Sérgio Palma Brito: ‘TAP: um compromisso medíocre com a realidade’

Para Sérgio Palma Brito ‘sem tráfego de hub, a TAP não é viável’ e acredita que, em Lisboa, ‘a TAP não terá nova concorrência até à abertura do aeroporto do Montijo – provavelmente em 2028 -, o que é mau para o país’.

Para o autor do livro TAP que futuro? Como chégamos aqui?, a decisão da Comissão Europeia ‘é filha de um Governo estatizante, de um ministro com ideologia de extrema-esquerda e de uma Comissária e Direção Geral incapazes de se impor à pressão política’. E deixa vários alertas e aponta para muitos riscos.

A Comissão publicou finalmente a decisão de 21 de dezembro sobre a TAP, expurgada da informação confidencial. Como avalia esta decisão?

Começo pelo que é decisivo para o futuro da TAP, além do que a Comissão Europeia e Governo possam decidir. Sem tráfego de hub, a TAP não é viável e o aeroporto Humberto Delgado satisfaz o tráfego associado ao turismo nacional. A revisão do acordo de empresa só terá sucesso se for fruto de conflito social intenso que conduza a um acordo histórico entre o acionista e os sindicatos. Sem consolidação adequada em grupo internacional, a TAP não é viável no mercado único europeu. Em Lisboa, a TAP não terá nova concorrência até à abertura do aeroporto do Montijo – provavelmente em 2028 -, o que é mau para o país. Estes serão os maiores desafios para o tripé acionista Estado, gestão e trabalhadores na sua relação com os clientes (mercado). 

A sujeição da independência da Direção Geral, da comissária da Concorrência e da Comissão à política é patente no processo da Alitalia. Nesta linha, a decisão sobre a TAP é o compromisso medíocre com a realidade que previ na entrevista ao Nascer do SOL em setembro. 

E em relação ao hub?

É positivo constatar que a TAP ‘tenciona concentrar cada vez mais as operações no hub do aeroporto de Lisboa’. E a decisão põe pressão na ‘redução das rotas que geram perdas e nas com pouco valor na alimentação do hub. Isto implica a ausência de rotas políticas e dos voos internacionais de alegada ‘coesão territorial’ à partida de Porto, Faro e Funchal. É positivo que o ministro já reconheça esta realidade e que a CEO tenha ido ao Porto falar verdade e não num fantasioso segundo hub. Na avaliação do hub, um turista gera quatro passageiros para TAP e ANA. Mas a maior parte destes turistas passa só pelo aeroporto e tem reduzido contributo para a economia da cidade e país. O problema é a TAP ser ou não competitiva nas rotas Brasil, Estados Unidos e Canadá. Sem o tráfego intercontinental de hub, a TAP não é viável, o aeroporto de Lisboa perde valor e o país uma oportunidade. A competitividade do hub e seu valor para a cidade e o país ganham com a atração de empresas e negócios com base intercontinental, tirando partido das rotas do hub e gerando tráfego de negócios. Esta tem de passar a ser prioridade para Governo e câmara municipal. 

E quanto ao acordo de empresa?

A redução de custos é o principal fator de produtividade de uma companhia de aviação e o que mais depende da gestão. Os custos com pessoal estão na primeira linha desta redução, com atenção ao staff de contacto. Nestes meses, a TAP tem descurado a qualidade do contacto com os clientes insatisfeitos. São momentos de verdade (Jan Carlzon, CEO da SAS) que, convenientemente tratados, acabam por fidelizar o cliente. Ignorados afetam a reputação (imagem de marca) da empresa. Os ‘acordos de emergência’ deixaram intacto o que Vital Moreira designou de condomínio entre Estado e sindicatos na gestão da TAP. A produtividade depende mais dos custos do atual Acordo de Empresa e menos dos salários.

O aumento de produtividade do fator trabalho na TAP exige um novo acordo de empresa, que consagre a transformação da companhia estatizada em transportadora aérea europeia competitiva. Congéneres estrangeiras passaram por processo com padrão fixado por Willie Walsh na AerLingus, British Airways e Iberia: intenso conflito laboral a culminar em acordo entre acionista e sindicatos, caminho para o sucesso daquelas empresas. O ponto fraco da TAP e ameaça para o futuro é a política estatizante do Governo e a ideologia do ministro. O ministro tem feito progressos na sua aproximação à realidade, mas receio que não seja capaz de aguentar esta inevitável greve saneadora do ‘condomínio’ de que fala Vital Moreira. 

E sobre o novo investidor?

