O primeiro a sair do acordo paga a fatura

António Costa, Catarina Martins e Jerónimo de Sousa assinaram um acordo histórico. Mas há muitos riscos em jogo e nenhum vai querer pagar a fatura. O cimento desta relação a quatro (PS, BE, PCP e PEV) é o entusiasmo do eleitorado de esquerda e o medo das consequências imprevisíveis para o primeiro partido que vier…

“Ninguém quer ser o responsável por enterrar a faca. Mas sabemos que o Governo não conta com BE e PCP para pagar a conta da impopularidade junto do eleitorado da esquerda”, afirma ao SOL fonte da direção do PS.

Haverá um cálculo permanente nos partidos porque “nenhum quer abrir a porta à direita”, refere a mesma fonte, mas a fragilidade económica do país pode ditar um desfecho trágico. “Se o Governo falhar sucessivamente nas metas ou tiver a tentação de voltar atrás nos compromissos assumidos, não tem futuro”, conclui.

O PS estará sozinho no Governo e não tem garantida a aprovação dos Orçamentos do Estado. Terá que negociar tudo ao pormenor com BE e PCP, que não estão disponíveis para pôr em xeque as suas convicções de sempre, nomeadamente aumentar impostos, cortar salários e pensões ou pôr em causa os serviços públicos. Tal seria alienar o seu eleitorado e nem bloquistas nem comunistas vão querer correr esse risco.

O aviso de Carlos Brito

Apesar das diferenças e dificuldades que se avizinham nas negociações, o PS está confiante de que será mais fácil ao BE e PCP aprovarem medidas concretas quando for preciso. “O que é difícil é pedir-lhes em abstrato que renunciem à sua ideologia”, acredita a mesma fonte da direção socialista.

As dificuldades económicas são destacadas por um ex-comunista histórico como o “grande risco” deste novo Governo. Ao SOL, Carlos Brito diz que os partidos têm de “fazer todos os esforços e um trabalho rigoroso” para terem sucesso. E avisa: “Depois desta mudança histórica, qualquer um que recue entrará num período de crise de credibilidade perante a opinião pública”.

Se por um lado o facto de BE e PCP não estarem no Governo é um risco na hora de dar a cara por certas medidas, por outro pode ser uma vantagem inicial na relação com a Europa. “Um Governo PS tem uma situação diferente, pois está integrado no grupo dos Socialistas Europeus”, admite José Gusmão, dirigente e assessor do BE, em Bruxelas. Apesar disso, adivinham-se alguns entraves. “Haverá uma previsível hostilidade porque o acordo vai contra a abordagem das instituições europeias na utilização da austeridade. O problema não será tanto o cumprimento das metas, mas o tipo de medidas”, explica.

Outra das dificuldades que se avizinham para o Governo do PS é o bloqueio à direita. Passos Coelho e Paulo Portas deixaram claro que António Costa não poderá contar com PSD e CDS para nada, nem mesmo em questões que anteriormente seriam de comum acordo entre os três partidos de forma natural, como as questões europeias ou a defesa. Nos bastidores do PS já há quem tema “bloqueios institucionais”, nomeadamente em nomeações para órgãos do Estado. Por exemplo há seis juízes do Tribunal Constitucional a terminarem o mandato em abril.

sonia.cerdeira@sol.pt