Ana Jorge na calha para a Santa Casa, mas contestada

Ana Mendes Godinho já levou a proposta a António Costa, Mariana Vieira da Silva foi ouvida e a antiga ministra da Saúde também já foi sondada para suceder a Edmundo Martinho na provedoria da SCML. No PS, não falta quem preferisse Lacerda Sales. Mas João Soares era claramente quem reunia mais apoios dentro e fora…

Ana Jorge, atual presidente da Cruz Vermelha, é a melhor colocada para suceder a Edmundo Martinho na provedoria da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa (SCML). O Nascer do SOL sabe que a ministra do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social, que tutela a instituição, já levou a proposta ao primeiro-ministro. Ana Mendes Godinho também já terá formalizado o convite à antiga ministra da Saúde para suceder a Edmundo Martinho, cujo mandato termina no final do ano, e Ana Jorge terá aceitado, tal como avançou o Correio da Manhã na segunda-feira.

No início deste mês, durante uma audição no Parlamento, a ministra Ana Mendes Godinho já tinha antecipado que ia nomear uma nova equipa de gestão para a SCML, instituição que está sob a sua tutela, uma vez que a Mesa (administração) está atualmente com três membros efetivos de um total de seis. Na altura, a responsável sublinhou a necessidade de «preparar uma nova equipa», dado que a atual «está terminar o mandato e alguns já terminaram».

Em entrevista ao programa Hora da Verdade, do Público e da Rádio Renascença, nesta quinta-feira, Ana Jorge não excluiu a possibilidade de vir a assumir nos próximos meses a provedoria da SCML. Questionada sobre se poderia abraçar este projeto em breve, recusou-se a comentar, sublinhando que, «neste momento, há um provedor em exercício que termina o seu mandato no fim do ano». E acrescentou: «É a ministra que tem que se decidir sobre isso».
O provedor da SCML é nomeado por decisão conjunta do primeiro-ministro e da ministra do Trabalho. Já os restantes membros que compõem a Mesa são nomeados pela ministra do Trabalho, sob proposta do provedor. 

Nomeação contestada
Contudo, a nomeação de Ana Jorge está longe de ser pacífica, ainda para mais porque há três anos já tinha sido indicada para a provedoria da SCML, mas o seu nome acabou por ser vetado pelo primeiro-ministro. E as divergências com Edmundo Martinho, que foi reconduzido em outubro de 2020 por António Costa para um novo mandato de três anos, também não abonam a seu favor.

Especialista em pediatria, Ana Jorge foi ministra da Saúde nos Governos de José Sócrates e é atualmente presidente da Cruz Vermelha Portuguesa. Entre 2016 e 2021, a socialista esteve à frente do projeto de reconversão do antigo hospital militar da Estrela, da SCML, numa unidade de cuidados continuados, mas foi afastada pelo atual provedor.
Rosto do projeto, tendo ajudado durante cinco anos a erguer a Unidade de Cuidados Continuados na Estrela, Ana Jorge apresentou a sua demissão em maio de 2021, após Edmundo Martinho ter formalmente informado que a sua equipa não teria lugar na futura direção daquela unidade, que começou a ser pensada em 2016.

À médica, foi sugerido ficar noutras funções não executivas na estrutura de cuidados continuados, o que recusou, pondo fim ao seu vínculo à Santa Casa, antes de a UCCI Rainha Dona Leonor abrir portas. A contribuir para este desfecho estiveram ainda desencontros de ideias com Edmundo Martinho, que acompanhou o projeto desde o início, tendo iniciado funções como provedor da SCML pouco tempo depois da constituição da Unidade de Missão do Hospital da Estrela em 2016. Uma das dissidências mais substanciais prendeu-se com a criação de uma unidade de cuidados continuados pediátricos no edifício da nova unidade, uma valência que estava prevista  no projeto da unidade de cuidados continuados quando este foi anunciado em 2016. No entanto, quando a obra para a unidade de cuidados pediátricos estava pronta para ser lançada, esse projeto foi cancelado.

Apesar de não ser uma estranha na Santa Casa, o nome de Ana Jorge não convenceu quando foi indicada há três anos por estar mais próxima da área da Saúde do que da dimensão social e dos jogos sociais, ainda que agora esteja na calha para substituir Edmundo Martinho. 

