“É uma medida que abrange ricos e pobres e não faz sentido nenhum”, diz João Duque

O economista lança críticas às opções do Governo e diz que o PS “o que gosta é de gente pobre a estender a mão para alguém lhes dar migalhas”. E lamenta que seja o Executivo  dizer o podemos comer mais barato ou mais caro”.

O que acha das medidas do Governo?

Não estou de acordo com a diminuição do IVA, porque é uma medida que abrange todos: ricos e pobres e não faz sentido nenhum. Descer o IVA só se fosse para todos os produtos, aí sim. Além disso, se querem ajudar quem precisa então ajudem com medidas de apoio às famílias mais carenciadas. A medida anunciada só devia ser feita na mudança de trimestre por razões que os especialistas de IVA conhecem bem. Quem tiver o mínimo de conhecimento e sensibilidade da vida real das empresas, coisa que duvido que os membros do Governo tenham, porque nunca fizeram nem declarações de IVA, nem calcularam o IVA, nem se preocuparam com isso sabem que o mais seguro para fazerem essas alterações é em mudança de trimestre. Depois não sei o que é que vai acontecer às empresas que suportam IVA, não o liquidam e por via disso vão ficar credoras de IVA.

Vai ser um trapalhada?

Para as empresas que se dedicam a vender em exclusivo produtos de IVA a taxa zero se suportaram o IVA no trimestre anterior e debitam agora zero vão ficar credores de IVA e vão ficar credoras até que o Estado reembolse o IVA. Duvido que o ministro das Finanças saiba minimamente ou que lhe tenha passado pela cabeça alguma preocupação dessas, como qual é o tempo que uma empresa precisa para recuperar o IVA. Não sabe porque nunca fez, nem nunca esteve numa empresa nessa situação. E, por outro lado, se é para entrar no dia 1 de abril, no primeiro dia de um novo trimestre então não é no dia 24 de março que se anuncia isto e, numa altura, em que nem sabia qual era o pacote de produtos que iria ser alvo desta alteração.

Esteve entretanto em negociações com a distribuição e com a produção…

Pode negociar o que quiser, mas o que vai fazer é implementar uma medida que só devia entrar daqui a três meses e ao entrar no dia 1 de abril vai ser uma trapalhada pegada, porque é preciso parametrizar todos os softwares que estão a fazer a faturação. Isto exige ter tempo, só recomendava entrar em vigor no dia 1 de julho e, nessa altura, mesmo sem taxa zero a inflação irá estar muito mais baixo, garanto que é uma questão aritmética. O Governo vai fazer uma coisa que é chover no molhado.

É propaganda?

Claro que é. O Governo faz muita propaganda. Faz um grande espalhafato a anunciar taxa zero, mas qual é o peso disso no cabaz alimentar? Não sabem. Além disso, no dia 16 de fevereiro, António Costa dizia que esta medida era populista e que já se tinha visto que em França não tinha qualquer efeito. Agora, passado um mês já tem efeito, sem estudos nenhuns, só porque acha. Começou a achar, pensava uma coisa e agora acha outra.

Foi pressão?

A diferença entre o político e um populista é exatamente essa, é que um político sabe o que é que quer e sabe que o que é melhor para as pessoas pode não ser o que elas desejam imediatamente e há que tomar medidas nesse sentido. Farto-me de dizer se as minhas filhas fossem só fazer aquilo que gostavam de fazer quando eram miúdas não tinham ido provavelmente para a escola, não tinham educação, tinham tido uma dieta alimentar péssima e e por aí fora. Não se tem de fazer aquilo que as pessoas querem ou fazem barulho e, por isso, tomem lá. Não, podem naturalmente fazer barulho, expressarem a sua opinião e chamarem a atenção para os seus pontos de vista, porque muitas vezes são razoáveis e fazem sentido. E porquê? Porque, muitas vezes, os políticos esquecem-se e tomam medidas que levam a que haja pessoas que sejam esquecidas. Agora, as pessoas até podiam estar a pedir taxa zero do IVA, mas há outras maneiras de acudir às pessoas, às pessoas que precisam.

Como por exemplo, aqueles ‘cheques’ que foram atribuídos no final do ano passado de 125 euros e mais tarde de 240 euros?

