PS vs PSD: O PS “muito à esquerda” e as propostas “muitíssimo perigosas” do PSD para a Justiça

O futuro do país passa por António Costa ou por Rui Rio. Os candidatos enfrentaram-se num debate decisivo, onde Costa admitiu vir a governar o país ‘diploma a diploma’ e Rio alertou para a possibilidade de o poder cair nas mãos de Pedro Nuno Santos. 

PS vs PSD: O PS “muito à esquerda” e as propostas “muitíssimo perigosas” do PSD para a Justiça

O único debate entre António Costa e Rui Rio antes das eleições legislativas antecipadas de 30 de janeiro realizou-se esta quinta-feira. O confronto, que pode ser decisivo, teve a duração de cerca 75 minutos, e nele falou-se de Saúde, Fiscalidade, Justiça e um dos temas mais quentes do momento: a TAP.

O líder do PSD foi o primeiro a falar e começou por ser confrontado com as críticas internas por não representar a oposição. A essas críticas, Rio respondeu com a pandemia, mas recusa não ter apresentado “alternativas”.

“Perante a pandemia obviamente abrandámos a oposição. Não estou nada arrependido”, disse. “Agora, não é verdade que não tenhamos apresentado diversas propostas alternativas (…) Obviamente que temos alternativas. Mas fazemos oposição civilizada”, disse.

Apontando os “falhanços” do Governo socialista, Rio respondeu que estes se concentraram a “nível da economia” e ao “nível dos serviços públicos”, nomeadamente no Serviço Nacional de Saúde (SNS).

Já António Costa não perdeu tempo e iniciou a sua intervenção no debate referindo que “o país neste momento precisava de tudo menos desta crise política”. Ao falar sobre Rio, Costa considerou que o presidente do PSD se preocupa “muito com os números” e isso torna-o “menos sensível às pessoas”. 

O líder do PSD não gostou, e retorquiu, garantindo que a culpa da crise política foi "responsabilidade do PS", considerando que Costa não tem "condições para reeditar" a 'geringonça'. Rio foi mais longe e disse que com uma eventual derrota do PS, e consequente saída de António Costa, o que deixaria espaço para Pedro Nuno Santos chegar ao poder, "teremos o Bloco de Esquerda no Governo, que é ainda pior".

“António Costa não tem condições de reeditar a ‘geringonça’ mesmo que seja o mais votado. Vai dar o quê? O que é que faz? Talvez saia e vamos ter outro primeiro-ministro e tudo indica que venha a ser Pedro Nuno Santos”, disse.

Costa, por sua vez, garantiu que não irá virar as costas aos portugueses e 'pisca o olho' ao PAN. Isto depois de admitir vir a governar 'diploma a diploma', referindo o Governo de António Guterres em que esteve incluído. 

“Se Rui Rio ganhar, só posso ter uma leitura, os portugueses rejeitaram a minha ação por isso arrumo os meus papéis e entregarei a chave a Rui Rio (…) E se não tiver a maioria absoluta não viro as costas aos portugueses. Irei conversar com os partidos na Assembleia da República", indicou.

“A geringonça não é possível mas não conhecemos os resultados nas eleições, não esqueço que um partido, o PAN, não contribui para esta crise”, disse. "Desde que não perca as eleições cá estou para encontrar uma boa solução de Governo”, assegurou.

Fiscalidade

As convergências entre os dois líderes chegaram quanto à descida do IRS, mas a descida do IRC levou a uma troca de acusações. 

“Se olharmos à governação do país desde 1995, verificamos que há uma degradação dos rácios todos. Temos de fazer diferente. Um dos aspetos nucleares é a carga fiscal. Temos de mudar o modelo. Temos de apostar nas exportações e no investimento e só depois distribuir a riqueza”, atacou Rio, referindo que é necessário" tratar das empresas" já que "são elas que criam emprego". Como? Com um "empurrão no sentido positivo". "Se eu quisesse ganhar as eleições mais rapidamente fazia o contrário, mas o contrário seria persistir nos erros do PS", atacou ainda o líder do PSD.

Em resposta, Costa defendeu ter conseguido que as empresas poupassem mais de 3 mil milhões de euros da taxa de IRC, e que “entre o fim da sobretaxa, o desdobramento dos escalões e o aumento das deduções, as famílias pouparam nestes seis anos 6.772 milhões de euros”.

