Portugal vê luz e sombras ao fundo do túnel

O Produto Interno Bruto cresceu pelo segundo trimestre consecutivo, depois de dois anos e meio de recessão. Mas há riscos no horizonte. Abrandamento europeu e exportações demasiado dependentes de combustíveis são as ameaças.

a economia portuguesa saiu oficialmente da recessão. o instituto nacional de estatística (ine) anunciou na quinta-feira que o pib cresceu 0,2% no segundo trimestre, face ao período anterior. é o segundo trimestre consecutivo de crescimento, depois de dois anos e meio de queda da actividade económica, mas há riscos no horizonte. o abrandamento das exportações de combustíveis e a estagnação europeia são as principais ameaças.

o crescimento em portugal é explicado pelo ine por uma quebra menos intensa da procura interna – houve uma diminuição menos acentuada das despesas das famílias. e, embora tenha havido mais importações, as exportações estão também a revelar um bom desempenho.

para o economista joão césar das neves, «parece evidente que a economia está a crescer, mesmo que pouco». o docente da universidade católica disse ao sol que «não é muito arriscado dizer que o ciclo mudou». o optimismo em torno da recuperação já estava patente nas palavras do ministro da economia, pires de lima, que fala há semanas de um «milagre económico».

mas há quem tenha uma visão menos positiva da evolução da economia. numa análise à proposta de orçamento do estado para 2014, o conselho das finanças públicas (cfp) deixa alertas quanto à sustentabilidade do ritmo das exportações. o bom desempenho está sobretudo ligado à venda de combustíveis refinados para o exterior e o organismo liderado por teodora cardoso avisou que «há uma limitação da capacidade produtiva instalada».

os investimentos na refinaria de sines têm permitido à galp sustentar a procura externa por combustíveis, mas há dúvidas sobre a margem de crescimento adicional (ler ao lado). ainda segundo o ine, mais de metade do aumento das exportações entre janeiro e setembro foi suportada pela venda ao exterior de combustíveis.

confrontado com as reservas do cfp, césar das neves contrapõe que «a recuperação é muito mais do que as exportações e as exportações são muito mais do que a refinação». segundo o docente, «quando se fala de uma economia de 10 milhões de pessoas, olhar para um sector mínimo é sempre errado». o catedrático considera até que «as pessoas andam ansiosamente à procura de razões que suportem o seu pessimismo» e que «quando elas faltam, inventam».
o ex-ministro da energia mira amaral lembra também que «há outros sectores a comportarem-se muito bem, nomeadamente a área do calçado». «as quotas de mercado que estamos a conseguir não são só devido aos combustíveis», sublinha o economista e presidente do banco bic portugal, em declarações ao sol.

europa abranda

apesar do bom desempenho da economia portuguesa, as nuvens que se abatem sobre a europa são outro factor de preocupação. portugal é uma economia muito dependente do exterior e alguns dos principais ‘motores’ europeus mostram sinais de abrandamento ou até de recessão.

segundo dados divulgados ontem pelo eurostat, o pib francês recuou 0,1% e o alemão está a crescer a um ritmo mais lento. e, pela primeira vez, a comissão europeia admitiu recentemente que existe um risco de deflação, embora longínquo.

a deflação é uma queda generalizada e prolongada dos preços dos bens e serviços numa economia, semelhante à que os estados unidos viveram nos anos 30 ou o japão na década de 90.

à primeira vista, preços mais baixos são algo positivo para os consumidores. mas paralisam a economia e tornam mais difícil a recuperação. os consumidores adiam as compras, à espera que os preços caiam ainda mais. as empresas vendem menos, as fábricas têm menos encomendas e acentua-se o clima de recessão e desemprego.

em portugal e noutros países em dificuldades na periferia europeia, os preços estão mais baixos do que há um ano. no centro da europa a inflação está baixa. contudo, césar das neves considera que a deflação é uma «possibilidade, mas remota», porque o banco central europeu «está a tratar do tema e tem instrumentos para resolvê-lo».