Passos Coelho: ‘É verdade o que se diz no livro sobre o Verão de 2013’

Passos Coelho abre a pré-campanha eleitoral com uma grande entrevista ao SOL, onde fala das angústias vividas no passado recente e não poupa António Costa. Leia aqui a 1.ª parte da entrevista publicada na edição em papel do SOL de 15 de Maio de 2015.

A sua biografia autorizada suscitou grande polémica. Esperava este ruído todo? Afinal, Paulo Portas mandou-lhe ou não um sms?

De facto, não esperava, até porque as questões que mereceram polémica não trazem assim tanta novidade. Compreendo que a autora não quisesse deixar de abordar o que se passou naquele Verão de 2013 – nós não podemos apagar a história nem refazê-la – e percebo que, num ano de eleições, todas essas coisas são vistas com outra sensibilidade. Mas trata-se de um trabalho realizado com independência e, apesar da minha cooperação, isso tem de ser respeitado. Não me cabe fazer escolhas sobre essa matéria. Quanto ao que se passou no Verão de 2013, a versão do livro e o que narra em discurso directo feito por mim corresponde à verdade.

Sendo uma biografia autorizada, teve com certeza algum controlo sobre a data de saída. Por que não pôs a hipótese de sair apenas depois das legislativas, para não criar mal entendidos e crispações com o partido da coligação?

A data não foi acertada comigo: foi-me comunicada e não me pareceu que houvesse nenhum problema com ela. E não me parece que me caiba dizer a uma editora 'Olhe, este ano não me dá jeito que publiquem coisas destas porque tenho eleições e, portanto, escrevam sobre mim noutra altura qualquer'. Mas aproveito as duas perguntas para dizer o seguinte: nós passámos, em 2013, por uma crise verdadeira, não foi uma crise falsificada. E superámos essa crise porque, quer Paulo Portas quer eu – e os nossos partidos -, tivemos a maturidade suficiente para evitar um desentendimento que pusesse em causa quer a estabilidade do Governo quer o objectivo de concluir o programa de assistência económica e financeira. E isso é muito mais poderoso e muito mais esclarecedor do que qualquer pormenor da descrição do que se passou em 2013.

Já leu o livro? O que achou?

Ainda não tive tempo de ler o livro todo. Não é um género que me atraia particularmente, em particular sendo a minha própria biografia. Mas irei ler com certeza, com a obrigação de quem, sabendo que houve polémica em torno de algumas passagens, se quer inteirar do que ali é retratado.

Não o leu, mas deu-o a ler a alguém para autorizar a publicação…

Não foi assim que funcionou. Falei com os meus pais dando conta da intenção da editora e da autora, procurando averiguar se quereriam colaborar com ela respondendo a algumas perguntas. Eu colaborei: dediquei uns pares de horas para falar com Sofia Aureliano. Ela gravou as nossas conversas e reproduziu-as. Do que li, não tenho nada a apontar.

Já falou entretanto com Paulo Portas?

Várias vezes.

Sobre este episódio?

Sobre este episódio, não. Trocámos impressões sobre a polémica e a necessidade de não deixar que o incidental se sobrepusesse ao fundamental. E estivemos os dois sintonizados em que o importante é focar a nossa intenção de nos submetermos às eleições em conjunto e de tentar criar condições políticas no país para que o Governo que saia dessas eleições seja um Governo estável, com uma maioria no Parlamento.

No livro foi notada a ausência de duas figuras que lhe são próximas: Miguel Relvas e Ângelo Correia. Acha justa esta omissão?

Como já disse, não fui eu que escrevi o livro nem o mandei escrever. Portanto, não me cabe fazer apreciações sobre as pessoas que foram convidadas ou não para se pronunciarem sobre ele, as que aceitaram, as que não aceitaram. Não vou fazer nenhum comentário sobre isso. É o tipo de questão que deve ser colocada à autora do livro.

A sua reacção à demissão de Paulo Portas, no Verão de 2013, foi o momento mais decisivo e dramático deste mandato. Jorge Moreira da Silva diz mesmo que foi 'um momento definidor da sua personalidade'. Em algum momento desse processo admitiu que o Governo fosse cair?

Para mim era claro que, se o Governo caísse, teríamos um segundo resgate. Assim, só me fixei na possibilidade de o evitar. Aquilo que fiz, em muito pouco tempo – foram três dias que mediaram entre a posse da ministra das Finanças e o dia em que fui ao Presidente da República apresentar uma solução -, foi, em primeiro lugar, clarificar a vontade do CDS em permanecer no Governo; segundo, procurar com Paulo Portas ultrapassar a situação, o que conseguimos; e, evidentemente, assegurar-me que levava ao Presidente da República uma solução que funcionasse, que não fosse uma meia solução, uma solução 'para inglês ver', que traduzisse realmente um comprometimento dos dois partidos até ao fim do mandato. Nesses três dias procurei por todos os meios, junto de todas as instâncias, que este meu propósito pudesse chegar a um bom resultado. Mas não tinha a garantia de que isso pudesse acontecer…

Admitiu, pois, que o Governo pudesse ficar por ali…

Essa possibilidade existia, mas não era uma coisa que eu pudesse admitir. Seria uma situação muito angustiante.