Mas Rui Rio não se deixou ficar, e recuou no tempo, recordando o percurso de Costa como primeiro-ministro e como ministro dos Governos de António Guterres e José Sócrates. “Toda esta linha que foi seguida, que deu os resultados que conhecemos, é a linha que vai continuar”, acusou, augurando: “As coisas vão continuar na mesma. Portugal vai continuar a cair."

Economia e Salário Mínimo Nacional

Costa acusou Rio de 'incoerência', dizendo que o líder do PSD "já aumentou a vontade em 30% de aumentar a dívida publica”, depois de em dois anos ter perdido "metade da vontade de reduzir impostos". E Rio retorquiu: “Sabe o que aconteceu nos últimos dois anos? Tivemos uma pandemia. Não era sério se viesse dizer a mesma coisa.” 

Pelo caminho, o líder do PSD foi questionado sobre o Salário Mínimo Nacional – o mesmo cujo aumento Costa acusou Rio de não ter apoiado – e não houve mudanças na resposta: aumentar o Salário Mínimo por decreto, ignorando o aumento do salário médio, é um 'erro' e uma 'política económica insustentável'. 

“Se for primeiro-ministro haverá aumentos, tendo em conta a inflação e os ganhos de produtividade e mais um bocadinho em sede de concertação social”, garantiu Rio, acrescentando ao debate outra crítica à governação socialista: “A mediana dos salários é 900 euros. É a segunda pior mediana da Europa. Pior do que nós só a Bulgária. É este o país que nós queremos?"

Em resposta, e questionado sobre se será ou não possível chegar ao Salário Mínimo nos 900 euros até 2026 – como o PS propõe – o primeiro-ministro não hesita em garantir que "“há um consenso, incluindo dos empresários, que é preciso aumentar salário", assumindo que  “o Estado deve ajudar com medidas fiscais”.

Por esta altura, a temperatura no Capitólio, em Lisboa, começou a subir, quando Rui Rio ironizou as propostas de António Costa, e o facto de o PM recorrer várias vezes à cópia da proposta de OE2022 que tem em mãos. “A seguir à descoberta do caminho para a Índia deve ser a coisa mais importante do país", disse Rio.

Função pública

Houve ainda espaço no debate para falar sobre a Função Pública, com Costa a garantir que a massa salarial na Administração Pública este ano vai subir 3%, e, de seguida, está previsto o fim do congelamento das progressões.

Em resposta, Rio acusou o decréscimo na qualidade dos serviços públicos, e garantiu o aumento do salário dos funcionários públicos… num certo enquadramento. “Temos de otimizar os recursos. Há mais funcionários públicos e os serviços públicos estão cada vez piores. Os serviços públicos têm-se degradado com o PS", disse, antes de afirmar: “Garantimos um aumento à taxa de inflação e aquilo que resulta da progressão das carreiras.”

Saúde

Da Função Pública para a Saúde, Rio começou por defender a visão de que o Estado deve garantir que, em situações em que não seja possível atender os pacientes no SNS, estes possam ter acesso às consultas de especialidade e a cirurgia. E mais, sobre a questão dos médicos de família, o líder do PSD disse que "para o imediato, um médico assistente para responder à ausência de um médico de família" é a proposta, afirmando "até ao final da legislatura, garantir que o maior número de portugueses tem médico de família”. Pelo meio, aproveitou para atirar uma farpa ao PM: “Médico de família é promessa não cumprida de Costa."

O primeiro-ministro afastou a hipótese de "atirar a toalha ao chão" e acusou Rio de estar a sugerir que o Estado usasse os seus recursos para financiar o setor privado da saúde. E aproveitou para lançar alguns números: “No ano passado tivemos mais 2 606 cirurgias nos hospitais do SNS do que em 2019, mais consultas hospitalares e mais de 3 milhões de consultas nos cuidados de saúde primários do que em 2019”.

E Rio não poupou: "António Costa diz que eu sou só números, só números… Quem debita números é António Costa.”

Sobre o papel do setor privado e do público na saúde, Rio respondeu: “Sou defensor de um SNS e de uma Segurança Social no Público. Coisa diferente é eu ter tabus ideológicos. Agora, têm de ganhar os dois. Não vou esperar que o privado entre para perder e tenho de conseguir o melhor para o Estado.”

Mas Costa não hesitou em lançar uma farpa, e acusou o PSD de querer que a "classe média passe a pagar os cuidados de saúde", falando sobre a revisão constitucional sugerida por Rio.

