Marcelo troca o nome a Marisa e ultrapassa-a pela esquerda

   

Marcelo Rebelo de Sousa tentou que não ficassem razões para um votante do Bloco de Esquerda não confiar nele como Presidente da República. Ainda que para isso fosse preciso pôr de lado as suas convicções sobre as questões outrora conhecidas como fraturantes.

No frente-a-frente com Marisa Matias, o “Doutor Marcelo Rebelo de Sousa” (como a oponente se lhe referiu, usando a terminologia académica de Coimbra) nunca descolou da esquerda, deixando até Marisa Matias (a quem chamou uma vez Catarina, confundindo-a com a líder bloquista) no mesmo campo do PSD, enquanto ele se colocava ao lado de António Costa.

Marcelo, o fraturante

Em primeiro lugar, Marcelo, afinal, é favorável à adoção por casais do mesmo sexo. Ou melhor, “desde que esteja garantido do ponto de vista técnico a proteção da criança”, não interessa que seja um adotante, dois, “um casal do mesmo sexo ou de sexo diferente, isso é irrelevante”. Como procedia então se já estivesse no lugar de Cavaco Silva? “Não vejo razão para não promulgar”, respondeu.

Segunda questão fraturante: o aborto. O jornalista Anselmo Crespo pergunta a Marcelo o que faria ao diploma de revogação das taxas moderadoras, recordando que ele assinara a iniciativa de movimentos pró-vida para impor essas taxas.

Marcelo, impassível, repete a receita: “não vejo razão para não promulgar”. E de seguida sustenta a resposta com uma doutrina que deixa Marisa Matias o resto do debate condicionada. “Uma coisa é a posição enquanto cidadão, outra enquanto Presidente”.

Marisa Matias não se fica. Marcelo, em relação ao aborto, é o responsável por um referendo que atrasou dez anos a despenalização, levando à humilhação das mulheres, em julgamentos como o de Aveiro. “Perdemos tempo demais com a vitória do Dr. Marcelo em 1998”, ataca.

O candidato (de direita?) ri-se e diz que a adversária não tem razão. “Parece que a responsabilidade do referendo é minha”, ironiza, lembrando que (como presidente do PSD) era apenas “um líder minoritário de oposição”, e que foi afinal Jorge Sampaio – o último Presidente de esquerda – a decidir. Ele, de resto, tinha a mesma posição de Guterres e de Freitas do Amaral (que foi mais tarde ministro num governo do PS) – não quis humilhar as mulheres.

Marcelo vai mais longe, neste debate em que pareceu ter como alvo o eleitorado mais ideológico de esquerda, assegurando que, com ele em Belém a lei que despenaliza o aborto não corre risco.

“Se me pergunta como Presidente da República, direi que está legislado, não vejo que tenha de tomar qualquer iniciativa legislativa questionando a lei em vigor” “que parece corresponder ao sentir dos portugueses”.

Marisa Matias, nesta altura, já desesperava com as respostas de Marcelo, que faziam tábua rasa das suas opções ideológicas passadas. Não podia esquecer-se, porém, que o ex-líder do PSD deixou as mulheres serem humilhadas em tribunal.

O professor de direito, aqui, puxou da doutrina penal, para provar que não queria ver as mulheres condenadas e presas. “Freitas do Amaral tem um artigo muito bom a explicar isto, há uma causa de desculpabilização…, é muito jurídico”, disse, eximindo-se de explicar à socióloga Marisa o funcionamento da lei penal. Uma resposta a lembrar a célebre rábula de Ricardo Araújo Pereira (´- É crime? – É. – Mas o que é que acontece? – Nada!).

Marcelo, o defensor do Tribunal Constitucional

Passou-se para a política europeia. A ideia era perguntar a Marisa Matias se queria bater o pé à Europa ignorando o que aconteceu à Grécia, mas a candidata na resposta virou a agulha para o Tribunal Constitucional e Marcelo voltou, aparentemente, a rever a História.

O professor garantiu que não criticou as sentenças do TC que chumbaram os cortes nas pensões e aumentos de impostos de Passos Coelho, pelo contrário. “Não critiquei. Houve muita gente que transformou o Tribunal Constitucional numa arma de arremesso eu não estive de acordo”.

Mas aceitou os cortes de Passos, indigna-se Marisa, tendo condenado antes a austeridade de Sócrates. “Não, não. Mantive a mesma posição exatamente”. Perante a insistência de Marisa, Marcelo sai-se com uma declaração de princípio (trocando o nome à oponente):

“Tem de admitir Catarina, eu como professor de direito teria muitas dificuldades em dizer coisas diferente em relação à mesma questão jurídica”. “O que eu questionei foi a fundamentação apresentada, só isso”.

Marcelo, o amigo de Costa

O debate na SIC Notícias encaminhava-se para o final, vêm então à baila os casos do BES e do Banif. Marisa Matias critica Marcelo por ter afirmado, quando comentador televisivo, que “a banca portuguesa estava blindada e segura e que tinha inteira confiança no governador do Banco de Portugal”. Face às perdas dos depositantes, conclui que “acaba por haver de certa forma lesados do Dr. Marcelo Rebelo de Sousa”.

Aqui, o candidato admite que a sua opinião mudou. E mudou porque melhorou muito a informação disponível, aliás, com a ajuda preciosa “da senhora doutora Mariana Mortágua”, na “comissão de inquérito notável” ao BES.

Marisa, nesta altura, dava sinais de não saber o que mais fazer mais para desarmar Marcelo. E Marcelo ganhou confiança para a ultrapassar pela esquerda.  

A bloquista havia dito que se ela fosse Presidente da República chumbaria a António Costa o orçamento retificativo que evitou a liquidação do Banif. Marcelo atacou-a: “Curiosamente o PSD acha o mesmo que acha a senhora deputada. Pois eu aqui compreendo a posição do Primeiro-ministro António Costa”.

Marcelo acabava o debate sentado à esquerda do primeiro-ministro do PS.

manuel.a.magalhaes@sol.pt