O facto de o Presidente não ter empossado o Governo que lhe propôs, ao fim de três dias alucinantes, deixou-o muito irritado. Viu Cavaco Silva como uma força de bloqueio? Até porque, no início desse ano de 2013, ele falou numa 'espiral recessiva'…

É verdade que no livro se diz que o Presidente da República 'deixou o Governo em banho-maria'. Mas não disse nada de novo, porque isso é o reporte daquilo que se passou na altura. É sabido que, antes de qualquer outro desfecho, o Presidente entendeu que se deveria pensar no pós-troika. E procurou encontrar um compromisso mais alargado que reunisse, além do Governo, o principal partido da oposição – para dar um horizonte de maior estabilidade às políticas públicas. Portanto, creio que a intenção do Presidente da República foi boa. Ele tinha a expectativa de que era possível chegar a esse entendimento. Devo dizer que não me pareceu que fosse fácil…

Nunca acreditou?

Se isso tivesse sido alcançado, seria uma surpresa agradável. Disse ao Presidente da República que me disponibilizaria para essas negociações sem qualquer reserva mental, mas que me parecia muito difícil face às posições do Partido Socialista. Uma pessoa que faz parte da Casa Civil acompanhou as negociações e pôde formar uma opinião sobre o que impediu um entendimento. O líder do Partido Socialista tinha muita dificuldade em comprometer-se com o Governo. Veio, aliás, a verificar-se que o seu apoio dentro do PS era limitado, sendo substituído a seguir às eleições europeias com uma certa facilidade. E foi substituído por alguém que até hoje também não deu nenhum sinal de querer ter qualquer entendimento com o Governo. Voltando ao Presidente da República, queria acrescentar que as suas intervenções foram, por mais de uma vez, decisivas para manter a estabilidade do Governo e fechar o programa de assistência. E, portanto, garantir o sucesso do objectivo de dispensarmos a troika.

Viu alguma vez a troika como uma espécie de força de ocupação que vinha aqui meter-se na nossa vida interna? Nunca se irritou com as suas exigências?

A troika foi chamada pelo anterior Governo. E chamou-a porque precisava dela. Nós precisávamos de dinheiro e o país não o conseguia obter pelos seus próprios meios. Nesse sentido, houve um conjunto de medidas que o Governo de então se comprometeu a executar para merecer esse apoio. O que nós fizemos foi executar essa estratégia. Os três anos de vigência desse acordo foram anos de muitas tensões – e de tensões com a troika também. Não direi de irritação, mas de tensão evidente. Sobretudo quando tínhamos decisões negativas do Tribunal Constitucional sobre medidas que tinham ficado acordadas com a própria troika. Havia elementos da troika que tinham dificuldade em perceber por que não desafiávamos mais o Tribunal Constitucional e não incumpríamos essas decisões. É evidente que não podíamos deixar de respeitar as decisões do Tribunal Constitucional e, nessa medida, houve muitas noites mal dormidas e houve muitos nervos e muitas ansiedades. A cada três meses tínhamos a troika à procura dos resultados a que nos tínhamos comprometido – e, do outro lado, parece que tínhamos uma espécie de anti-troika que desfazia aquilo que era negociado.

Acha que o Tribunal Constitucional tinha uma leitura da Constituição demasiado restritiva e fundamentalista?

Não quero reabrir a discussão do Tribunal Constitucional, mas julgo que houve uma leitura bastante restritiva daquilo que eram os princípios invocados de natureza constitucional. Muito daquilo que foi inspiração para as decisões do TC não teve ligação directa com a letra da Constituição mas com a visão que predominou nos juízes, com o seu entendimento da Constituição.

Num cartaz do Bloco de Esquerda, aparece ao lado de Angela Merkel, com uma legenda que diz qualquer coisa como 'Um governo mais alemão que os alemães'. Esse cartaz incomoda-o?

Não me incomoda nada. Há quem diga até que se tratou de uma campanha muito favorável ao Governo, na medida em que a ideia que se associa a um governo alemão é de responsabilidade: fiscalmente responsável, com orçamentos que batem certo… Agora, a ideia que se queria traduzir era a de submissão do Governo português relativamente a directórios europeus e nomeadamente ao Governo alemão. Isso, de facto, não sucedeu.

A ENTREVISTA NA ÍNTEGRA

Parte 1: 'É verdade o que se diz no livro sobre o Verão de 2013'

Parte 2: ‘Tenho uma visão positiva do mandato de Carlos Costa’

Parte 3: ‘O PSD não deve usar Sócrates na campanha’

Parte 4: ‘Sem um Governo de maioria passaremos as passas do Algarve’