Aquele abraço

Passos Coelho não foi o ‘autor’ da bancarrota – foi uma vítima da bancarrota. Depois de assumir a chefia do Governo – e enquanto foi primeiro-ministro – sofreu uma contestação brutal, como nunca se tinha visto antes. E o responsável pela situação, o Partido Socialista, agiu nesse processo de uma forma muito pouco séria. Lamentável, mesmo.

A presença de Pedro Passos Coelho na rentrée do PSD foi um acontecimento relevante. Não só pelo apoio dado ao novo líder, Luís Montenegro, mas sobretudo porque representa a reconciliação do partido com o seu passado recente.

Quando Passos Coelho deixou a liderança do PSD, há 7 anos, disse-lhe que o seu trabalho à frente do Governo haveria de ser mais tarde ou mais cedo reconhecido. Era uma questão de tempo. Ele mostrou-se cético. «Não sei… », foi a única coisa que disse.

Eu citei-lhe os casos de Mário Soares e Ernâni Lopes, que foram vilipendiados pela austeridade imposta em 1983-85, e cuja ação é hoje quase unanimemente elogiada. Nunca tive dúvidas de que o mesmo iria suceder com Passos Coelho. Por todas as razões.

Primeiro, porque não foi ele que criou a situação que conduziu à vinda da troika; segundo, porque não foi ele que chamou a troika; terceiro, porque não foi ele que negociou o memorando com a troika; quarto, porque, contra tudo e contra todos, conseguiu uma ‘saída limpa’.

Passos Coelho não foi o ‘autor’ da bancarrota – foi uma vítima da bancarrota. Depois de assumir a chefia do Governo – e enquanto foi primeiro-ministro – sofreu uma contestação brutal, como nunca se tinha visto antes. E o responsável pela situação, o Partido Socialista, agiu nesse processo de uma forma muito pouco séria. Lamentável, mesmo.

O PS, que tinha sido o criador do problema, só podia honestamente ter uma atitude: apoiar (ou, pelo menos, não obstaculizar) a política de austeridade. Contribuir para a estabilização financeira do país. Era o mínimo que podia fazer, depois dos anos negros de Sócrates que tinham levado à bancarrota. Mas não.

Não só se colocou na oposição, como começou a atacar a austeridade! Para isso inventou o argumento de que o Governo estava a ir «além da troika». O que tinha sido negociado com a troika estava muito bem, mas o ‘tirano’ Passos Coelho queria ir mais longe, impondo aos portugueses sacrifícios desnecessários. Ora, isto era uma patranha. Uma desonestidade.

Um expediente oportunista para o PS esconder as suas responsabilidades – e para poder fazer oposição num caso em que todas as culpas estavam do seu lado. É verdade que Passos Coelho afirmou um dia que o Governo queria ir «além da troika». Mas António José Seguro, o líder socialista, sabia muito bem o que isso significava.

Sabia o que Passos Coelho queria dizer:  que o Governo não se limitaria a seguir as imposições da troika, antes faria por sua própria iniciativa o que fosse necessário para sanear as finanças nacionais. Foi um grito de ‘orgulho nacional’. Mas Seguro, pouco honestamente, fez dessa frase a sua ‘bandeira’.

A justificação para fazer oposição. Mesmo percebendo que o Governo não estava a ir ‘além da troika’ – pelo contrário, ficava sempre ‘aquém da troika’, como os números revelavam –, insistiu no tema. E a ‘patranha’ perdurou até hoje.

Até porque Rui Rio, em lugar de defender o seu antecessor, achou que lhe era vantajoso demarcar-se dele. Que tinha interesse em não assumir a política seguida pelo Governo PSD/CDS entre 2011 e 2015. E, com isto, acabou por ‘confirmar’ a versão do PS.

Em vez de reivindicar o facto de um Governo liderado por um social-democrata ter conseguido uma ‘saída limpa’ de uma situação criada pelo PS, preferiu fingir-se envergonhado desse Governo. Luís Montenegro, agora, repôs a verdade, reconciliando o PSD com a sua história. E nem se pode dizer que tenha sido uma atitude corajosa: foi simplesmente uma atitude inteligente. Que lhe trará vantagens.

Até porque julgo que o país virá a seguir. Aliás, a vitória de Passos Coelho nas eleições de 2015, ‘roubada’ depois por António Costa, já foi um primeiro sinal desse reconhecimento.

Os líderes que ficam na História dos países não são os que prometem facilidades. Não são os que dão tudo o que os eleitores pedem. São, pelo contrário, os que têm coragem para impor sacrifícios em nome de objetivos superiores.

Assim aconteceu, como vimos, com Mário Soares e Ernâni Lopes. Assim aconteceu também, em Inglaterra, com Margaret Thatcher, a ‘dama de ferro’. Ninguém sabe o nome do homem que lhe sucedeu no cargo – mas todos conhecem o nome dela.

Saiu depois de criar um imposto, a poll-tax, que desencadeou uma contestação tão grande que o seu partido se amedrontou e a afastou do poder. Mas a História recuperou-a.

Com Pedro Passos Coelho, mais tarde ou mais cedo, acontecerá o mesmo. A reconciliação do seu partido com ele foi um grande passo nesse sentido.