Marcelo divide ‘geringonça’

António Costa aplaudiu a tomada de posse de Marcelo Rebelo de Sousa: “Foi um discurso onde todos nos podemos reconhecer”, algo “que não acontecia há muito tempo”, disse. E, no dia seguinte, esteve mais de duas horas com o novo Presidente.

“Não há nenhuma razão para que não corram bem” as relações com o PR, disse o primeiro-ministro à saída de Belém. No encontro foi acertada a participação do de ambos no 10 de Junho: Marcelo e Costa estarão ambos em Paris, numa inédita cerimónia de celebração do Dia de Portugal fora do território pátrio. Um começo com o pé direito.

“O discurso de Marcelo foi feito para agradar a Costa”, dizia um dirigente do PSD, a seguir à cerimónia. Era fácil perceber esta impressão. O novo PR repudiou os efeitos sociais da austeridade (lembrando até as vítimas política da ‘mão invisível’, uma referência indireta ao liberalismo económico). E fez um rasgado elogio da Constituição (que como deputado constituinte ajudou a criar e como professor de Direito Constitucional contribuiu para divulgar), prometendo cumpri-la com gosto.

Afastou-se do economicismo e disse ser preciso “lutar por mais justiça social, que supõe efetiva criação de riqueza, mas não se satisfaz com a contemplação dos números, quer chegar às pessoas”. Chocou-se com a “dramaticamente persistente” situação de pobreza de dois milhões de portugueses” e com as “diferenças entre grupos, regiões e classes sociais”.

Marcelo ainda proclamou que “o poder económico se deve subordinar ao poder político e não este servir de instrumento daquele” e até quando se referiu à política da União Europeia marcou uma linha vermelha: “Finanças sãs desacompanhadas de crescimento e emprego podem significar empobrecimento e agravadas injustiças e conflitos sociais”.

Bloco corrige ‘não aplauso’

O novo Presidente prometeu o seu “afeto” aos portugueses e deixou uma mensagem de apaziguamento: “Temos de cicatrizar feridas destes tão longos anos de sacrifícios, no fragilizar do tecido social, na perda de consensos de regime, na divisão entre hemisférios políticos”.

Jerónimo de Sousa notou o “esforço para ir ao encontro das preocupações da maioria dos portugueses”, mas considerou-o insuficiente, pois “sobra sempre uma questão central: como se efetiva isso, como se concretizam as aspirações que o povo tem?”. E, em conclusão, sentenciou que “a prática é a mãe de todas as coisas”.

Os deputados comunistas não aplaudiram Marcelo. Na bancada do Bloco de Esquerda, alguns deputados deram algumas palmas ao novo PR, mas a frieza da extrema-esquerda perante o acto da tomada de posse e o discurso contrastou com a imagem dos deputados do PS, PSD e CDS, em pé e aplaudindo o novo Presidente.

Catarina Martins disse depois que o discurso de Marcelo continha “uma versão conservadora, mas que tenta fazer pontes em todo o país”. A ausência de aplausos da esquerda parlamentar foi alvo de críticas e o Bloco tentaria depois, discretamente, demarcar-se de uma imagem extremista. “O Bloco não teve com Marcelo a postura que teve com Cavaco. E todas as principais figuras da bancada parlamentar aplaudiram”, a afirmação é de uma fonte do grupo parlamentar, passadas 24 horas.

No PCP, as críticas aos deputados comunistas tiveram a resposta de António Filipe: “Eu sei que há países em que se aplaude o discurso do poder por dever de ofício, mas isso não é coisa que me agrade”.

Passos e Durão com falta de comparência

À direita também houve uma polémica envolvendo o ex-primeiro-ministro, Passos Coelho, que faltou ao almoço oferecido por Marcelo no Palácio de Belém a seguir à posse.  Mas Passos tinha marcada uma conferência em Londres, na prestigiada Oxford  Union, um compromisso que não quis desmarcar. Ainda marcou presença na posse, mas foi a seguir apanhar o avião para Londres. Segundo o PSD, Marcelo compreendera os motivos da ausência. Por causa da viagem, Passos optou também por delegar em Luís Montenegro a reação ao discurso do novo PR. O líder parlamentar elogiou o “grande sentimento de unidade nacional” revelado na intervenção de Marcelo.

Outra ausência notada foi a de Durão Barroso. O ex-presidente da Comissão Europeia e antigo primeiro-ministro não esteve na cerimónia da Assembleia da República nem no almoço em Belém. “Estava fora do país e tinha com antecedência informado o novo Presidente da sua indisponibilidade”, diz fonte próxima de Durão.

Marcelo e Durão tinham em tempos sido próximos no início dos anos 80, mas nos últimos anos distanciaram-se. O facto de Durão ter surgido como a única figura com uma dimensão política capaz de travar a candidatura presidencial de Marcelo terá contribuído para acentuar a separação.

Recentemente, outro episódio marcou o distanciamento entre os dois políticos. Marcelo convidou António Guterres para o Conselho de Estado, mas deixou de fora Durão, que tem um estatuto idêntico, pelas funções desempenhadas em Portugal e no estrangeiro. Mas a única explicação para a ausência de Durão é “o facto de estar a dar aulas em Princeton”, afirma a fonte referida.