Cavaco Silva não gostou da forma como foi implicado na crise do BES e tem feito tudo para não vir a ser responsabilizado pelo impacto que as suas declarações tiveram nos prejuízos causados aos investidores e accionistas do banco. A reacção do Presidente pode ser uma forma de querer escapar a futuros processos judiciais, mas acabou por dar a ideia de uma eventual crise com o Governo, que em São Bento ninguém assume.
Governo não vê 'indícios de conflito' com Belém
Com efeito, as declarações de Cavaco acabaram por ter como alvo o Governo, deixando no ar a ideia de que o Executivo poderia não ter feito chegar toda a informação a Belém. Uma tese frontalmente desmentida por Passos Coelho, esta quarta-feira: «Tenho a certeza de que o senhor Presidente da República teve plena ocasião para colocar todas as questões que entendia pertinentes para aclarar o que fosse necessário», afirmou o primeiro-ministro, assegurando que «nenhuma informação relevante foi ocultada».
No Executivo, recusa-se a ideia de uma crise com Belém e desvalorizam-se as declarações de Cavaco. «Foi um desabafo. Se foi um recado, foi mais um», comenta uma fonte do Governo, que assegura não haver «outros indícios de Belém de que haja um conflito» e que vê apenas nas frases do Presidente uma forma de frisar não ter responsabilidades na matéria. Foi essa, aliás, a tónica da resposta pública de Passos às declarações de Cavaco, que no domingo lembrou que «o Presidente da República é informado em primeiro lugar pelo Governo e é a essa informação que atribui mais importância».
A frase não deixava dúvidas de que a crítica não era para o Banco de Portugal, cujas informações citou quando em Julho garantiu que a crise no Grupo Espírito Santo (GES) não teria um impacto significativo no banco BES.
Cavaco quer ficar de fora de eventuais processos
De resto, as declarações e contra-declarações do Presidente neste caso são inéditas e duplamente insólitas – ao sentir necessidade de relembrar no site da Presidência uma frase sua e, depois, ao vir esclarecer e corrigir o sentido dessa mesma frase.
No domingo, o Presidente deixou mesmo um recado claro ao Executivo, afirmando que «espera que logo que o Governo tenha conhecimento de factos relevantes não deixe de [lhe] comunicar». E aproveitou para reforçar a ideia de que não pode ser responsabilizado por ter veiculado uma informação que se haveria de revelar incorrecta.
«O Presidente não tem ministérios, não tem serviços de execução política, não tem serviços de fiscalização ou investigação e, portanto, recebe toda a informação das entidades oficiais», disse Cavaco, numa alusão que é lida por alguns como uma forma de vir a escapar a eventuais processos judiciais. E aproveitou para ilibar o Banco de Portugal.
Provavelmente porque, dias antes, Cavaco Silva fizera questão de reproduzir, na página oficial da Presidência e no Facebook, as respostas que dera em Seul, a 21 de Julho, e nas quais parecia responsabilizar o Banco de Portugal.
Tudo isto logo depois de Miguel Reis, um dos advogados dos pequenos accionistas do BES, ter vindo, numa entrevista ao i, afirmar que «houve clientes que foram convencidos a investir no BES por causa das declarações de Cavaco».