Aumentem as remunerações das pessoas com menores rendimentos, aumentem os subsídios a essas pessoas. Se as pessoas estão em grande dificuldade aumentem a remuneração, façam qualquer coisa. Agora não façam medidas gerais. Acha que as pessoas que ganham três ou quatro mil euros por mês vão sentir isto ou passar a fazer compras mais folgadas? Claro que não. E depois estas medidas não estão assentes em estudo nenhum. O único exemplo que apregoavam dizia exatamente o contrário do que vão fazer. E em relação à questão do IVA ainda há outra coisa. É difícil controlar a aplicação da medida, até porque há muita gente que não faz ideia, ou melhor, não imaginam como fazem o preço. As pessoas na praça e no mercado fazem o preço de uma forma muito simples: compram com o IVA e depois em cima fazem uma margem. E depois dizem ao contabilista quanto é que venderam por dia, ou por semana, ou por mês e o contabilista tira o IVA que debitaram. Se por acaso comprarem um bocadinho mais barato fazem umas contas, se comprarem mais caro fazem outras e alguns até podem comprar mais barato e mantêm o preço. Depende, se chegam à praça e se no dia a seguir tiverem a pior fruta ao mais alto preço não vendem e baixam logo. Uma economia aberta e concorrencial reage assim. E este fenómeno da inflação, das duas uma: ou é um episódio ou não é. Ainda não mudei de opinião, porque desde o início que disse que não era episódico e que era para ficar. E quanto mais tempo passa, mais entranhado fica. O Governo vai mudando de opinião: é episódico depois já não é, dizem que dar dinheiro às pessoas aumenta a inflação, depois já não aumenta. Agora vão dar mais 1% aos funcionários públicos. Então porque é que não deram no início? Por que não deram há três meses? Porque aumentava a inflação, agora já não aumenta.

É tudo incoerente?

Completamente incoerente. Não sendo coerente vão fazendo medidas Ad hoc. Na mesma conferência de imprensa são capazes de dizer uma coisa e o seu o contrário. Taxa de IVA zero para quê? Se a oferta não aumentar em termos de quantidade não faz grande diferença e se calhar a maior parte desta inflação era, pelo menos há uns meses, importada.

Mas com o IVA a 0% há produtos que baixam…

Mas o Governo é que decide qual é a dieta e o que é podemos comer mais barato ou mais caro. E uma coisa que custa 1,6 euros passa a custar um euro, não muda quase nada. Só mudava se as taxas todas baixassem e aí durante um tempo observava-se o consumo.

Continua a haver resistência do Governo em mexer nos escalões de IRS…

O Governo do PS não gosta disso. O que gosta é de gente pobre a estender a mão para alguém lhes dar migalhas para as mãos. Isso é que eles gostam

Porque dá votos…

Sentem-se poderosos. A pegar no nosso dinheiro, que nós lhes entregamos para depois darem a quem eles querem. Eles gostam disso e é assim que se sentem poderosos. Imagine se fizessem o contrário que é deixar o dinheiro no bolso das pessoas para estas escolherem o querem fazer com o dinheiro. Se sou eu que ganho o meu dinheiro, por que é que os outros hão de distribuir o meu dinheiro? Tiram o dinheiro da carteira para depois lhes darem 200 e tal euros e passarem a imagem de que são muito generosos e para as pessoas lhes beijarem as mãos. As pessoas acham que o Governo está a dar, mas não dá, o Governo devolve. As receitas do Estado não provém de investimentos do Estado, são de impostos dos cidadãos.

Mas o salário mínimo não desconta IRS…

Naturalmente que quem não paga impostos não sente esse efeito. Os outros não, pagam impostos e depois é-lhes devolvido e quando é. Que sentido tem isto? Imagine que vou ao cinema e o filme custa 50 euros, entrego 50 euros na caixa e dizem-me para passar no final na caixa para receber 40 euros. Então porque é que não são só 10 euros? Porque assim vai-me agradecer eternamente porque devolvi 40 euros e a pessoa fica toda contente. Agora se há uma pessoa que não paga impostos, não se pode devolver o que não paga e essas pessoas são aquelas que tipicamente são apoiadas pelo Estado.

Fernando Medina disse que só avançava com estas medidas à custa das contas certas…

Medina estava em pânico mas, em vez de ter 1,9% de défice ficou em 0,4%, no ano passado, isto é, ficou melhor do que estava à espera, ainda por cima quando está todo embaraçado por andar a tirar a pele à malta e a não fazer investimentos. Está autorizado a ter défices maiores, não os faz, deixa a saúde no Estado em que está. Os transportes públicos no estado em que estão. As escolas no estado em que estão. A marinha, o exército e os tribunais no estado em que estão. Afinal, qual é a função do Estado e onde está o seu desempenho aceitável?

Chegou a dizer numa entrevista ao i que Mário Centeno ‘era um mão de vaca’. Quem é mais, Centeno ou Medina?

Medina é mais político e, neste momento, nota-se isso e, ainda por cima, tem mais pavor do défice do que Centeno, porque não domina, nem tem competência técnica na área. Nesse sentido, acho que é capaz de ainda ser pior. E por causa desse pavor põe em risco tudo. E o problema dele é um problema de reputação particularmente ao nível dentro do PS, e por isso, não pode arriscar, porque não é conhecido nesta área. Além disso, depois do ponto de vista político perdeu as eleições. Saiu um bocado acossado e não tinha lugar no Parlamento.

O cargo de ministro foi uma ‘espécie’ de prenda?

Não percebo porque é que essas pessoas não arranham emprego noutros sítios, em empresas normais, a trabalhar. Mandam o curriculum com as suas experiências e competências e tentam arranjar um trabalho.