Os números revelam que o aumento da despesa é muito superior aos 860 milhões causados pela inconstitucionalidade dos cortes salariais. Um ‘buraco’ total de cerca de 1,5 mil milhões de euros que é agora compensado pela diminuição do desemprego, pelo aumento da receita fiscal e pela subida do consumo privado.
Um dos factores que contribui para o aumento da despesa são os 300 milhões de euros que o Governo teve de transferir para os hospitais-empresa.
Por outro lado, as autarquias não estão a cumprir os tectos orçamentais e vão receber mais 300 milhões do que estava inicialmente previsto.
Outra “pressão adicional” – como lhe chamou a ministra, na conferência de imprensa de apresentação do Rectificativo – é o reforço da verba orçamental para o programa de rescisões amigáveis, no valor de 110 milhões de euros.
Nas contas que derraparam, aparece a rubrica de aquisição de bens e serviços, que subiu 0,4% em vez de descer 10%. A ministra justifica a subida com o facto de os hospitais empresa estarem inseridos neste item e, consequentemente, a massa salarial dos seus trabalhadores, que também foram alvo da decisão do TC.
“Parece um aumento da despesa com a aquisição de bens e serviços, mas é pressão salarial”, sublinhou Maria Luís, que prefere destacar a “redução na despesa primária de seis mil milhões de euros”, que considera “muito significativa”.
De resto, a ministra das Finanças prefere a expressão “reavaliação de pressões” em vez de “derrapagem na despesa”. E usa o argumento de José Sócrates para justificar os erros de previsão: “Enfrentámos ao longo dos últimos três anos a maior crise dos últimos 80 anos”.
Cenário macro-económico revisto
Estes desvios não implicam subida de impostos devido a um comportamento favorável da economia. Com menos desemprego, o saldo da Segurança Social melhora porque há mais contribuições de trabalhadores e menos despesa com subsídios de desemprego. Por outro lado, há um acréscimo de impostos sobre o trabalho e o consumo.
No documento enviado ontem para o Parlamento, o cenário macro-económico foi revisto em alta. A taxa de desemprego prevista é de 14,2%, face aos 17,7% do OE-2014. O crescimento do PIB foi revisto para 1%, quando o cenário subjacente ao OE-2014 era um crescimento de 0,8%.
O impacto global dos chumbos de Maio do TC – entre os quais o corte de salários da função pública – ascende a 860 milhões de euros. Parte deste rombo será compensado com a reintrodução dos cortes entre 3,5% e 10% introduzidos no Governo Sócrates.
Como há uma revisão em alta das receitas fiscais e contributivas, de 1,5 mil milhões, quer o chumbo do TC quer os outros desvios ficam dentro da almofada criada com o desempenho económico.
Factores de risco
Ainda assim, há factores de risco até ao final do ano. O Governo não tem ainda a validação das autoridades estatísticas a operações que podem ter impacto no défice, que totalizam 5,9% do PIB: a capitalização do Novo Banco, o alargamento do perímetro orçamental, com inclusão da CP no cálculo do saldo orçamental, e empréstimos à STCP e à Carris.
Só o resgate do BES vale 2,9% do PIB e o Eurostat e o INE ainda não se pronunciaram sobre o registo da operação. De qualquer forma, a ministra garantiu que, por serem medidas extraordinárias, não são tidas em conta para a meta de défice de 4% acordada com Bruxelas para este ano.
‘Folga? Não consigo ver onde’
Maria Luís Albuquerque admitiu que os possíveis efeitos na economia do resgate no BES não foram tidos em conta, mas adiantou que o rectificativo deixa de parte uma almofada de 400 milhões de euros para fazer face a imprevistos, através da chamada dotação provisional. E frisou novamente que não há margem para alívios. “Folga? Não consigo ver onde”.
A ministra não se compromete com o que será o Orçamento para 2015. “A discussão do próximo ano ainda não se iniciou”, limitou-se a responder, sem confirmar ou desmentir se a subida do IVA para os 24% já em 2014 esteve ou não em cima da mesa.
A única garantia que Maria Luís Albuquerque dá é que a revisão do quadro macro-económico vai permitir chegar ao fim deste ano com o défice nos 4%, cumprindo a meta europeia.