nossa que agrupa  especialistas – devem ter um papel muito importante, não substituindo nenhum Governo, mas no sentido de propor, de discutir e se for caso disso de criticar. Isso não significa qualquer sobreposição relativamente às competências dos órgãos de soberania, mas representa um elemento adicional que pode ser utilizado para encontrar as melhores soluções para os nossos problemas que são bastantes e que se prologam no tempo. 

Que problemas é que identifica?

Naturalmente enquanto economista tenho a minha opinião, enquanto Bastonário tenho de ter a preocupação de exprimir o que acham os economistas, num sentido mais amplo. Mas julgo que há um consenso relativamente a duas questões: em primeiro lugar, que o país tem tido dificuldades em assegurar uma trajetória sustentável de crescimento por várias razões: de natureza fundamentalmente estrutural e, neste caso, é importante encontrar soluções e é aqui que entram os economistas na sua diversidade.

Queremos mobilizar os economistas nas suas diferentes referências e nas suas diferentes formações e fazê-los convergir não apenas para a análise, para o diagnostico que, em muitos casos já está mais do que feito, mas encontrar as melhores soluções para dar resposta a esses problemas. Há uma grande convergência relativamente à sua identificação, mas do ponto de vista da operacionalização e de pôr em prática as medidas, muitas vezes, há problemas, há recuos e sobretudo há ausência de coerência estratégica do país.

Em segundo lugar, precisamos de coerência estratégia e de atuar em conformidade. É inadmissível que venham os Governos e ponham sistematicamente em causa aquilo que os Governos anteriores programaram, como também é inadmissível que dentro do próprio partido que tem responsabilidades governamentais quando muda o ministro também mudam as opções e as orientações.

É a tal previsibilidade que se pede…

Exatamente e em vários níveis. Um dos paradigmas da incapacidade estratégica do país diz respeito à questão do aeroporto. Há 60 anos que se anda a discutir onde é que se vai situar o aeroporto. Não podemos estar décadas à espera de resolver questões fundamentais porque isso significa depois décadas de manutenção das debilidades estruturais que, muitas vezes, são difíceis de recuperar porque entretanto os outros não páram.    

E a Ordem poderá ter uma palavra a dizer em relação à aplicação da bazuca?

Pode e deve. No nosso programa um dos objetivos é a criação de um observatório de recuperação económica e de sustentabilidade, em que a preocupação é de acompanhar o desenvolvimento do PRR, monitorizar e ter um conjunto de iniciativas que permitam acompanhar.

Por outro lado, vamos reivindicar a participação institucional nos órgãos que acompanham esse plano, à semelhança do que já acontece, em que a Ordem participa, direta ou indiretamente, em outros organismos a nível consultivo. Julgo que a Ordem deve ter uma representação ao mais alto nível, em termos das estruturas que vão acompanhar o desenvolvimento e a aplicação do PRR. 

No sentido da vigilância…

Vigilância no sentido positivo para dar contributo e adicionar elementos que possam ser positivos para o país. 

E em relação ao seu projeto para a Ordem?

Quero pôr o foco na relação da Ordem com os economistas, porque é importante que os economistas sintam e tenham a perceção que a Ordem é importante para eles do ponto de vista profissional e da sua valorização profissional. Isso também é condição da afirmação do seu prestígio: estar na Ordem é um fator de prestígio para as economistas, à semelhança do que existe nas outras.

Temos um défice nessa relação, por exemplo, em 2010 atingimos um pico, em que tivemos o máximo de membros e, a partir daí, temos visto não só a nossa influência, mas também  o número de membros a diminuir. Penso que em parte, isso é o resultado dessa dificuldade dos economistas de percecionarem a importância da Ordem, tanto que não é obrigatório pertencerem.

Daí dizer no programa que não se pode resumir ao pagamento de uma quota…

Exatamente. Vamos dar muita importância à parte profissional, vamos apostar na criação de oportunidades de emprego através de plataformas diversificadas para, sobretudo os mais jovens, possam aceder a ofertas de emprego. Vamos mobilizar também os colégios de especialidade porque estão mais orientados para as responsabilidades mais específicas dos economistas e mobilizá-los para estabelecerem relações com as entidades reguladoras das profissões, principalmente aquela que intervém com os economistas, no sentido de criar condições privilegiadas.

