Passos começou a fazer telefonemas

Depois do discurso presidencial não ficará pedra sobre pedra. Foi-se o governo de esquerda, mas as peças continuam a mexer-se no tabuleiro de jogo. Passos voltou a ser o peão que, pelo menos, será dono da próxima jogada.

O discurso de Cavaco Silva, batiam as oito dos telejornais, na passada sexta-feira, ‘rebentou’ com todas as conjeturas. Por um lado, com uma parte importante dos medos do PSD. Por outro, com as esperanças dos que aplaudiram e seguiram António Costa na sua demanda de poder. Assim, grande parte do que se especulou ao longo das horas e dias anteriores, caiu por terra. O Presidente da República não viabilizará um governo de esquerda, não o disse mas é como se o tivesse dito. Decidimos, ainda assim, manter este texto. Era assim que pensavam/sentiam os estados-maiores dos partidos antes de Cavaco Silva falar ao país. Mantemos o essencial.  

Como é possível, perguntou-nos um velho deputado eleito pelo PSD. Pergunta retórica, das que não precisam de resposta – ‘de queixos caídos, é como me sinto’, desabafa. Ainda esperançado de uma hipótese que não se concretizará, um elemento do secretariado socialista ironiza com a situação: ‘Se a direita atacou tudo o que as pessoas tinham como certo, têm de reconhecer que entram em contradição quando gritam ao país que Costa está a atacar uma convenção indestrutível’.

Era assim que falavam as principais barricadas. De um lado, tropas surpreendidas e à espera de uma ajuda do General Cavaco Silva. De outro lado, tropas também surpresas com a ousadia do seu comandante, mas que a pouco e pouco foram construindo formulações que justificam a sua tomada de poder. Uma situação curiosa, original e inquietante.

Há um medo a unir as forças vivas do PS e PSD. António Costa já foi confrontado por elementos da Comissão Política e até por alguns barões socialistas com a possibilidade de um drama se instalar entre os poderes intermédios: o secretário-geral terá garantias de que o BE e o PCP não atacarão a forma como os lugares de poder serão distribuídos? Dito de outra maneira, pela boca de um histórico socialista, ‘que garantias existem que a extrema-esquerda e os comunistas não vão pôr em causa o funcionamento das cúpulas nas empresas públicas, direcções-gerais e restantes lugares até agora ocupados pelo arco de governação?’. Mais do que a indignação de alguns seguristas é isso que preocupa vários dos que têm questionado Costa. 

No círculo da Faculdade de Direito de Lisboa, o mais influente entre o mundo académico, discutia-se na quarta-feira da possibilidade de o Presidente da República poder dar posse à primeira ao governo de esquerda. O secretário de Estado Pedro Lomba era dos que menos pareciam admirados com essa possibilidade, informação que não se veio a confirmar.

Passos Coelho nunca esperou que tal acontecesse. Na sede do PSD, epicentro das movimentações e incredulidades, o primeiro-ministro prepara-se agora para formar o que se arrisca a ser o mais curto governo da história da democracia. Na noite passada começou a convidar personalidades que o ajudem a formar o mais forte e mediático governo de centro-direita que lhe seja possível. Um governo patriótico de indignados. Se aceitarão ou não o convite é outra história, mas se Bagão Félix, Lobo Xavier, Marçal Grilo, Marques Mendes, Pedro Mexia, Morais Sarmento ou Laborinho Lúcio não quiserem ser convidados, o melhor é desligarem os telefones nas próximas horas.

O primeiro-ministro está convencido de que a rejeição de um governo com peso será mortal a prazo para o Partido Socialista. Damos também como certa, de acordo com todas as informações recolhidas, que a coligação PSD-PP incorporará no seu Programa de Governo o grosso das principais medidas do PS – um grupo de economistas da coligação tem-se reunido e feito contas para enquadrar algumas das medidas emblemáticas de Costa. Com um governo com peso mediático e um programa que inclui medidas do PS, a opinião pública saberá tirar as suas conclusões, é essa a expetativa nos quartéis-generais dos partidos que venceram as eleições.

De ‘queixos caídos’ e com esperança em Cavaco Silva e no Partido Comunista. Porque na Rua de São Caetano ou no Largo do Caldas, espera-se ainda que os comunistas ’borreguem’ o acordo. Admitem-se mais surpresas, mas a dos comunistas aceitarem dar um cheque em branco a António Costa é convocar ‘demasiada imaginação’. A segunda esperança, mais forte depois do discurso presidencial, é nos desalinhados do PS e em Francisco Assis. O putativo candidato à liderança do PS tem recebido telefonemas de amigos de direita, gente que apela a que pressione no sentido de convocar um congresso extraordinário, que o faça pressionando deputados a revoltarem-se em nome da identidade histórica do PS. Esperança que não tem cabimento entre os socialistas com quem falámos. Estão noutra, pagam para ver. Não vá o diabo tecê-las.

luis.osorio@sol.pt