O ministro das Finanças, Fernando Medina, nomeou António Furtado, antigo diretor municipal do património da Câmara Municipal de Lisboa, para a presidência executiva da Estamo, a empresa pública responsável pela gestão do património imobiliário do Estado – avaliado em cerca de mil milhões de euros. A nomeação ocorreu no início deste mês de julho e foi noticiada pelo Jornal Económico.
António Furtado, além de ter dirigido o património da CML, e por inerência ter sido também vogal do conselho de administração da SRU (Sociedade de Reabilitação Urbana da CML), ocupava o cargo de diretor municipal para a Economia, Inovação e Comunicação na Câmara Municipal de Almada, por requisição da presidente da autarquia, a socialista Inês de Medeiros, reeleita em setembro de 2021.
O despacho de cessação da comissão de serviço em Almada data de 7 de julho, ou seja, nas vésperas de António Furtado ter sido nomeado para a presidência da sociedade gestora do património do Estado (Estamo).
Fernando Medina chama assim a colaborar novamente consigo um seu ex-diretor do tempo em que exerceu funções como presidente da Câmara de Lisboa.
Acontece que o agora presidente executivo da Estamo foi apanhado nas escutas da Policía Judiciária (PJ) no âmbito do inquérito-crime que corre no Departamento De Investigação e Ação Penal (DIAP) de Lisboa e que envolve altos dirigentes da Câmara de Lisboa, como o ex-verador Manuel Salgado ou o seu sucessor no pelouro do Urbanismo, Ricardo Veludo, por alegado envolvimento numa rede suspeita da prática de crimes de corrupção e tráfico de influências, como noticiou o Correio da Manhã em setembro de 2021.
O jornal e televisão do grupo Cofina revelaram que António Furtado também foi alvo de escutas por parte da PJ no âmbito desta investigação.
E o Nascer do SOL sabe que ainda muito recentemente o MP promoveu novas diligências junto da Câmara de Lisboa para recolha de informação no âmbito deste inquérito.
Questionado pelo Nascer do SOL sobre o atual estado desta investigação, o Ministério Público não deu qualquer resposta até à hora de fecho desta edição, tal como o Ministério das Finanças não respondeu às questões formuladas pelo nosso jornal.
Já António Furtado garantiu ao Nascer do SOL que não é arguido nem nunca foi ouvido neste processo nem em qualquer outro.
«Com exceção do dia em que foram realizadas diligências na Câmara Municipal de Lisboa (abril de 2021), nunca fui contactado pelas autoridades competentes a tal propósito», respondeu por escrito António Furtado, acrescentando que nunca foi «constituído arguido neste ou em qualquer outro processo, nem nunca foi sequer solicitada participação em qualquer diligência».
Assim sendo, António Furtado considera não existir qualquer motivo para se considerar inibido de desempenhar as funções para as quais foi agora nomeado: «Se em consciência entendesse não ter, no plano jurídico ou meramente ético, condições para exercer as funções que atualmente ocupo, certamente não teria aceitado o convite que para o efeito me foi dirigido».
Os terrenos da Feira Popular
Segundo o Correio da Manhã, as suspeitas que recaem sobre António Furtado estão ligadas a uma investigação ao projeto da Operação Integrada de Entrecampos, que se debruça sobre os terrenos da antiga Feira Popular de Lisboa.
Nessa investigação, segundo o CM, quem também foi apanhado pela PJ em escutas comprometedoras foi Ricardo Veludo, então vereador do Urbanismo na Câmara de Lisboa, nomeadamente prometendo prioridade aos processos relacionados com um grande promotor imobiliário, a Rockbuilding – Soluções Imobiliárias SA, cujo CEO era Almeida Guerra, e que, ainda segundo o CM, teria contactos privilegiados no departamento antes liderado pelo arquitecto Manuel Salgado. E foi nessas mesmas escutas a que o CM teve acesso que foi também apanhado o próprio António Furtado que, revelava o jornal, terá sido «permissivo» aos pedidos de Almeida Guerra nas suas relações com Manuel Salgado.
Falha também no TC
Esta não é, no entanto, a primeira vez que António Furtado se encontra numa polémica relacionada com a lei. Em 2018, foi um dos vários dirigentes da Câmara Municipal de Lisboa que, segundo o jornal Público, não apresentou qualquer declaração de rendimentos ao Tribunal Constitucional durante o tempo em que assumiu funções como diretor municipal de Gestão Patrimonial, no âmbito da lei de controlo público da riqueza dos titulares de cargos políticos. A última declaração, revelava o mesmo jornal diário, datava na altura (2018) de 1996, quando era vice-presidente do INATEL. Ao Nascer do SOL, António Furtado não hesitou em garantir que a situação já foi regularizada. «Tenho por cumpridas todas as obrigações legais a que me encontro sujeito», disse.
António Furtado exerceu ainda funções na EMEL e teve uma passagem não isenta de polémica pela administração do INATEL.
Na altura em que o MP promoveu buscas na Câmara de Lisboa, então presidida por Fernando Medina, o agora ministro das Finanças reiterou a sua confiança tanto no então vereador do Urbanismo, Ricardo Veludo, como no seu diretor municipal, António Furtado.
E, aliás, já o mesmo fizera em relação ao seu ‘vice’, Manuel Salgado, que só abandonou as funções que exercia no momento em que foi constituído arguido no âmbito de outro processo também relacionado com o exercício das funções camarárias em que estava investido.