Vamos também dar uma grande atenção ao acompanhamento da vida profissional dos economistas, particularmente dos mais jovens. Temos também a proposta de um gabinete, de um grupo de trabalho de acompanhamento de inserção profissional dos jovens economistas. Há outro aspeto e que reivindicamos a originalidade que é uma atenção à igualdade do género.

Hoje felizmente as mulheres têm conseguido afirmar-se, não apenas na economia mas também em outras profissões, mas quando chegamos ao exercício das responsabilidades mais de topo começa a haver uma discriminação.

Há outro aspeto que defendemos que é o acompanhamento profissional dos economistas e que está relacionado com a transição de carreira que normalmente acontece nos 40/50 anos, em que as pessoas por uma razão ou por outra têm de mudar de carreira e temos de dar atenção a essa mudança através de criação de um grupo específico que permita avaliar essas situações e ajudar a encontrar oportunidades para essas transições, até a nível internacional.

Queremos também fazer uma plataforma internacional até porque queremos aproveitar relações importantes que temos com organizações congéneres a nível internacional. Está nos nossos estatutos mas é importante pôr em prática: ter esta preocupação de ativamente procurar dar resposta a estes interesses mais do ponto de vista profissional porque se os economistas se sentirem bem profissionalmente também podem dar maior contributo ao país.

E se houver mais dinamismo económico também os economistas beneficiam disso, na medida que têm mais oportunidades de trabalho e de aplicar as suas competências. Sou do tempo em que os economistas eram uma espécie de aves raras e hoje em dia há uma panóplia imensa de economistas. Todos os anos há duas ou mais de dezenas de milhares de licenciados por ano. Há aqui um potencial imenso e atração para o Ordem que está a ser desperdiçado. 

Quantos membros tem atualmente a Ordem?

As estatísticas apontam para cerca de 10 mil membros ativos. Mas em termos de votantes são cerca de 7.800 porque para ser votante é preciso ter a quota do ano anterior paga. E há um conjunto de pessoas com  quota em atraso. Mas é um número que não nos pode deixar satisfeitos.

É um número reduzido tendo em conta o número de economistas…

Por isso é que fazemos questão de dizer que é preciso mudar a Ordem. Aliás, uma das razões que nos levou a apresentar esta candidatura é a constatação que chegámos a um momento decisivo: ou a Ordem encontra uma forma de se relacionar e de se ampliar no seio dos seus economistas ou então é melhor fechar as portas.

Tem dito que o país precisa de economistas e da Ordem dos economistas…

Se olharmos para aquilo que foram os últimos dois anos em Portugal na sequência da covid ouviu falar a Ordem dos Médicos, dos Enfermeiros, etc.– claro que estavam relacionados com isso – mas poderia ter aparecido mais a Ordem dos Economistas para dar sugestões, analisando, criticando relativamente aquilo que foram as opções económicas. 

Tanto que a atividade económica parou…

A Ordem deveria ter estado permanentemente a falar sobre isso. Temos que virar a Ordem para fora. Esse também é outro grande desafio. Isso é fundamental até para os próprios economistas. 

Outra prioridade diz respeito á realização do Congresso dos economistas que já teve grande peso, mas que nos últimos anos tem estado adormecido…

Posso-lhe dizer que foi no Congresso dos Economistas que se realizou na Madeira que fui convidado para integrar no Governo. Foi uma surpresa, estava com o telefone desligado e até foi Murteira Nabo, na altura, Bastonário da Ordem. que me levou o telefone a dizer que era da Presidência do Conselho de Ministros e que queriam falar comigo. Foi aí que recebi o convite.

