Está o caldo entornado entre o secretário de Estado Adjunto e da Justiça, o Departamento Central de Investigação e Ação Penal (DCIAP) e os representantes sindicais do Ministério Público (MP).
Após as queixas de Albano Pinto, diretor do DCIAP, proferidas num encontro em Lisboa sobre criminalidade tributária e aduaneira, o secretário de Estado Adjunto e da Justiça, Mário Belo Morgado, usou no sábado a sua página no Facebook para apontar o dedo aos “habituais queixumes de setores sindicais e de responsáveis por estruturas redundantes que consomem muitos recursos e (no seu conjunto) produzem insuficientemente”.
Não tardou até que se alçassem vozes em crítica ao secretário de Estado. Uma delas foi a de Adão Carvalho, presidente do Sindicato dos Magistrados do Ministério Público (SMMP), que assinou um artigo de opinião na revista Visão, depois de ter alinhado com Albano Pinto nas queixas ao Governo.
“Será que o Sr. Secretário de Estado considera o DCIAP, o departamento que investiga a mais grave e lesiva criminalidade económico-financeira, relacionada com a corrupção, a evasão fiscal, o desvio de fundos europeus, o terrorismo, o branqueamento de capitais, uma estrutura redundante?”, questionou.
Ao i, o presidente do SMMP reforçou as questões do artigo em causa, dizendo não considerar “aceitável” que “um responsável do Ministério da Justiça, perante a crítica do Diretor do DCIAP, recorra a uma rede social para atacar quem exige mais meios, quando o que deveria ter feito era convocar o mesmo e tentar perceber o que estava em causa”.
“Para além disso, apresenta uma conceção do MP manifestamente desconforme ao nosso sistema processual penal, uma vez que o MP pode e deve dirigir as investigações e fazer diligências e não limitar-se a carimbar a atuação das polícias”, continuou Adão Carvalho, que formulou ainda um desejo: “No futuro, o que desejamos é que o Ministério da Justiça repense a postura atual e tente colmatar as falhas de meios, reunindo com os responsáveis do MP e dando sinais inequívocos que o plano estratégico contra a corrupção é para tornar efetivo e não apenas uma intenção.”
Também Manuel Soares, presidente da Associação Sindical de Juízes Portugueses, usou as redes sociais, no sábado, para comentar as palavras do secretário de Estado. “Se a estrutura redundante é o DCIAP e a certa figura o seu Diretor, não acho aceitável, seja sob que prisma for, que um governante responsável na área da justiça se refira assim a instituições e pessoas”, defendeu Soares, que, contactado pelo i, preferiu não comentar o assunto.
Porém, no domingo, o secretário de Estado regressou à sua conta pessoal do Facebook para fazer um esclarecimento relativo à crítica formulada no dia anterior. “Na arquitetura das organizações rege um princípio fundamental: os níveis/patamares hierárquicos, organizativos e de funcionamento devem ser reduzidos ao máximo, em especial num país com a dimensão do nosso”, começou por explicar o secretário de Estado, que definiu a “razão de ser” do DCIAP como sendo “indiscutível”.
“Para quem quis ler na minha anterior publicação que o DCIAP (que é um departamento central/nacional cuja razão de ser é indiscutível) seria uma estrutura redundante, explicita-se que, naturalmente, é nos patamares intermédios que deteto as redundâncias”, esclareceu Mário Belo Morgado.
Um esclarecimento, no entanto, “pouco convincente” para Adão Carvalho, “até porque no contexto do DCIAP nem existem estruturas intermédias, uma vez que é um departamento constituído na orgânica da PGR e o Diretor do DCIAP apenas responde perante a PGR”, argumentou o presidente do SMMP.
Recorde-se que Albano Pinto, diretor do DCIAP, se queixou da falta de investimento nessa mesma instituição, criticando o facto de, dos 270 milhões de euros da dita “bazuca” europeia destinados à Justiça, apenas um ter sido disponibilizado para o órgão que dirige. O responsável sublinhou, por exemplo, a falta crónica de peritos “informáticos” e “financeiros” – os ditos “queixumes” a que se referia Belo Morgado.
Fim do DCIAP? Adão Carvalho, no seu artigo de opinião, considerou que as afirmações do secretário de Estado, “mesmo que efetuadas numa rede social”, constituem um “grave e preocupante ataque por parte de um membro do Governo à autonomia do Ministério Público, demonstrando uma vontade firme de desmantelar um departamento que faz parte integrante da própria orgânica da Procuradoria-Geral da República e criado para a investigação da mais grave criminalidade económico-financeira”.
“O Governo apregoa que é seu propósito firme combater a corrupção, mas na prática não só não reforça o investimento nos meios necessários no combate a tal criminalidade, como até um alto responsável do mesmo afirma que é redundante a existência no Ministério Público de um departamento com competência específica na prevenção e na investigação dos crimes de corrupção”, continuou Adão Carvalho. Em tom irónico, questionou se o Governo incluirá, na sua estratégia de combate à corrupção, “acabar com o principal departamento do Ministério Público que investiga a criminalidade que se quer combater ou limitar ao máximo a sua atuação”.
O presidente do SMMP foi mais longe nas suas críticas, acreditando não ser “minimamente credível” que o Executivo tenha “vontade governativa de combater a corrupção” ao mesmo tempo que mantém “como secretário de Estado alguém que faz afirmações desta natureza e que não respeita a autonomia do Ministério Público”.
Bastonário reage Quem também se insurgiu sobre o assunto foi Luís Menezes Leitão, bastonário da Ordem dos Advogados. Em artigo de opinião publicado nesta edição do i, chama a atenção para a falta de “investimento no combate à corrupção em Portugal”, que, aponta, está “clamorosamente a falhar”.
Menezes Leitão aponta o dedo ainda ao Governo, dizendo que está a “atirar areia para os olhos das pessoas com propostas de alterações legislativas que prejudicam esse combate”.
Redes sociais ou ringues? A troca de acusações entre Mário Belo Morgado e Manuel Soares aconteceu através das redes sociais, que cada vez se perfilam mais como os espaços prediletos de altas figuras políticas e governamentais do país (e não só) para atirarem acusações ou manifestarem o seu descontentamento.
Recorde-se, por exemplo, o caso da troca de comentários entre Maria das Dores Meira, antiga presidente da Câmara Municipal de Setúbal, e João Costa, secretário de Estado Adjunto da Educação, que aconteceu quase exclusivamente através da rede social Facebook, onde autarca e secretário de Estado, cada um na sua página pessoal, mantiveram uma discussão acesa.
As redes sociais tornaram-se, assim, em espaços de acusação. Recupere-se, a título de exemplo, a crítica feita por João Galamba, Secretário de Estado da Energia ao programa Sexta às 9, que definiu como sendo uma “coisa asquerosa” e “estrume”.
E o que não falta são casos de tweets e posts polémicos por parte de figuras políticas, como foi, recentemente, o caso de José Magalhães, antigo secretário de estado da Justiça, que declarou: “E quando revelar que gosta de uma certa casa de Bruxelas onde se pratica bondage e S&M? A onda de chicotadas vai inundar as redes?”, em comentário à partilha, pela jornalista Rita Marrafa de Carvalho, de uma notícia referente à entrevista em que o social-democrata Paulo Rangel se assumiu publicamente como homossexual. O comentário, conforme a leitura de vários internautas, terá tido como alvo Rangel, mas Magalhães apressou-se a desmentir esta teoria, garantindo que se tratava de “uma extrapolação virtual hipotética sem destinatário”.