Nova lei da contratação pública limita concorrência

Ordem dos Arquitetos chumba alterações e já apresentou alternativas. Também o presidente da Associação dos Industriais da Construção alerta para riscos. Corrupção é outro receio.

Por Daniela Soares Ferreira e Sónia Peres Pinto

O Governo aprovou, em julho, a alteração  ao Código dos Contratos Públicos. A ‘ameaça’ era antiga, mas só agora é que se concretizou, apesar dos alertas feitos, no que diz respeito aos riscos face a estas modificações de que podiam abrir portas à corrupção. Uma dessas vozes críticas tinha sido a Tribunal de Contas (TdC), que, em 2020, já tinha falado nos receios de distorção de concorrência, na possibilidades de conluio e até de corrupção. 

Agora com com as alterações feitas, a entidade liderada por José Tavares disse apenas ao Nascer do SOL: «O Tribunal de Contas emitiu um parecer sobre o projeto de diploma. Recorda-se que o Decreto-Lei n.º109 E/2021, de 9 de dezembro, criou o Mecanismo Nacional Anticorrupção e estabeleceu o regime geral de prevenção da corrupção, onde se prevê no seu artigo 16.º, que as entidades públicas devem favorecer a concorrência de contratação pública».

Também a Ordem dos Arquitetos não tem poupado críticas. De acordo com o presidente Gonçalo Byrne, esta alteração introduz um novo artigo para as chamadas ‘empreitadas de conceção-construção’. E lembra que, este regime já está previsto no atual código para casos excecionais, mas o que está em cima da mesa é transformar este regime excecional em regra. «Passa ser aplicável em todo e qualquer tipo de obra, para todo e qualquer tipo de uso e é o próprio legislador quem anuncia a medida como eliminadora de dispêndios de tempo e recursos desnecessários por parte de quem contrata. E está no livre-arbítrio de quem contrata optar por este regime, não sendo estabelecidas quaisquer regras ou critérios mínimos que fundamentem esta escolha», explica. O arquiteto vai mais longe: É um modelo «avesso ao mercado e limitador da concorrência, a que o nosso tecido empresarial não tem capacidade de responder. Na prática, privilegiará as poucas empresas de construção portuguesas com capacidade instalada ou, muito provavelmente, as empresas de construção estrangeiras mais versadas na resposta a este tipo de modelos».

Quanto ao risco de corrupção, o presidente da Ordem dos Arquitetos diz que «se mantém» uma vez que «a solução apresentada é idêntica e é fortemente limitadora do acesso à encomenda de projeto, que é feita, assim, por via do empreiteiro». A isto, acresce que o modelo, «ao colocar os projetistas na dependência económica do empreiteiro, não garante a sua autonomia na defesa da qualidade da obra pública a que estão obrigados».

E face a esse cenário, Gonçalo Byrne defende ainda que «o Estado não se pode demitir da responsabilidade que assumiu de promover a qualidade de vida e o desenvolvimento harmonioso de todo o território nacional, e de figurar como exemplo de boas práticas ao nível da encomenda pública de edifícios e espaço público», daí ter apresentado uma série de propostas de alteração, por defender que o Conselho de Ministros «não teve em conta que a solução que apresenta se demite da sua necessária responsabilidade, enquanto dono de obra, no processo de construção de uma obra pública de qualidade, na qualidade das nossas cidades e paisagens e por isso acreditamos na recetividade às nossas propostas».

Ao Nascer do SOL, também o presidente da Associação dos Industriais da Construção Civil e Obras Públicas (AICCOPN), explica que o aspeto chave que é introduzido com esta alteração é «a generalização do recurso às empreitadas de conceção-construção em resultado da criação deste novo regime, o qual permite que as entidades adjudicantes de forma livre e sem necessidade de qualquer justificação assente em critérios objetivos ligados ao objeto do contrato a celebrar, possam recorrer a esta modalidade de empreitada».

De acordo com Manuel Reis Campos, esta alteração «é marcada pela ausência de caracterização técnica da aplicabilidade da modalidade de conceção-construção, pelo constitui o afastamento da regra atual, que só permite o recurso a essas empreitadas em casos excecionais devidamente fundamentados onde, designadamente, a tecnicidade da obra assim o exija».

Já em relação aos alertas em matéria de corrupção, a AICCOPN diz que «prendem-se com a necessidade de assegurar a concorrência efetiva, a igualdade e a transparência na contratação pública, o que manifestamente não acontece se o regime vier a ser consagrado nos precisos termos em que foi apresentado», acrescentando ainda que «esta alteração introduz limitações da concorrência, vedando a apresentação a concurso de empresas de construção devidamente habilitadas para a execução das obras, que não sejam dotadas de meios técnicos e humanos afetos à conceção (arquitetos, etc.), transfere o risco e a responsabilidade dos investimentos públicos para as empresas, e implica um aumento exponencial e desnecessário de recursos e custos adicionais associados». E dá como exemplo que cada um dos concorrentes «terá que suportar um elevado custo com a apresentação de uma proposta constituída pelo programa base, quando é certo que apenas um destes ganhará a obra e será adjudicatário».

E segundo o responsável, o alargamento da possibilidade de empreitadas de conceção-construção «não deve ser feito sem manter o caráter excecional desta figura, admitindo-se eventualmente a sua aplicação em procedimentos de formação de contratos de empreitada destinados aos programas de habitação no âmbito da concretização do PRR e com a salvaguarda de alguns aspetos que consideramos essenciais e que demos a conhecer ao Governo, como sejam: a obrigatoriedade da entidade adjudicante apresentar, para além do programa preliminar, o programa base, o estudo prévio, e um projeto base, sendo que ao adjudicatário apenas competirá a elaboração do projeto de execução; a obrigatoriedade do preço para a ‘elaboração do projeto de execução’ ser um item autónomo de entre os que integram o preço da proposta e ainda a obrigatoriedade do concorrente elencar a equipa técnica responsável pela elaboração do projeto de execução (interna ou externa)».