IVA a 0%. Costa recorre a provérbios mas desilude economistas

A expectativa era elevada para saber quais os produtos que iriam ser incluídos no cabaz, mas não convence. César das Neves diz que medida se esgota rapidamente, Luís Aguiar-Conraria fala em paternalismo e Ferraz da Costa apostava em outro tipo de medidas. 

“Em casa onde há inflação, todos ralham e todos têm a sua parte da razão”. Foi desta forma que António Costa apresentou o cabaz alimentar dos 44 produtos  que vão ter IVA a 0%, um programa que vai custar 400 milhões de euros. Estes resultaram de uma lista enviada pelo Ministério da Saúde, que de acordo com roda dos alimentos permitem uma alimentação saudável, variando em função da idade de cada um e de outra lista enviada pela APED com os bens mais consumidos. “No cruzamento das duas listas, foi desenhado este cabaz”, disse na apresentação da assinatura do acordo entre a CAP e a APED.

Mas afasta duas ilusões. A primeira, a de que a descida será automática. Isto, porque a redução do IVA requer a aprovação da lei na Assembleia da República, onde terá de ser agendada, discutida e aprovada, e promulgada pelo Presidente da República. 

A segunda ilusão é de que  os preços não voltarão a aumentar, pois “ninguém sabe quanto tempo esta guerra vai prosseguir e enquanto ela se prolongar há o risco de os custos de produção aumentarem mais” – é, aliás, na previsão desta possibilidade e para absorver esses eventuais riscos que são reforçados os apoios à produção.

Pacote com efeito limitado Os economistas contactados pelo i não mostram grande entusiasmo em relação às medidas anunciadas pelo Governo, nomeadamente no que diz respeito ao cabaz a 0% de IVA. João César das Neves reconhece que se trata de um pacote que terá algum efeito, mas com efeito limitado. “Trata-se de benefícios pontuais para combater uma perda que é contínua, pelo que se esgota rapidamente”. E deixa ainda outras críticas: “Não se centra apenas nos pobres, que são aqueles que merecem apoio, mas satisfaz clientelas e dispersa os esforços”.

O economista chama ainda a atenção para o facto de a descida ser pequena, porque a taxa é reduzida e acontece, num momento, em que os preços vão continuar a subir”. Mas quando questionado sobre quem ganhou até agora com os preços altos reconhece que é difícil de quantificar quanto ao ganho anterior, uma vez que, os custos subiram ao longo da cadeia de valor. “Muitos do que aumentaram os preços fizeram-no porque os seus custos subiram”, salienta. 

César das Neves dá também cartão vermelho ao Governo por Portugal sido “um dos mais atrasados e mais parcimoniosos nestes apoios, apesar de já estarmos na metade de cima da inflação europeia” e por ter começado a criticar a distribuição pelos valores praticados e depois por fazer um acordo com o setor. “No meio da instabilidade de preços, será difícil implementar algo que seja realmente eficaz nesse campo”.

Mas também reconhece que estas medidas só avançaram porque as famosas contas certas estão a engordar os cofres do Estado. “A inflação, como sempre, está a ser excelente para as contas do Estado, pois equivale a um imposto – o “imposto de inflação”- aquilo que o Governo dá é apenas parte desse benefício que recebe, e ainda se atribui o mérito do resultado”.

“Paternalismo tremendo” Já Luís Aguiar-Conraria afirma que “Portugal é suficientemente pobre para que qualquer ajuda que seja dada, as pessoas ficam bastante mal na mesma” e critica a forma de apoio que é dado, em que há uma aposta na redução do IVA, em vez de o Governo ter avançado com um apoio direto às famílias. “Em vez de dar apoios na ordem dos 600 milhões preferia que dessa essa verba de outra forma e o problema da redução do IVA tem outra agravante que é o facto de ter escolhido os produtos que iriam ser alvo ou não de uma redução”.

Para o economista estamos perante um Governo que está a definir “a comida dos pobrezinhos”, o que no seu entender, “é uma coisa ridícula” e revela “um paternalismo tremendo”, além de estar a ajudar pessoas que não precisam. Daí defender que “seria preferível ter optado pelo apoio direto” aos consumidores ou pela redução dos escalões do IRS, o que se traduziria automaticamente num aumento do rendimento mensal. 

