Só prejuízos…

Estando o passivo da TAP em dólares, imaginam o trambolhão nos resultados que aí vem? As reservas de voos para o 4T22 também não estarão muito famosas, ao que consta, e a incógnita Brasil, enquanto destino lucrativo, a sair das eleições presidenciais aumenta todas as dúvidas.

1. Às vezes penso que estou a delirar quando ouço certas notícias, seja na rádio ou na televisão, tamanha a desfaçatez com que certas afirmações são proferidas, quiçá querendo fazer de nós todos parvos – e, se calhar, até conseguem tal o grau de indiferença generalizado perante o conteúdo profundamente triste de tais afirmações.

Assim, de repente, ocorrem-me duas dessas autênticas ‘boutades’ que ouvi esta semana: (i) a nossa ministra Mariana Vieira da Silva (MVS) proferindo, em tom mais leviano que leve, que a reconstrução da Serra da Estrela a vai deixar melhor do que estava; (ii) Christine Ourmières-Widener (CO-W), CEO da TAP, anunciando os resultados do 1.º semestre da TAP, um prejuízo de Eur 202,1 milhões, afinal «bem melhor que no ano passado e igualmente melhores que o Plano de Recuperação» (que todos continuamos a desconhecer).

A primeira reação a afirmações deste calibre é a de ‘sorrir’. Uma fração de segundo depois, esfregamo-nos e perguntamos ‘como é possível’? Sabemos (acreditamos) que a comunicação de MVS é estudada por grandes sábios de comunicação como são os profissionais assessores do Governo, pelo que causa estupefação ainda maior – não se dão conta da tragédia que foi arderem cerca de 25 mil hectares e a devastação que causou na biodiversidade e na economia local? Qual o pudor para, a partir de uma tragédia, se dizer aos portugueses ‘consolem-se porque vamos ter uma Serra bem melhor daqui a uns anos’? Que diabo, não se poderiam limitar a dizer que iremos reconstruir e, sobretudo, iremos prevenir que desgraças similares voltem a acontecer, dizendo o como?

Vamos à TAP, assunto demasiado mal resolvido desde uma nacionalização ideológica que os nossos impostos estarão a pagar largos anos, sem quaisquer certezas de sermos alguma vezes ressarcidos do dinheiro sem fim que já lá foi injetado. Bolas, um prejuízo de Eur 202,1 milhões é sempre um prejuízo enorme a ser coberto pelo erário público, mesmo com um EBIT Recorrente positivo de Eur 4,4 milhões! Quero lá saber se é melhor que o ano passado, queremos todos é saber como e quando terminará o pesadelo e se os resultados se irão inverter…

Claro que não será fácil garantir alguma coisa e, seguramente, CO-W sabe melhor que ninguém que o 3T22 não se afigura como famoso apesar do aumento inequívoco dos voos e foi prudente ao referir a incerteza que se avizinha até ao final do ano. O dólar atingiu e ultrapassou a paridade face ao Euro e atrevo-me a dizer que isso jamais terá sido previsto em qualquer plano entregue a Bruxelas…

Estando o passivo da TAP em dólares, imaginam o trambolhão nos resultados que aí vem? As reservas de voos para o 4T22 também não estarão muito famosas, ao que consta, e a incógnita Brasil, enquanto destino lucrativo, a sair das eleições presidenciais aumenta todas as dúvidas.

Sobre o ambiente de trabalho, a contestação laboral está em crescendo e parece generalizada. Referem-se promessas salariais não cumpridas, retorquindo a Administração com acordos firmados. Também se ouve que faltam aviões e houve alugueres perfeitamente escusados, talvez por falta de visão estratégica e apostas erradas.

Um dos exemplos será a aposta na carga que motivou a transformação de diversos aviões de passageiros para dar resposta a este novo vetor de negócio que seria altamente promissor, mas terá sido um flop, dado que se ouve que os mesmos aviões irão voltar a ser reconfigurados para passageiros (cada remodelação destas custará USD 1 milhão, por avião…).

Vamos lá ver como correm o 3T22 e 4T22. Há rotas a fechar, incertezas cambiais, destinos rentáveis com possíveis alterações políticas, todo um mundo de incógnitas para uma TAP sempre na corda bamba. Adicionalmente, com a apresentação dos resultados deste 1S22, ficámos a saber pelo seu CFO (Gonçalo Pires) das intenções de lançar uma linha de financiamento em 2023, no montante de Eur 700 milhões, para refinanciar dívida privada a vencer em 2023 e 2024, dado que as ajudas estatais se esgotarão no final deste ano, com mais uma injeção de EUR 990 milhões. 

Indiscutivelmente, os próximos trimestres (também incluo o 1T23 e o 2T23) tornam-se cruciais para o futuro da TAP que todos desejamos que seja uma empresa saudável. O mundo da aviação teve elevada turbulência durante a pandemia que geraram incertezas, mas também sabemos que a TAP continua a precisar de um rumo (visão estratégica) estável, sem alterações de gestores cada 18 meses e as reestruturações que se venham a fazer terão de ter por base esse rumo. De outra forma, antecipamos um fim que depois de tantos milhões enterrados, os portugueses não merecem.

2. Muito se fala na atual seca prolongada e, não raras vezes, ouvimos diversos municípios referirem a necessidade de ratear a água para consumo e, nalguns, até temos lido que já estarão a abastecer os seus munícipes com autotanques. Nos entretantos, (quase) ninguém se parece preocupar com a dimensão das perdas de água, quer ‘em alta’ quer ‘em baixa’, que atinge dimensões surpreendentes.

A ERSAR (Entidade Reguladora dos Serviços de Água e Resíduos) publica anualmente um Relatório que deveria estar nos holofotes da comunicação social, tal a importância da informação nele contida. Neste caso concreto das perdas de água, é muitíssimo interessante e completa a informação disponibilizada, já tendo sido publicado este ano o Relatório, com a informação de 2020.

Para terem uma ideia, irei apenas reproduzir os seguintes valores, referentes a Portugal Continental: (i) ‘em alta’, perderam-se 21,4 milhões m3 no ano, ou seja 5,8 m3/dia (5,5 m3/dia em 2019); (ii) ‘em baixa’, as perdas para densidade de ramais iguais a 20 km ou mais de rede foram 160,6 milhões de m3 no ano, ou seja 125 litros por ramal/dia (igual a 2019); (iii) ‘em baixa’ para densidade de ramais inferiores a 20 km de rede, foram 5,3 milhões de m3 no ano, ou seja 2,6 m3 por km/dia (3,0 em 2019). Contas feitas: 187 mil milhões de litros por ano (188 MM em 2019).

Alguma dúvida que valeria a pena investir nesta área, tamanhos os prejuízos? Os números constantes nesses relatórios são tão altos, não se vislumbrando quaisquer melhorias significativas na evolução dos seus rácios que, de imediato, temos de fazer a seguinte pergunta: qual o nível de investimento feito pelas entidades distribuidoras de água e pelos municípios para se diminuir visivelmente as perdas contabilizadas?