De quem fala Marcelo?

Marcelo Rebelo de Sousa vive dias difíceis. Durante a semana, explica ao povo como deve ser o candidato ideal do centro-direita às presidenciais, apresentando o que parece um retrato algo forçado de si próprio; ao domingo, na TVI, foge das perguntas inevitáveis acerca de um tal Marcelo Rebelo de Sousa. Priva-nos, assim, de uma opinião…

A posição de Marcelo como comentador e eventual concorrente a Belém torna-se mais complexa a cada semana que passa. Perde o comentador por não poder comentar-se, ou por entender que isso prejudica o pré-candidato que há em si; perdem os telespectadores porque os seus comentários sobre presidenciais não contemplam o pretendente mais forte; perde o pré-candidato por correr o risco de, enquanto fala dos que vão surgindo, ficar sem espaço para a sua própria candidatura, que parecia destinada a uma vitória fácil e retumbante. 

Se, até agora, o professor se sentia relativamente seguro e confortável na sua área política, apenas com Santana Lopes a provocá-lo numa estação concorrente, a perspectiva de Rui Rio avançar, com o apoio da coligação, põe Marcelo fora de si e, provavelmente, fora da corrida.

O homem que tanto se lamentou porque a direcção do seu partido o descartava com a história do “catavento” e que depois correu para um Congresso do PSD a fim de conquistar o seu apoio, afirma agora sobre o candidato ideal do centro-direita: “Não pode ser um candidato de um partido ou de uma coligação”. O próximo PR deve estar “em posição central no sistema português de partidos” e ter “uma posição de diálogo e abertura para os dois quadrantes fundamentais da vida política portuguesa” (RR, 21/04). 

Estas opiniões podem ser apenas as do comentador, pessoal e politicamente desinteressadas. Mas, uma vez que não há notícia de um pré-candidato tão “central” e tão “independente” no tal centro-direita, tudo indica que fale de si, sugerindo que vai adoptar esse papel e candidatar-se sem o apoio da actual maioria. Neste caso, bastante improvável, torna-se difícil perceber por que será menos independente uma candidatura que se apresente como tal e receba posteriormente o apoio da coligação do que a de alguém que se apresente da mesma forma mas não obtenha o apoio dessa coligação, ainda que possa ter sido, por exemplo, líder de um dos partidos que a compõem. 

Sobra a hipótese remota de Marcelo não estar, de facto, a referir-se a si mesmo, mas a outro que cumpra os requisitos de candidato ideal. Alguém como Rui Rio que, embora crítico da governação, fala bem com “os dois quadrantes”, visto que tem andado de casa e pucarinho com António Costa. No caso de Rio se chegar à frente e de a coligação ir atrás, ou vice-versa, é natural que Marcelo, o candidato ideal, se confronte e seja confrontado com o que vem dizendo sobre o risco de divisões à direita. E que, em consequência, não tenha outra saída que não seja a de se dispensar da maçada da sua própria candidatura.

Na queijaria 

Primeiro, era um maravilhoso hino à amizade, depois, uma homenagem sentida a quem nasce no interior e triunfa em Lisboa, não importa como. O que se passou entre os amigos Pedro e Manuel na queijaria de Aguiar da Beira, à vista do país inteiro, foi um quadro vivo do descaro e da impunidade reinantes: um ex-político que, graças a essa condição, fez fortuna e brilhou no antro BPN, é apresentado como modelo por um primeiro-ministro que, não sendo destituído de entendimento, finge ignorar que ofende a inteligência e a bolsa dos portugueses. Os dois sabem que a cena é chocante, mas apostam que, como quase sempre entre nós, a caravana passa. Com isso contam.

O SMS

António Costa leu no Expresso um comentário que considerou ofensivo, embora mal se perceba porquê, e enviou um sms a atacar o jornalista que o assinava. Este, em lugar de responder pela mesma via e, se lhe apetecesse, no mesmo tom – afinal, parece que foi “atencioso” -, correu a publicá-lo no jornal, queixando-se de estar a ser condicionado na sua liberdade de opinar. Não se sabe o que mais admirar: se um político experiente que cede a um impulso primário com efeito boomerang, por mostrar que ele convive mal com a crítica – doença fatal em alguém na sua posição -, se o jornalista que aproveita o ensejo para se vitimizar e fazer doutrina fátua sobre a liberdade de Imprensa.