Ao SOL, José Eduardo Martins diz ser significativo o facto de se multiplicarem os avisos e as críticas à liderança, apesar da vitória esmagadora de Pedro Passos Coelho nas diretas. «Não percebo onde está a força dos 95% que votaram nele», observa, registando que «alguns que agora vêm pedir mais energia parecem ter estado a gastar toda essa energia a ir para o Parlamento Europeu ou para outros sítios». Uma indireta a Paulo Rangel, que depois de ter sido adversário de Passos no congresso de 2010 se rendeu ao ‘passismo’, mas que recentemente tem multiplicado as críticas à estratégia do líder.
Com a autoridade de quem nunca votou em Passos para a liderança – «abstive-me sempre nas diretas» – José Eduardo Martins diz que a atitude crítica que vai expressar no Congresso está em linha com o que tem dito durante todo o mandato de Passos como líder.
«Há um défice de iniciativa política no PSD, até face ao CDS, que tem de ser corrigido», defende, avisando para os perigos de o partido ficar agarrado apenas à defesa do que fez no passado. «As pessoas não podem achar que o PSD é só aquele partido que está à espera que alguma coisa corra mal para voltar a aplicar medidas de austeridade», alerta.
José Eduardo Martins acha mesmo que essa atitude está a afastar algum do eleitorado social-democrata. «Tenho na família pensionistas que toda a vida votaram PSD e que até acham ridículo os cêntimos de aumento por dia que vão receber com o Governo PS, mas que também não percebem por que é que o seu partido fica tão irritado com isso», conta.
Olhando para o futuro, José Eduardo Martins avisa que o partido não deve «confundir rigor nas contas com austeridade» e que deve participar na discussão do que deve ser a Europa, em vez de usar Bruxelas como um aliado na defesa do que fez quando estava no poder. «Bruxelas não tem sido um aliado. É um parceiro desnorteado», afirma José Eduardo Martins, que gostava de ver o seu partido a «discutir o novo papel estratégico do país na União Europeia» e não a congratular-se com um acordo com o Reino Unido «que na prática viabiliza uma Europa a duas velocidades» que pode vir a virar-se contra Portugal. Vários críticos vieram nos últimos dias a terreiro pedir mais energia e um discurso novo e, em surdina, multiplicam-se as vozes dos que temem que o líder esteja a ficar demasiado colado ao passado e à austeridade. Apesar do que poderia fazer crer uma votação de 95% para a liderança, Passos chega pressionado a este Congresso. Mas o guião vai mudar pouco.
«Vai haver um discurso novo que corresponde a uma nova etapa em que está o país depois do esforço que fizemos para arrumar a casa», avança uma fonte próxima do líder social-democrata, explicando que o que Passos levará ao Congresso está em linha com o que já estava programado quando estava no Governo.
Para Passos Coelho, a atenção a um discurso social – onde se insere o novo slogan «Social-democracia sempre» – estava já pensada para um segundo mandato no poder e é essa a cartilha que vai seguir. «Nós deixámos o país em condições de ajudar os mais vulneráveis e era isso que íamos fazer, como fizemos quando, ao contrário do PS, não congelámos as pensões mínimas», aponta a mesma fonte.
Essa lógica implica, porém, manter um discurso de avisos sobre «não desfazer o que está feito», como Passos tem repetido. O líder não vai deixar cair a pergunta sobre qual é o plano B orçamental que o PSD acredita que o Governo está a esconder e que pode levar a mais austeridade. «Passos Coelho vai insistir nisso», revela um membro da direção do PSD, que até considera «feliz a coincidência do congresso e do anúncio do FMI». Ontem, o FMI veio avisar de que para cumprir o défice Portugal vai precisar de medidas adicionais.
Continua a haver nas cúpulas do PSD a ideia de que a política de António Costa vai dar maus resultados e que isso fará com que os eleitores percebam que o caminho do PSD é o mais realista para o país. «A política do marketing dura pouco. Basta ver que o desemprego voltou a aumentar e isso é fruto da quebra de investimento a que já se está a assistir», argumenta uma fonte próxima de Passos.
Fintar a estratégia de Costa com o Plano de Reformas
Aquilo que Passos Coelho vai evitar é ficar agarrado à imagem de alguém que não está disponível para negociar com o Governo. António Costa está a colar essa imagem de indisponibilidade aos sociais-democratas, mas essa é uma rasteira que Passos vai evitar já neste Congresso e com o mote do Programa Nacional de Reformas. «Passos pode e deve aproveitar o Congresso para dizer que quer discutir a sério o Programa Nacional de Reformas com o Governo. Mas vai começar por dizer que o documento é uma cópia da estratégia do Portugal 2020 [negociado pelo anterior Governo]», aponta um dirigente nacional do PSD, explicando que «isso vai permitir-lhe limpar a imagem de partido que não está disponível para nada com este Governo».
Usar a pressão de Marcelo
E se até agora Marcelo Rebelo de Sousa tem aparecido como um defensor da estabilidade governativa e, por isso, um aliado de Costa, Passos quer usar o discurso do Presidente para frisar os avisos que foram feitos na comunicação sobre a promulgação do Orçamento.
«Marcelo disse esperar até ao próximo ano. Colocou pressão sobre o Governo. Passos vai expor as fragilidade e acenar com o risco de eleições antecipadas», acredita a mesma fonte, que lembra que na moção que leva a este Congresso Passos Coelho disse que caberá ao Presidente agir face a uma crise política. «A bola estará em Marcelo», sublinha o dirigente. A estratégia implica nuances de discurso, mas resta saber se será suficiente para mobilizar as hostes sociais-democratas. Uma coisa é certa: quanto mais tempo durar a geringonça e mais as sondagens derem sinais de perda de terreno, mais o partido ficará inquieto. E já vários deram voz a esse descontentamento, de Nuno Morais Sarmento, que afirmou que Passos é um líder a curto prazo, a Rui Rio, que criticou a atitude do líder em relação à intervenção de Costa e Marcelo contra a espanholização da banca nacional. Paulo Rangel veio, entretanto, engrossar a lista de avisos, pedindo «uma oposição mais forte», caras novas e «mais energia» a Passos Coelho. Caras novas vão existir, tal como Passos tinha prometido. E ontem, à entrada do congresso de Espinho, o porta-voz Marco António Costa confirmou que vai abandonar o cargo: «Ao fim de três anos como porta-voz do partido, deixem-me que vos diga que agora vou descansar um pouco», anunciou aos jornalistas. Mas ontem não estava excluída a possibilidade de Marco António Costa abandonar, não só o papel de porta-voz do PSD, como a própria direcção do partido. A equipa com que Passos tentará enfrentar os próximos tempos de turbulência permanecia ontem guardada a sete chaves. Havia uma certeza: o secretário-geral do PSD continuará a ser Matos Rosa, que já marcou várias iniciativas nos próximos tempos enquanto secretário-geral ‘reconduzido’.
Quanto ao resto, Passos segue a linha que sempre seguiu: mantém o suspense e não revela a verdadeira lista do quem sai e quem entra nem aos próximos.