No auxílio de Estado de 1994, o Governo reconhece que a TAP, mesmo reestruturada e financiada, não tem massa crítica para sobreviver no mercado único europeu. E assume o compromisso de privatizar a empresa a partir de 1997, compromisso que o Governo PS respeita. Na ausência de similar visão estratégica, o acionista Estado faz ziguezagues. Em junho de 2019 inicia a hostilização dos ‘privados’, o que acaba por expulsar da TAP, de novo nacionalizada. Em novembro de 2020, reconhece que ‘É muito difícil a uma companhia aérea sozinha sobreviver no mundo global da aviação’. E ‘não excluímos que no futuro a TAP procure alianças’. Algo paradoxalmente, a política continua a ser nacionalizar a TAP e o ‘novo investidor’ só surge no plano de reestruturação como tática para a ‘contribuição própria’ da TAP. Em 23 de dezembro de 2021, Pedro Nuno Santos afirmou que: «A discussão sobre uma venda ou não deve ser assumida politicamente. Consideramos que a TAP deve integrar-se num grupo de aviação, isso já é alguma coisa, mais do que isso é fragilizar uma futura negociação da TAP». Na minha opinião, a companhia aérea ‘não tem massa crítica para sobreviver no mercado único europeu’ e a opção estratégica forte de a privatizar a 80% está limitada – ou impossibilitada – pela política estatizante do Governo e da ideologia do ministro.

A Ryanair tem falado de limitação à concorrência no aeroporto de Lisboa…

A Comissão confirma que severos constrangimentos de capacidade no aeroporto de Lisboa são uma barreira à entrada ou expansão das concorrentes da TAP durante o período do plano, o que vai durar, pelo menos, até 2028, se o projeto do aeroporto do Montijo avançar. A cedência de slots é insignificante. A realidade é a TAP continuar a estar protegida da concorrência no aeroporto de Lisboa. As afirmações da Ryanair, neste processo ou em público, exigem investigação pela entidade reguladora, a ANAC, mas são estéreis. Este caso e a Comissão ignorar as propostas da Euro Atlantic têm origem comum. A origem é este e outros governos darem prioridade à TAP quando a prioridade para o país é a acessibilidade aérea competitiva para a qual a TAP contribui, mas que depende sobretudo de companhias estrangeiras. A olhar para poente não vemos nascer o Sol.

Porque diz que a Comissão Europeu decidiu um compromisso medíocre com a realidade?

A Comissão Europeia exclui respeitar o Market Economy Operator Principle que consiste em avaliar se um investidor privado operando em condições normais do mercado faria o mesmo investimento, o que levaria a considerar ilegal os 3.200 milhões e a insolvência da TAP. E exclui com base na política pública do Governo português de, por um lado, garantir a conectividade aeroportuária em Portugal e, por outro, evitar as repercussões da insolvência da TAP Air Portugal para a economia do país. Tomada esta decisão, ideologia e política sobrepõem-se à racionalidade de agentes económicos no mercado único de 1992 e liberalização de 1993. E chegamos ao compromisso político medíocre e muito pior.

Como assim?

O texto da decisão sobre ‘conectividade aeroportuária em Portugal’ é confuso e apenas considera o aeroporto de Lisboa e não de Portugal. Em Lisboa há voos ponto a ponto das low-cost, facilmente substituíveis, e de companhias de hub da Europa e Médio Oriente. E há o hub intercontinental da TAP mais as rotas ponto a ponto que o alimentam. O hub é importante para a TAP e o aeroporto de Lisboa, menos para o país, mas extrapolar Lisboa para Portugal não corresponde à realidade.

Daí dizer que diz muito sobre a economia do país…

Este ponto exige bolinha vermelha no écran. Sabemos que o Governo justifica a importância da TAP para a economia com argumentos colados com cuspo e que chumbariam um estudante do primeiro ano de economia e não com estudo isento por escola de economia de primeira linha. Apesar de ter havido uma «investigação aprofundada», a Comissão aceita a posição do Governo e não exige estudo, simples de fazer por escola de Economia de primeira linha. A isto chamo favor político. 

E sobre o turismo?

O que interessa ao país é o ‘turismo recetor’ de não residentes em Portugal que gera a receita de viagens e turismo na balança de pagamentos. E não o ‘turismo emissor’ de residentes em Portugal a deslocar-se ao estrangeiro que gera despesa na referida balança. Cito a decisão: «A TAP decisiva e significativamente apoia o crescimento de uma das mais relevantes atividades económicas para o país, o turismo». Isto é delírio. A TAP foi é e será insignificante em Faro e não contribuiu para o extraordinário crescimento do aeroporto do Porto. Na Madeira perde importância e nos Açores foram a Ryanair e a easyJet que tiraram o turismo da pacatez. Em Lisboa a TAP representará cerca de 25% do turismo recetor no aeroporto. É grave que a ‘investigação aprofundada’ da Direção-Geral da Concorrência tenha ignorado esta realidade, claramente quantificada por INE e Eurostat. O ‘compromisso medíocre com a realidade’ é demasiado brando para este nível de cegueira. A decisão é filha de um Governo estatizante, de um ministro com ideologia de extrema-esquerda e de uma comissária e Direção-Geral incapazes de se impor à pressão política. Não honram o legado de Carl van Miert, vice-presidente da Comissão (1993/99) e responsável pela política da concorrência. Segundo o The Guardian, ‘One of the most powerful men in Europe’, é capaz de se impor aos EUA. A regulação europeia do transporte aéreo (1992/93) está concebida para empresas ligeiras, ágeis e rápidas a adaptar-se às exigências do mercado, como só são as empresas privadas. Uma empresa nacionalizada e com políticas (não orientações estratégicas) incompatíveis com o mercado único europeu está fragilizada à partida. Quem viver, verá.