Sobre o tema, o líder do PSD afirmou que o SNS está a falhar na resposta aos portugueses e Costa não gostou do que ouviu. “Pode falar do SNS depois do que os nosso compatriotas fizeram durante por nós?! Por amor de Deus”, interrompeu o primeiro-ministro. Fez-se um momento breve de silêncio no debate, Rio sorriu e retorquiu: “Não vale a pena fazer teatro.”

Costa, no entanto, continuou com as críticas, acusando Rio de “bravata ideológica” e de “preconceito ideológico”. “Está a dizer que a classe média será tratada de forma diferente no SNS”, acusou.

Justiça

De tema em tema, o debate chegou à Justiça, e Rio não poupou neste tema: “A capacidade que a Justiça tem para responder aos desafios país é fraquíssima. Conhecemos a morosidade da Justiça. Conhecemos os julgamentos populares. Conhecemos a alta corrupção. Temos prescrições permanentes. O retrato da Justiça é mau, e é mau não reconhecermos que ele é mau."

Por sua vez, Costa acusou Rio de propor "um programa para a Justiça muito perigoso", e de procurar "subordinar o Ministério Público". Pelo meio, no entanto, Costa admitiu ser necessária uma reforma da justiça administrativa e fiscal.

 “Devemos garantir que a justiça não está sujeita ao controlo do poder político”, defendeu Costa, pegando nas propostas de Rio de impor que o Conselho Superior de Magistratura tenha uma maioria de não magistrados, bem como a criação de um provedor do utente. Ou seja, resumiu o PM, “o poder político passa a nomear um fiscal sobre a atuação dos tribunais”.

Em resposta, Rio limitou-se a acusar António Costa de vender "populismo", e não se acanhou em comparar a declaração do PM às intervenções de André Ventura, líder do Chega. “André Ventura era capaz de não fazer uma intervenção muito diferente”, atacou.

“O CSMP não controla as sentenças. O que dizemos é uma coisa muito simples: não deve haver uma maioria de magistrados. Tem tendência para o corporativismo. Precisamos de transparência”, esclareceu o líder do PSD.

Mas Costa não se mostrou convencido, e retorquiu: "Vou falar devagar para ver se todos percebem porque admito que Rui Rio tenha uma desvantagem comparativa comigo nesta matéria", disse, explicando que é "entendimento em todas as instâncias internacionais que garantir a independência dos órgãos de gestão da magistratura é fundamental para garantir a independência dos magistrados”.

TAP

Eis que, chegando aos minutos finais do debate, um dos temas quentes no país chegou à mesa: a TAP. 3200 milhões de euros aprovados por Bruxelas que serão injetados na companhia, e que fizeram subir a temperatura neste frente-a-frente.

"A TAP é revoltante", disparou Rui Rio, antes de acusar a companhia de servir de forma 'indecente' o aeroporto de Lisboa, para além de não servir os restantes aeroportos e regiões do país.

Mais, o líder do PSD serviu-se de um exemplo prático, comparando uma viagem entre Madrid e São Francisco, com escala em Lisboa. Para um espanhol, argumentou Rio, a viagem custaria 190 euros, mas para um português que embarcasse em Lisboa, a mesma custaria 697 euros. “Isto é revoltante. É admíssivel? É gravíssimo. É para isto que os portugueses estão a dar dinheiro", atacou, garantindo que, chegando a primeiro-ministro, venderia a TAP assim que possível. "A TAP é companhia bandeira, mas é de Espanha ou de outro país qualquer", disparou ainda o líder do PSD.

Quando questionado sobre o que aconteceria se fosse necessário injetar mais dinheiro na TAP, mesmo depois da injeção de 3.200 milhões de euros, Costa garantiu que "não há razões para plano da TAP falhar". Já sobre a compra da TAP aquando da sua chegada ao Governo, o PM garante que foi o Governo a 'salvar' a companhia, porque "o privado que lá estava não merecia confiança”. 

A acabar o debate, e contra os avisos dos moderadores de que estaria a exceder o tempo disponível, António Costa acusou Rui Rio de fazer "uma malandrice habitual". Entenda-se, disse Costa, "procurar diluir os resultados nos últimos seis anos da governação falando na média do PIB nos últimos 15 anos". “O senhor é economista e não precisava de recorrer a estas malandrices para reconhecer o óbvio que é que hoje o país está a crescer mais”, concluiu António Costa, que fechou o debate com mais um minuto de tempo de antena que Rui Rio.

Notícia atualizada pelas 22h55