Longe o suficiente para quase não se ouvirem, iam gritando palavras de ordem e tentando fazer soar mais alto as músicas e os protestos que levaram para São Bento.
Do alto do edifício principal da Assembleia, deputadas do PSD iam espreitando as manifestações e justificando a desmobilização que, por volta das 15h, se ia fazendo nas hostes dos apoiantes de Passos e Portas. "Os nossos têm de ir trabalhar".
Deputadas do PS insultadas
Ao mesmo tempo, que se engrossavam as fileiras da CGTP, os manifestantes a favor do Governo que foi derrubado esta terça-feira iam tirando fotografias com os cartazes que levaram para a rua. Mas o ambiente estava longe de ser o de uma festa. Sentia-se a tensão no ar.
À saída de um restaurante mesmo em frente do Parlamento, Isabel Moreira, foi saudada com um "morre cabra", como a própria noticiou no seu Facebook.
Uns metros mais à frente, longe do local da manifestação, a conversa da deputada socialista Helena Roseta era interrompida por uma popular exaltada. "Faz parte dos traidores que vão dar cabo do país. Sua imunda", gritou-lhe a mulher. Impassível, Roseta aconselhou-a a acalmar-se. "Olhe que isso faz-lhe mal à saúde".
Roseta está habituada a estas manifestações. "É isto", diz ao SOL, com um encolher de ombros. À direita, também há quem desvalorize. "Há dois anos nem compras podíamos fazer no Natal sem sermos atacados", comenta uma deputada social-democrata para desdramarizar este subir de tom.
Galerias com lotação esgotada, tom exaltado no hemiciclo
Mas nada disto é normal, como é pouco habitual o tom a que subiram os discursos no hemiciclo, com gritos, aplausos de pé e pateadas, ponteados por à partes quase constantes de todas as bancadas. Ou quase todas. O deputado do PAN, André Silva, manteve-se imperturbável, sem manifestações exuberantes e tomando a palavra apenas para falar das causas relacionadas com a natureza e os animais.
Em todos os outros grupos parlamentares, a exaltação foi evidente e testemunhada por galerias completamente lotadas de público que quiseram assistir ao chumbo do programa do XX Governo Constitucional.
Quase sempre em silêncio, apenas interrompido por um ou outro aplauso depois da votação que fez cair o Governo, o público manteve-se muito mais sereno do que os deputados.
Entre os parlamentares houve de tudo. De acusações de "aldrabice" a ataques que recuperaram contradições nos discursos e atitudes políticas. A tensão foi visível no hemiciclo como o era nos corredores. Há muito que os discursos não eram tão violentos e as manifestações de apoio ou desagrado tão exuberantes.
Nos bastidores, a direita nervosa e atenta às movimentações à esquerda e a esquerda tentando não transparecer o andamento de negociações que levaram à assinatura quase secreta de acordos entre o PS, o BE, o PCP e o PEV. Quase, porque alguns jornalistas conseguiram descobrir a sala de reuniões no edifício novo da Assembleia, que Costa escolheu para firmar os documentos que vão dar sustentação parlamentar ao governo que quer propor a Cavaco.
O fim do centro: Passos e Portas avançam com estratégia de oposição
Os próximos tempos não vão ser pacíficos e não se vislumbra o centro político que sempre sustentou a democracia portuguesa. Passos e Portas já avisaram Costa de que não poderá contar com o seu "sentido de responsabilidade" caso as coisas corram mal com os parceiros da esquerda. E à esquerda Jerónimo de Sousa aproveitou para frisar que o acordo assinado não é um cheque em branco passado a Costa.
Com a maior parte das medidas governativas atirada para "acordos bilaterais" a negociar caso a caso e sem a garantia de aprovação de Orçamentos do Estado ou de que não haverá moções de censura à esquerda, o líder do PS será obrigado a uma negociação constante e terá pela frente uma oposição que se anuncia dura.
Os discursos de Passos Coelho, Paulo Portas e Luis Montenegro serviram para deixar isso claro e foram preparados com todo o cuidado, assentes no argumentário que querem levar para a campanha das eleições antecipadas que desejam e acreditam que poderão acontecer em breve.
Portas comparou o acordo da esquerda a uma "geringonça" frágil e vaticionou-lhe um fim rápido. A direita sabe que a fragilidade dos acordos que Costa assinou com Jerónimo de Sousa e Catarina Martins é o seu maior trunfo. "Quanto mais tempo durar esta coligação à esquerda, mais difícil será aguentar a coligação à direita", assume-se nos bastidores do PSD.
Há a noção de que este é um jogo de paradas altas e que pode mudar todo o cenário político. Se a "aventura" à esquerda – como lhe chamou João Cravinho – correr mal, o PSD pode perder o centro, como temem Francisco Assis e os seguristas. Se correr bem e durar mais do que um ano, "a coligação à direita pode desfazer-se", admite-se no PSD.
Para já, PSD e CDS continuam completamente alinhados: vão continuar a lembrar que venceram as eleições, vão explorar as incoerências da esquerda e esperam que as contas feitas pelo PS com as medidas apoiadas por BE, PCP e BE venham a comprovar que depois da "bebedeira de medidas" de que falou hoje Portas venha a "ressaca" de uma bancarrota.
A bola está agora do lado do Presidente da República que deverá começar as audições para perceber qual a melhor solução para o governo do país. Todas opções estão em aberto, do ponto de vista constitucional: um governo de gestão de Passos até haver eleições antecipadas depois de março, um governo de iniciativa presidencial ou um executivo do PS apoiado por BE, PCP e PEV no Parlamento.
Tudo isso em teoria, porque na prática Passos já fez saber que não quer arder no lume brando da gestão e é considerado de forma quase unânime muito improvável um governo de iniciativa presidencial. A aposta mais certa é a de Cavaco acabar o mandato a dar posse a Costa.