Quando questionado se era preferível entregar “cheques” como aconteceu no final do passado, o economista afirma que essa opção também não lhe agradou. “Fez-me um bocadinho de impressão, porque era uma coisinha que era dada aos poucochinhos quase tipo esmola. Estilo ‘tomem lá um dinheirinho para o Natal’. Mesmo assim, estes 30 euros dados às famílias mais vulneráveis sempre é uma coisa previsível e definido”, diz. 

Conraria também estranha as negociações entre Executivo e produtores e distribuição ao lembrar que, se os preços têm estado a subir nos últimos meses, alguém tem estado a ganhar. “Nestas crises há sempre vencedores e vencidos. Fala-se muito dos vencedores nos supermercados que tiveram lucros extraordinários, mas na minha cabeça também os produtores agrícolas estão entre os vencedores”, reconhecendo que “podemos estar a apoiar quem não precisa”.

E no caso da distribuição é mais crítico. “É uma coisa surreal. Um dos principais problemas que Portugal tem é o da promiscuidade entre as grandes empresas, as empresas retalhistas e o Estado. E agora estão oficialmente à mesa a sentarem-se a combinar preços isto é um cartel, admitindo que a ideia a curto prazo é ter um efeito benéfico para evitar que os preços subam muito nos primeiros meses. Mas isto é institucionalizar uma prática que é horrível, que é pôr os concorrentes a conversarem uns com os outros, quando a função deles é fazer concorrência. Enquanto devíamos estar a chatear a Autoridade da Concorrência e tudo o que são reguladores a pressionarem as empresas para aumentarem a concorrência, o que temos é o Governo a combinar preços com eles”.

Muita parra e pouca uva Pedro Ferraz da Costa entende estas medidas com a necessidade do Governo estar a ser pressionado para fazer qualquer coisa, mas lembra que “o grande problema do nosso país é a grande vulnerabilidade de uma grande parte da população portuguesa, em que cerca de 30 ou 40% vivem em risco de pobreza e há outros em pobreza extrema”. E acrescenta: “É um problema que arrastamos há dezenas de anos e tendo em conta o peso da vulnerabilidade, qualquer coisa que corre pior aumenta a percentagem dos que estão em risco de pobreza”.

O economista admite, no entanto, que a redução de alguns produtos para IVA a 0% irá beneficiar todos os portuguesas, independentemente de quem ganha mais e quem ganha menos, mas reconhece que “isso terá pouco peso”, referindo, ainda assim, que “ninguém pode dizer que não é uma ajuda”.

Mas Pedro Ferraz da Costa defende que o Governo deveria apostar nos que estão piores e em outro tipo de apoios, nomeadamente às crianças. “Há milhentas coisas que é necessário e é possível fazer para saírem da pobreza”, censurando a ideia de política do cheque. “Dá muito jeito em períodos eleitorais, porque vão dizer que o primeiro-ministro é muito boa pessoa porque dá dinheiro. A maior parte das pessoas tem uma capacidade muito limitada em perceber essas coisas”, diz ao i.

Já quando questionado se o dinheiro chega para tudo não hesita: “Chega para muita coisa que não devia chegar, estraga-se dinheiro por todos os lados há dezenas de anos, rouba-se dinheiro em quantidades industriais, por isso não me venham com essa conversa que o dinheiro não chega para tudo. O problema é que o dinheiro é muito mal administrado”. De acordo com o economista, o Governo podia ter ido mais além na melhoria da política orçamental, pois “Portugal nem sequer cumpre as regras da União Europeia, em termos de qualidade da política orçamental e quando se fala nisso quer dizer que as despesas têm de estar bem justificadas, sob a garantia de não se andar a estragar dinheiro só para dar obras a um amigo ou para fazer uma coisa que não serve para nada”, acrescentando que “só gerindo melhor a despesa pública, que é imensa, é que arranjamos para o que é preciso”. 

E dá vários exemplos desse dinheiro desperdiçado. “Foi mais importante estar a construir estádios de futebol em 2004 e outras milhentas coisas em que se estragou dinheiro ao longo dos anos, obras públicas que derraparam duas ou três vezes o que estava previsto. Como também termos 850 mil funcionários públicos para uma população de 10 milhões”.

