Marcelo abre brechas no PS

O discurso do PR na tomada de posse do novo Governo estragou os planos de António Costa de aproveitar a maioria absoluta para consolidar a unidade no PS e preparar a sua própria sucessão com tranquilidade. Os descontentes com as escolhas do PM já preparam as baionetas.

por Joana Mourão Carvalho e José Miguel Pires

As relações entre Marcelo Rebelo de Sousa e António Costa já tiveram melhores dias. Muito melhores. O discurso do Presidente na tomada de posse do novo Governo abalou a estratégia delienada por António Costa para o novo ciclo, de maioria absoluta e de unidade no PS, e de preparação da sua própria sucessão no partido com tranquilidade e sem sobressaltos – daí, aliás, a opção por Mariana Vieira da Silva como número dois do Executivo e a  chamada de todos os putativos candidatos à liderança a cargos ministeriais, de Pedro Nuno Santos a Ana Catarina Mendes, passando por Fernando Medina.

Com efeito, Marcelo abriu brechas nesta programada paz institucionalizada no PS, abrindo a porta à possibilidade de uma crise política e de convocação de eleições antecipadas em 2024 – num cenário que, mesmo sendo afastado imediatamente por António Costa, não deixa de criar expectativas nas hostes do partido e particularmente naqueles que ficaram menos satisfeitos com as escolhas do primeiro-ministro.

Aliás, espelho disso mesmo é o facto de as relações entre o secretário-geral do PS e o presidente do partido nunca terem conhecido momentos tão tortuosos como os que se vivem agora.

António Costa e Carlos César cresceram juntos no PS, desde os tempos de estudantes, em que tiveram a direção da JS, e chegaram a trabalhar juntos no mesmo gabinete na sede do Largo do Rato.

No PS, não falta quem os compare a Dupond e Dupont, os famosos irmãos gémeos criados por Hergé, que não desalinhavam numa única palavra.

De facto, até ao verão de 2021, Costa e César estiveram sempre no mesmo lado da barricada, sempre na mesma trincheira, afinados pelo mesmo diapasão.

Mas, no Nascer do SOL do verão do ano passado, quando o segundo Governo de António Costa dava mostras de desgaste, com Eduardo Cabrita no centro de todas as miras e vários outros ministros fragilizados ou a pedirem a substituição, como foi o caso de Augusto Santos Silva, Carlos César chegou-se à frente defendendo que o Governo devia ter um vice-primeiro-ministro, que servisse de escudo ao líder e assegurasse a coordenação política, quer do Governo, quer do Governo com o partido e, nomeadamente, com o seu grupo parlamentar, para assegurar as maiorias necessárias no Parlamento, quer com os partidos da geringonça, quer com o PSD.

Costa fez orelhas moucas à proposta do amigo César, que trocara a ida para o Governo em 2015 para ficar na liderança da bancada parlamentar, mas que ficou ‘pendurado’ em 2019, e não havia quem apontasse que o seu apelo a António Costa para que criasse a figura de um vice-PM na orgânica do Governo tinha como destinatário último o próprio César.

Aliás, na formação do novo Governo após as eleições de janeiro último, em que o PS obteve maioria absoluta, chegou a correr nos bastidores que o lugar de número dois que António Costa reservou desde início para Mariana Vieira da Silva, ministra de Estado e da Presidência, poderia ser para o antigo presidente do Governo Regional dos Açores.

 

César ausente na comissão nacional de hoje à noite

Mas Carlos César voltou a ficar de fora e o lugar de segunda figura do Estado, sucessor de Ferro Rodrigues, foi entregue a Augusto Santos Silva, para compensar toda a dedicação manifestada pelo governante com mais tempo em funções de ministro desde o 25 de Abril.

Continuando a ter motorista e chefe de gabinete no Largo do Rato, César vai perdendo poder no aparelho socialista e a sua influência no partido vai-se reduzindo na exata medida da ascensão do filho, Francisco César, um apoiante de Pedro Nuno Santos  que desistiu das guerras no PS-Açores, dominado por Vasco Cordeiro, e optou por um lugar na direção da bancada do PS na Assembleia da República.

A insatisfação de Carlos César com as escolhas de António Costa para o seu novo Governo ficou evidente, por exemplo, na indisponibilidade para presidir à Comissão Nacional que deveria ter reunido no sábado passado.

A reunião  do órgão máximo dos socialistas entre congressos realiza-se hoje, para eleger novo secretário-geral adjunto e novos membros do secretariado, mas César não estará presente, já que se encontra em Cabo Verde, a representar o PS no Congresso do PAICV. Representação esta que inclui um jantar com o Presidente da República de Cabo Verde, José Maria Neves.

No novo Executivo, os Açores não têm um único representante, nem como secretário de Estado, sendo que no Governo anterior havia pelo menos um ministro açoriano, o ministro do Mar, Ricardo Serrão Santos. Mas o descontentamento interno com as escolhas de António Costa para o novo ciclo não se fica pelo arquipélago açoriano.

 

Nem um governante abaixo do distrito de Setúbal

Há várias federações distritais – particularmente em círculos eleitorais onde o partido obteve resultados históricos nas legislativas de janeiro passado – em que o mal estar é manifesto.

A distrital de Bragança, liderada por Jorge Gomes, é um desses casos.

Bem como a de Viseu, o até aqui chamado ‘Cavaquistão’, onde o PS ganhou pela primeira vez, sob a batuta de João Azevedo, que acabou por ficar de fora do elenco governativo e relegado para um lugar de deputado.

E abaixo de Setúbal – além dos ‘manos’ Mendes (a agora ministra adjunta e dos Assuntos Parlamentares Ana Catarina e o renomeado secretário de Estado dos Assuntos Fiscais António Mendonça) –  não há também um único membro do Governo: nem de Portalegre, nem de Évora ou Beja (o secretário nacional para a Organização Pedro do Carmo, que chegou a ser falado como possível secretário de Estado da Agricultura, também acabou por ficar de fora), nem sequer do Algarve (também a antiga secretária de Estado da saúde Jamila Madeira e o seu marido, presidente da federação de Faro, Luís Graça, não figuram no novo elenco governativo).

Não há, pelo menos para já, sinal de revolta, mas o incómodo é latente e Carlos César poderá polarizar todos esses descontentamentos, particularmente depois de ter vincado a sua ausência na presidência à Comissão Nacional, órgão máximo do partido entre Congressos.

Isto sendo que há eleições para as direções concelhias e distritais lá para depois do verão e as movimentações no aparelho partidário já começaram.