“Redução do poder de compra dos trabalhadores e dos pensionistas, aumento da pobreza, agravamento da situação da escola pública e do SNS, corte drástico no investimento público e aumento enorme das receitas de impostos” é esta a receita do Governo para conseguir o “milagre” da redução do défice e da dívida pública.
O alerta é de Eugénio Rosa, que lembra que o défice orçamental, entre 2021 e 2022, passa de 2,9% Produto Interno Bruto (PIB) para -1,9% do PIB e em 2023 para apenas -0,9% PIB. O cenário de queda repete-se na dívida pública que cai de 125,5% do PIB para 115%, entre 2021 e 2022, até chegar aos 110,8%, no próximo ano.
“Estas reduções são transformadas em grandes feitos, em autênticos “deuses”, a que o país e os portugueses deviam render-se. Querem ser vistos em Bruxelas como os campeões na União Europeia na redução do défice e da dívida”, diz o economista, afirmando que essa queda “tão elevada” é feita “em tempo curto e em plena crise”, o que no seu entender, irá ter consequências para o país e para os portugueses.
Na sua análise, esses números são obtidos à custa do aumento das receitas, nomeadamente impostos, em que a estimativa para este ano ultrapassa os valores estimados para este ano. E dá como exemplo o encaixe dos impostos diretos, que, na sua previsão, deveria rondar os 25 mil milhões de euros, quando na verdade irá ultrapassar os 28 mil milhões. O mesmo cenário repete-se com os impostos indiretos. A ideia seria entrar cerca de 29 mil milhões de euros nos cofres do Estado, mas deverá acabar o ano com mais de 30 mil milhões de euros.
Ao contrário do que se verifica ao nível da despesa, em que os valores praticamente se mantém inalterados entre os números inicialmente previstos e os que estão agora estimados. Em contrapartida, assiste-se a uma queda do valor estimado em matéria de investimento que deverá cair dos cerca de nove mil milhões de euros para perto de sete mil milhões de euros.
“O Governo estima que já, em 2022, a receita que tem como origem os impostos seja superior em 4456 milhões à inicialmente prevista no Orçamento do Estado de 2022. Apesar da inflação este ano (cerca de 8%) ser o dobro do que aquela que o Governo previa no Orçamento do Estado para 2022”, refere Eugénio Rosa, lembrando que o IRS (+969 milhões), IRC (+2280 milhões) e IVA (+1402 milhões) são os principais impulsionadores deste aumento.
Subidas que “atingem principalmente os trabalhadores e pensionistas, que constituem a esmagadora maioria da população. O aumento significativo do IRC (+2280 milhões), que resulta naturalmente de um crescimento significativo dos lucros de empresas, prova que muitas estão a lucrar com a crise causada pela guerra e pelas sanções”.
E acrescenta: “Se juntarmos a isto a redução do poder de compra dos pensionistas em 2022 (mesmo incluindo a meia pensão recebida em outubro) e que vão voltar a sofrer em 2023, mais todos os trabalhadores da Função Pública em 2023 que têm vindo a sofrer nos últimos anos, aliado ao corte brutal no investimento público fica-se com uma ideia clara da forma como o Governo está a conseguir reduzir o défice e a dívida e os seus custos para o país e para os portugueses. A pressa como é feita tem consequências mais graves porque é realizada num contexto de grave crise económica e social causada pela guerra e pelas sanções, que estão a ter consequências dramáticas na economia e na vida dos europeus, em que face mais visível é a escalada de preços que vai continuar”.
Fraco investimento dita degradação E os alertas não ficam por aqui. De acordo com o economista, “as despesas com pessoal praticamente não aumentaram em relação à prevista inicialmente (apenas +0,7%), embora a subida das remunerações que serviu no cálculo da despesa com pessoal em 2022 ter sido apenas +0,9% (comparando a inflação de 8% com subida das remunerações 0,9%, a perda de poder de compra dos trabalhadores da Função Pública, só em 2022, atinge -6,4%)”.
Já no investimento público verifica-se um corte significativo de 25,5% (-2.317 milhões) em relação ao previsto inicialmente.
“Se limitarmos a análise à administração central, ou seja, ao Estado, cuja responsabilidade é exclusivamente do Governo conclui-se que é nele que se verificam as suas causas. As despesas de pessoal do Estado, que representam 78% de todas as administrações públicas até serão inferiores em -0,7% às inicialmente previstas e o corte no investimento no Estado atinge 36,7% do inicialmente previsto, ou seja, um corte de 2128 milhões, que corresponde a 91,8% do corte do investimento verificado em todas as administrações públicas em 2022”, salienta.
Já o corte no investimento publico, de acordo com o economista, está muito abaixo do verificado na União Europeia – 2,6% do PIB português, enquanto a média europeia ronda os 3,2%, o “que determina uma profunda degradação dos equipamentos públicos (escolas, hospitais, transportes, etc.), o que acaba por desincentivar o investimento privado, contribuindo para fragilidade da economia portuguesa, para a baixa produtividade e para o reduzido crescimento económico que se tem verificado no nosso país, atirando Portugal para um crescente atraso”, denuncia.