Quanto às negociações com os setores envolvidos, nomeadamente a distribuição reconhece que tem sido, em parte, usado como bode expiatório e sugere a melhoria da política fiscal para evitar que empresas, como a Jerónimo Martins, mudem de sede. “Os outros países têm vindo a melhorar esses aspetos fiscais e nós até pioramos. É evidente que não somos atraentes”. E deixa outro recado em relação ao Ministério da Agricultura, no que diz respeito a tomar medidas de política agrícola que permitissem aumentar a produção e, desta forma, evitar que os preços não subissem tanto. “Em alguns produtos temos de continuar a estar dependentes dos mercados externos porque não temos clima para produzir muitas das coisas que entretanto se tornaram num hábito na população portuguesa. Há uns 50 ou 60 anos tínhamos uma dieta talvez mais saudável que era a mediterrânea que estava mais adaptada àquilo que podíamos produzir. Gostava imenso de ouvir o Governo dizer que tinha tomado um conjunto de medidas ao nível da política das pescas. Há problemas que não se resolvem em dar mais dinheiro às pessoas”, conclui.

Oposição arrasa O líder do PSD defendeu que a definição deste cabaz é insuficiente e que terá pouco impacto nas contas dos portugueses. “Não desprezando esta medida, ela é altamente insuficiente. Perturba-me um pouco que se esteja a criar uma expectativa junto das pessoas que elas vão ver a sua condição muito melhorada, não vão. Lamento ter de dizer isto”, afirmou Luís Montenegro.

Já André Ventura considerou que a taxa de IVA de 0% nos produtos alimentares essenciais “vale pouco” e anunciou que o partido vai propor no Parlamento a descida de 2% nas taxas normal e intermédia. “Não compreendemos como é que o Governo não percebe que em momentos de crise, como o que estamos a viver e de uma inflação numa taxa média de 8%, não basta que produtos que estavam em seis temporariamente passem a zero, porque nalguns casos estamos a falar de cêntimos”, defendeu o líder do Chega.

Por seu lado, a Iniciativa Liberal criticou a “incompetência e preconceito” do Governo e afirmou que as medidas apresentadas de combate à corrupção são tardias.

Também o Bloco de Esquerda criticou o “acordo de cavalheiros” e a “falta de coragem” do Governo ao assinar um acordo com os que, no seu entender, são os que mais têm lucrado com o aumento dos preços. “Um acordo de cavalheiros com a mesma grande distribuição que tem ganho lucros milionários à custa do empobrecimento do país é o reconhecimento da falta de coragem do Governo para defender as famílias e o poder de compra” disse o líder da bancada bloquista, Pedro Filipe Soares.

Já o deputado comunista Duarte Alves lembrou que “nunca houve qualquer problema em aceitar a redução do IVA neste conjunto de bens”. No entanto, lembrou que é preciso controlar os preços porque, caso contrário, trata-se de uma “medida inconsequente”. 

Para o Livre, o Governo atuou “demasiado tarde”, e a ação não foi suficientemente longe. O partido diz não perceber “o secretismo” do processo de decisão das medidas, nem os critérios com que se definiram os produtos do cabaz, salientando que “há bens com preços muito diferentes e que vão ter um impacto muito diferente com esta redução do IVA, e podem gerar assimetrias contrárias ao que o Governo pretende”. Já o PAN propôs ao Governo que alimentos à base de proteína vegetal, como tofu e seitan, também tenham IVA zero, alertando que “cerca de um milhão” de portugueses opta por uma dieta vegetariana.

Por seu lado, o presidente do CDS-PP considerou que a redução da taxa de IVA para alguns bens alimentares já deveria ter sido aplicada e alertou para a importância de a distribuição repercutir esta decida no preço dos produtos. Nuno Melo disse ainda que foi “o primeiro partido português a defender esta medida, em abril de 2022”, e lamentou a “adesão tardia” do Governo em aplicar uma taxa de IVA de 0% nos bens alimentares essenciais.

Os produtos com 0% de IVA

Cereais e derivados; tubérculos:

• Pão; Batata; Massa; Arroz

Hortícolas:

• Cebola; Tomate; Couve-flor; Alface; Brócolos; Cenoura; Curgete; Alho francês; Abóbora; Grelos; Couve portuguesa; Espinafres; Nabo.

Frutas:

• Maçã; Banana; Laranja; Pêra; Melão.

Leguminosas:

• Feijão vermelho; Feijão frade; Grão-de-bico; Ervilhas.

Laticínios:

• Leite de vaca; Iogurtes; Queijo.

Carne, pescado e ovos:

• Carne de porco; Carne de Frango; Carne de peru; Carne de vaca; Bacalhau; Sardinha; Pescada; Carapau; Atum em conserva; Dourada; Cavala; Ovos de galinha.

Gorduras e óleos:

• Azeite; Óleos vegetais; margarina.