No PS, há quem tenha equacionado em alternativa o antigo secretário de Estado da Saúde António Lacerda Sales, que era o preferido depois de ter sido preterido por Manuel Pizarro na sucessão de Marta Temido à frente do Ministério da Saúde.

E João Soares também chegou a ser lançado como nome muito mais consensual, sendo que reunia apoios tanto no PS como na própria Santa Casa e mesmo além fronteiras socialistas.

Tal como o Nascer do SOL noticiou em setembro do ano passado, quando se colocou a possibilidade de Edmundo Martinho abandonar o mandato de provedor antecipadamente por razões pessoais, um movimento de históricos socialistas defendia a nomeação do antigo ministro da Cultura e ex-presidente da Câmara Municipal de Lisboa para o lugar de provedor da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa, dada a  sua grande compreensão perante as questões da solidariedade, a administração pública e os problemas sociais.

Um dos principais mentores do movimento foi Luís Parreirão, destacado socialista, para quem João Soares se notabilizou como presidente da Câmara de Lisboa, «nomeadamente,  com o que conseguiu fazer nos bairros sociais e nos bairros degradados», lembrando que um dos marcos da sua presidência foi precisamente o fim do Casal Ventoso como bairro degradado e centro de tráfico e consumo de drogas duras.

Já Rui Julião, que tem destacada experiência na ação social na autarquia da capital, na altura, descreveu Soares como um «humanista e um homem sensível e de combate» com «um conjunto de soft skills que lhe permitem encarar os próximos tempos com uma sensibilidade acrescida para a área da ação social», lembrando que enquanto líder do excutivo camarário de Lisboa foi obrigado a confrontar-se com «realidades duras» e a ultrapassá-las. 

No leque de apoios a Soares, destacavam-se  ainda a antiga ministra da Saúde Maria de Belém, que lhe reconheceu uma «boa preparação», recordando que, nos cargos públicos por onde passou, «deixou uma marca muito positiva, fosse no domínio da gestão da Câmara de Lisboa, fosse no domínio da Cultura, fosse na nossa representação internacional em vários órgãos parlamentares em que participou, designadamente na Organização para a Segurança e Cooperação na Europa».

Outras personalidades de vários setores da sociedade lisboeta e nacional,  como Manuela Eanes, ex-primeira dama e presidente do conselho de curadores da Fundação Manuel António da Mota, também consideraram que o antigo ministro socialista tinha a competência e a sensibilidade social necessárias para desempenhar um bom lugar à frente da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa.

António Tavares, social-democrata e atual provedor da Santa Casa da Misericórdia do Porto, também chegou a afirmar que a instituição em Lisboa «ficaria bem servida» se João Soares assumisse as funções de provedor, por ser «um homem que conhece bem a cidade de Lisboa, com uma alta sensibilidade social e, portanto, com uma leitura e uma visão dos problemas da sociedade atual», reunindo as competências necessárias para o exercício do cargo.

Em setembro, o Nascer do SOL ainda questionou João Soares sobre a sua disponibilidade para o cargo, mas o socialista não quis responder.

Na altura, não faltou quem considerasse que o movimento foi prejudicial à eventual nomeação de Soares, já que António Costa não terá gostado de ver o assunto cair na praça pública. 

SCML em situação económica difícil
Venha quem vier, o próximo provedor da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa não vai ter tarefa fácil. Os anos de pandemia trouxeram consigo uma diminuição abrupta das receitas do jogo, que em grande parte sustentam a atividade social da SCML, e o pós Covid não trouxe consigo a recuperação de receita desejada.

Para fazer face às dificuldades, Edmundo Martinho lançou a Santa Casa Global, uma empresa detida a cem por cento pela Misericórdia que tem como função alargar as receitas do jogo através de uma entrada em mercados externos. A verdade é que a aposta para já não deu resultado e não só não conseguiu ainda arrecadar receita como tem significado um aumento de despesa na ordem dos 8 milhões ao ano. A tudo isto somam-se ainda os prejuízos acumulados do Hospital da Cruz Vermelha em situação económica muito difícil e que foi, entretanto, entregue à gestão da SCML. 

Em cima da mesa neste momento, ao que o Nascer do SOL apurou, estará também a nomeação de Lacerda Sales para substituir Ana Jorge na administração da Cruz Vermelha.