“Quem quer trabalha e os que não trabalham é porque não querem”

O empresário e presidente do Fórum para a Competitividade admite que “têm aumentando muito os incentivos para não trabalhar” e afirma que “a diferença entre os que trabalham e os que não trabalham não pode ser assim tão pequena”.

Como vê a atual situação do mercado de trabalho?

Acho que progressivamente têm vindo a aumentar muito os incentivos para não trabalhar, porque os que trabalham são relativamente maltratados, em termos de impostos e são mal tratados em termos de terem uma vida muito difícil, com péssimos transportes para irem trabalhar. Já os que não trabalham são muito apoiados. É evidente que todos gostamos que as pessoas tenham dinheiro, mas a diferença entre os que trabalham e os que não trabalham não pode ser assim tão pequena, caso contrário ninguém quer trabalhar.

Isso vê-se pelos apoios agora anunciados pelo Governo destinado às famílias mais vulneráveis, em que a grande franja dos que trabalham não são abrangidos…

Claro, porque o Governo está a apostar nos seus eleitores, o que é com certeza fácil de entender. Agora temos estes problemas nos níveis mais baixos de qualificações e temos outros nos níveis mais elevados, em que assistimos a um agravamento ao trabalho pela via fiscal. Com as tabelas de retenção da fonte e com o IRS que se paga em Portugal, as pessoas vão para o estrangeiro. Nos cursos de engenharia, por exemplo, a estimativa é que 40% dos licenciados saiam do país. Isso é uma brutalidade. Quer dizer, então andamos a formar engenheiros para os outros países beneficiarem? Não faz sentido. Como também não faz sentido virem para cá atividades que são subsidiadas nos mais diversos setores para fazerem centros de investigação ou centros de desenvolvimento que não têm nada a ver com a atividade concreta de produção dessas coisas que são investigadas. E as pessoas que trabalham nesses centros, passados uns anos vão-se embora e não ficou nada. Vejo isso na indústria farmacêutica, na eletrónica, na informática, nos serviços financeiros, etc. São anunciados que vêm – não vou dizer os nomes, mas toda a gente sabe quais são – que vão criar 200 ou 300 postos de trabalho mas vamos ver e o que é são? São jovens licenciados acabados de sair da universidade, que vão fazer aquilo durante dois ou três anos, depois aquilo acaba e não dá nenhum desenvolvimento, nem grande riqueza para nós portugueses, que até subsidiamos a vinda deles. Aliás, até subsidiamos duas vezes: fornecendo-lhes técnicos mais qualificados do que eles têm neste momento. Pelo menos, pelo que dizem, é mais fácil encontrar bons engenheiros em Portugal do que na Alemanha nas quantidades que precisam. E subsidiamos dando-lhes, muitas vezes, prémios de instalação, em que há muitos casos, em que as próprias autarquias ainda dão o terreno e facilidades para não sei quantas coisas. Se fossem empresas portuguesas nunca dariam esses benefícios.

E se formos avaliar bem não dá nada…

Às vezes, até dá valor negativo.

E temos as autarquias “quase em guerra” para captarem esses centros…

Esta última parte é muito má para os mais qualificados e a outra é muito má para os menos qualificados, em que eles não aparecem. Nós, nas empresas, para tarefas menos diferenciadas, temos também muitas dificuldades em admitir pessoas. E nas mais qualificadas, se quiser pagar em Portugal um ordenado líquido igual para a mesma função que tem em Espanha tenho de gastar mais 20%, porque pago mais TSU e o trabalhador paga mais IRS para ficar com o mesmo salário líquido espanhol.

Por outro lado, surgem cada vez mais vozes a sugerir que, no caso dos aumentos salariais, esse valor não seja tributado…

Sim, sem dúvida. Mas o Governo tem dito que está disposto a devolver mil milhões de euros e, ao mesmo tempo, cobra mais seis mil milhões de euros em impostos por causa da inflação. Isso não vai lá sem tentar poupar dinheiro e temos uma estrutura da função pública pesada demais e que funciona muito mal, em termos do tempo que se espera pelos licenciamentos e pelas coisas mais variadas. O problema é que eles não querem mudar, porque acham que é mais agradável manter as pessoas com os ordenados na função pública pagando-lhes. Os governantes não estão para isso. Acho que também isso não melhora enquanto não nos safarmos destes governantes.

Caso contrário, as políticas vão-se mantendo…

Com certeza e, ainda por cima, estamos pior. Eles vêm-se cada vez mais aflitos para arranjar pessoas com um nível mínimo para serem dirigentes, para serem ministros, para serem secretários de Estado, para serem diretores-gerais.

E, enquanto isso, as empresas sentem cada vez mais dificuldades em contratar…

Há muita dificuldade e há muitas pessoas a saírem, em que vão trabalhar para a empresa ao lado para fazerem a mesma coisa e nós vamos buscar à empresa ao lado e pagamos mais qualquer coisa. E as pessoas até podem perguntar porque é que não aumentamos? Até temos grandes dificuldades em determinadas categorias profissionais e para pessoas mais formadas. Se tiver falta de engenheiros químicos posso aumentá-los em 10% e as outras pessoas todas 5%?

E com taxa de desemprego a atingir valores historicamente baixos também não é possível recorrer ao centro de emprego…

Não há. Quem quer trabalha e os que não trabalham é porque não querem. Não os podemos ir buscar a lado nenhum.

Mas também tem dito que há muitas pessoas que até ganham bem mais para aquilo que fazem…

Exato. Há muita gente até com ordenados muito bons e que não os merecem. Não são as pessoas que têm as tarefas pesadas, porque não considero que essas ganhem demais.

E a solução para a falta de mão-de-obra poderá passar pela imigração?

Por exemplo, nas partes produtivas vejo tudo de bata, de sapatinhos de proteção, touca na cabeça, óculos não sei de quê e são todos iguais. Mas quando os vejo, à entrada e à saída, já é um caso diferente. Não sabemos de onde é que eles vêm, é difícil comunicarem uns com os outros porque uns são asiáticos, outros africanos, mas a maioria são pessoas que não falam português. E há uma quantidade muito grande de clandestinos que depois vêm dizer que já descontaram para a Segurança Social, mas não sabemos como e quando é que aquilo aconteceu. E agora ainda querem legalizar 150 mil?

Então não há solução à vista?

O mercado vai resolvendo um bocado isso, porque é isso que vai fazendo subir os salários nas profissões, onde são precisas as pessoas e para fazer atividades que são rentáveis e, portanto vamos selecionar dessa forma. E há muitas coisas que se vão deixar de fazer, como já se deixaram de se fazer em Inglaterra, em França e em toda a parte.

Mas a falta de mão-de-obra poderá comprometer alguns negócios e algumas atividades?

Há casos, como na construção, que não sei se é resultado da ineficácia da máquina administrativa, mas alguma razão há de haver para haver um atraso tão grande no PRR.

O presidente do sindicato da construção diz que são precisos 90 mil trabalhadores e que poderão ser postos em causa projetos como o TGV, novo aeroporto e, até mesmo, as habitações prometidas pelo Governo no programa Mais Habitação…

Pois não. Vamos tendo trabalhadores para irem para os restaurantes e para servir imperiais, que é fácil. Mas é natural, depois de uma pandemia já previa que iria acontecer isto.