A Ordem dos economistas e o Congresso dos Economistas que chegou a ter largas centenas ou até milhares de participações foi muito importante, quer a nível interno, quer  externo, mas deixou de ser. Está marcado o Congresso dos Economistas para 23 de novembro, curiosamente a meia dúzia de dias antes das eleições, mas na prática é uma conferência com gente muito respeitável, mas em ano de eleições em que vamos ter que definir e discutir o futuro da Ordem não faz sentido não haver no congresso a discussão de opções, por  exemplo, das diferenças listas para que possam apresentar aquilo que têm a dizer aos economistas. Acho que é uma loucura muito grande.

Outra coisa que queremos reafirmar quando dizemos ‘Mudar a Ordem’ é mudar o funcionamento interno, optando por uma maior aproximação relativamente aos membros, mas também para existir uma maior integração entre direção nacional e as direções regionais, no sentido de uma descentralização, autonomia e responsabilização das delegações regionais. Isso é essencial para uma Ordem que se quer afirmar no país.   

É fundamental para o tal ‘projeto para o futuro’?

É importante que os nossos colegas percebam isso que estamos num momento crítico para o futuro da Ordem. Está neste momento em curso a alteração da legislação relativamente ao funcionamento das Ordens e provavelmente veem aí medidas que podem até não ser propriamente do interesse da Ordem. Vamos ter a oportunidade de estudar em detalhe a legislação e teremos oportunidade de nos pronunciarmos, espero ainda durante a campanha eleitoral, sobre isso.

Mas independentemente das alterações legislativas estamos numa fase crítica e ou os economistas e a Ordem dos Economistas percebem que têm de arrepiar caminho e encontrar formas de se afirmar perante a classe e afirmar a classe perante a sociedade ou mais vale irmos todos para casa. Chegámos a uma situação crítica e os membros têm de se mobilizar para alterar o funcionamento da Ordem aos mais diferentes níveis. 

Destaca também o relacionamento institucional. Se tiver uma Ordem organizada e com mais membros terá mais peso…

Claro. Uma coisa é falar com o Governo tendo 10 mil sócios, outra coisa é falar com o Governo tendo 20 mil. E quem diz Governo diz outras instituições. Há opções, admito que se possa querer que a Ordem seja um clube e, portanto ser uma organização que aqui e acolá possa dar uma opinião.

Mas acho que uma Ordem profissional que agrupa uma classe profissional tão importante como os economistas tem obrigação e tem o dever perante os economistas e sobretudo perante o país ser algo mais: interveniente, influente e ativa. É isso que propomos para a Ordem.

Como vê a candidatura de Pedro Reis? Conta com apoios de pesos pesados…

Não sei a que se refere em relação aos pesos pesados. Em primeiro lugar, o meu respeito e a minha consideração pelos colegas que integram a outra lista quer tenham entrado mais recentemente ou mais antigamente na Ordem. É de elogiar a disponibilidade e espero que tenhamos oportunidade de ter um diálogo interessante e discutir as questões, principalmente se forem discutidas perante os economistas e a sociedade. A nossa abertura de disponibilidade é total.

Relativamente aos apoios compete aos economistas avaliar, mas acho que os nossos elementos são pessoas com peso e com grande qualidade. Na direção contamos com pessoas que exerceram até agora responsabilidades nas delegações regionais. Ou seja, já demos o nosso contributo aos economistas com a nossa atividade e isso é importante que fique reconhecido.

Por outro lado, é uma lista que tem lastro, fomos buscar pessoas que construíram a Ordem. É o caso de Manuela Morgado, Murteira Nabo, António Rebelo de Sousa, entre outros. É uma lista diversa do ponto de vista da formação, mas também do ponto de vista das referências teóricas. Cada um tem as suas referências teóricas, metodológicas e até ideológicas, mas uma Ordem dos Economistas tem de ser pluralista e tem de convergir essa diversidade de forma positiva para construir propostas.

Seguramente no caso de termos sermos os escolhidos pelos nossos colegas, muitos dos que estão integrados na outra lista serão convidados a participar, a integrar – naturalmente também vão estar em alguns órgãos pelos métodos de Hondt – mas serão convidados nas suas competências a participar porque são economistas, são nossos colegas e o facto de estarmos agora em listas divergentes não significa que não haja respeito e consideração mútua.