No final da discussão do programa do Governo, Santos Silva lançou um apelo à união, dirigido aos partidos da direita. “A hora é de unir o que foi dividido”, salientou. Mas o agora chefe da diplomacia portuguesa, que em tempos afirmou ter gosto em “malhar na direita”, usou uma retórica sarcástica nesse pedido de fim da crispação: ao mesmo tempo que pedia apoio para a agenda ‘antiausteritária’ do PS, aludia aos “deputados ainda ressabiados” da direita.
Na hierarquia do Governo, o núcleo político de Costa inclui, além de Santos Silva, o ministro Adjunto Eduardo Cabrita. Ambos ficam acima de Mário Centeno, o ministro das Finanças que esteve no centro da polémica do debate parlamentar e mostrou a sua debilidade no debate ‘puro e duro’.
Nesta estrutura de comando, a direção da bancada do PS é o ‘outro lado’ que complementa o Governo. A importância de Carlos César ficou clara no protagonismo do ataque a PSD e CDS. E também com o líder parlamentar socialista os apelos “ao consenso” foram feitos a par de um cerrado ataque a Passos e Portas. “Só a direita que se dá mal com a democracia não aceita a maioria”, atirou na intervenção de abertura, sob fortes aplausos socialistas.
Mostrar a divergência
O debate parlamentar também mostrou a forma como os partidos à esquerda vão dirimir as suas divergências. “Não vamos esconder as divergências, fica mais claro se ficar à vista que há um entendimento que não apaga as diferenças”, explica um socialista, rendido à estratégia que BE, PCP e Verdes insistiram em aplicar. As constantes ‘viagens’ do dirigente bloquista Jorge Costa à sala do grupo parlamentar socialista deram visibilidade ao diálogo constante para acertar agulhas.
E o que aconteceu com os projetos para reverter a privatização dos transportes foi esclarecedor. BE, PCP e Verdes começaram por avançar com diplomas divergentes que reafirmam o seu posicionamento político próprio – tendo em conta que o eleitorado da esquerda pode penalizar eleitoralmente as cedências ao PS. O trabalho na comissão parlamentar servirá para chegar a um entendimento, mas à vista de todos.
Os acordos, em geral, não serão fáceis. Na terça-feira, o cancelamento mal explicado da reunião da esquerda prevista para acontecer semanalmente alimentou dúvidas sobre um desacerto que seria oficialmente explicado pela ausência em viagem de Carlos César. Mas a ‘visita de cortesia’ de Pedro Nuno Santos, secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares, acalmou os ânimos.
De resto, César e Pedro Nuno são os dois lados da negociação permanente que será o teste à ‘cola’ dos entendimentos políticos. E as declarações de Jerónimo de Sousa e Catarina Martins reforçaram as condições do apoio de comunistas e bloquistas. Segundo o líder do PCP, o acordo tem sempre um pressuposto: “Não pode ficar tudo na mesma na vida dos portugueses”.