De agnóstico a peregrino: as contradições de Moedas

Em 2016, afirmava-se ‘agnóstico convicto’. E não foi batizado. Agora, afirma que andou em romaria por Paris, nas Jornadas de 1997, mas já vivia na capital francesa desde 1993.

Numa altura em que Lisboa se prepara para receber a Jornada Mundial da Juventude (JMJ Lisboa 2023), o evento católico que trará  em agosto de 2023 à capital portuguesa o Papa Francisco, bem como, segundo se espera, mais de um milhão de visitantes do mundo inteiro, o presidente da autarquia, Carlos Moedas, visitou no passado mês de outubro a sede do Comité Organizador Local da JMJ Lisboa 2023.

Acompanhado pelo vice-presidente da Câmara de Lisboa, Filipe Anacoreta Correia, que tem o pelouro destas jornadas, e pela ex-vereadora Laurinda Alves, que renunciou ao cargo no final de outubro por motivos de saúde, e perante Dom Américo Aguiar, presidente da Fundação JMJ Lisboa 2023, e um grupo de jovens voluntários que tem estado a preparar o evento, Carlos Moedas afirmou que pretende «dar tudo», inclusive estadia, para que esteja tudo a postos em agosto do próximo ano e os peregrinos fiquem com uma «imagem fantástica de Lisboa».

Após um momento de oração, o presidente da Câmara de Lisboa revelou que já foi peregrino e que agora vai também abrir as portas de sua casa para acolher os jovens que vão visitar a cidade. «Eu vivi estas jornadas em Paris nos anos 90, e a pessoa que na altura nos acolheu hoje tem cinco filhos e telefonou-me a pedir para eu receber os filhos aqui em Lisboa», detalhou.

A Jornada Mundial da Juventude a que se referia realizou-se, em agosto de 1997, na capital francesa, local onde o Papa João Paulo II recebeu cerca de 1,2 milhões de jovens. Mas, por essa altura, o atual autarca lisboeta já se encontrava a viver em Paris há anos.

Com efeito, em 1993, quando tinha apenas 23 anos, candidatou-se ao programa Erasmus para concluir o último semestre do curso de Engenharia Civil na École Nationale des Ponts et Chaussées. De acordo com um perfil publicado pelo Notícias Magazine em maio de 2016, enquanto terminava os estudos ficou instalado num quarto da Casa de Portugal da Cité Internationale Universitaire, uma residência para estudantes universitários em Paris.

Contudo, a sua estadia por aquela cidade prolongou-se pelo menos até 1998. Nesse período de sensivelmente cinco anos, trabalhou na área de engenharia do grupo Suez Lyonnaise des Eaux como gestor de projetos. Pelo meio, ainda veio a Portugal fazer os quatro meses do serviço militar obrigatório. Mas passou predominantemente a sua vida entre 1993 e 1998 na capital francesa, tanto é que foi aí que conheceu a mulher, Céline Dora Judith Abecassis-Moedas, uma francesa judia sefardita com quem casou no ano de 2000 e que, atualmente, é professora associada nas áreas de Estratégia e Inovação da Universidade Católica de Lisboa.

«O tímido que não conseguia arranjar namorada no liceu meteu conversa com a loura gira numa prova de aptidão linguística, por causa do apelido dela, Abecassis, que poderia ter ligação a Portugal (não tem)», corrobora o Notícias Magazine.

Esta também não foi a única vez que o dirigente social-democrata relatou ter estado na Jornada Mundial da Juventude de Paris. «O principal desafio enquanto presidente da Câmara Municipal de Lisboa está na oportunidade de ser o presidente da Câmara numa altura em que Lisboa vai acolher a Jornada Mundial da Juventude. Jornadas que eu próprio conheci quando ainda era muito jovem ao participar no ano de 1997, em Paris — uma cidade tão grande! Guardei esta memória na minha cabeça e, portanto, quando me candidatei há um ano, confesso que pensei logo no privilégio que seria organizar este evento tão particular e que vai tão além da religião», contou em entrevista ao Vatican News, no mês passado. 

Se, ao contrário do que tem vindo a afirmar, em 1997 não era peregrino quando participou nas Jornadas de Paris, as suas declarações recentes tornam-se ainda mais peculiares, uma vez que até aqui Carlos Moedas sempre se afirmou agnóstico. Ora, para uma pessoa agnóstica, é impossível reconhecer a existência ou não de divindades, pois elas transcendem a realidade e a lógica. O princípio por excelência do agnosticismo é que a razão humana não possui capacidade de fundamentar racionalmente a existência de Deus.

Acresce que, além de agnóstico, o autarca social-democrata nem sequer é batizado, como escreve o Notícias Magazine: «Céline é judia, mas nunca passou pela cabeça de Carlos converter-se – tal como nunca quis batizar-se. O agnóstico convicto ainda agradece ao pai por isso.»

Apesar de as Jornadas serem abertas a quem não é crente, «obviamente que esta é uma Jornada católica», tal como o próprio já reconheceu. 

Aliás, Carlos Moedas foi ainda mais longe na defesa da liberdade religiosa: «Depois desta experiência — de uma pandemia e da experiência de uma guerra que diretamente também afeta as nossas famílias — uma vez mais fica claro que a religião é uma resposta importante. As religiões são uma resposta aos desafios da vida da Humanidade e não se pode apagar ou oprimir esta resposta», declarou o ‘agnóstico convicto’ ao Vatican News, na mesma entrevista onde teceu uma série de elogios ao Papa Francisco e ao cardeal Tolentino de Mendonça, que este ano foi nomeado  prefeito do novo Dicastério para a Cultura e a Educação do Vaticano e com quem visitou a Biblioteca do Vaticano, numa viagem até Roma depois de ter ganho as eleições em Lisboa, em 2021.

As recentes declarações do presidente da Câmara de Lisboa, no mínimo, levam a questionar se no entretanto se converteu ao catolicismo. 

O Nascer do SOL ainda tentou contactar Carlos Moedas para uma reação mas não obteve qualquer resposta.
Agendado para o verão de 2023, o evento, que se divide em seis momentos ao longo de uma semana e que irá decorrer na zona norte do Parque das Nações, nas margens do rio Trancão, na fronteira entre Lisboa e Loures, deverá custar mais de 50 milhões de euros ao erário público, num orçamento dividido pelas autarquias envolvidas, com Lisboa à cabeça, e pelo Governo.