A posição do BE é clara: a solução para o crédito malparado na banca tem de estar no Programa de Estabilidade. Mas o Governo nem quer ouvir falar nessa hipótese.
O Programa de Estabilidade vai ser finalizado na quinta-feira no Conselho de Ministros e segue para o Parlamento, onde será debatido no dia 27, para voltar depois à reunião do Governo para aprovação final antes de seguir para Bruxelas.
Uma fonte do Governo assegura ao SOL que incluir a solução para o crédito malparado da banca no Programa de Estabilidade, como o BE pede, “é impossível”. Mas os bloquistas estão a fazer pressão para reunir com António Costa.
O prazo é curto e justifica o tom duro que a líder bloquista usou na sexta-feira no debate quinzenal com o primeiro-ministro. Ainda sem nada concreto sobre o que estará no Programa de Estabilidade, a falta de informação causou junto da direção do BE algum incómodo que as respostas de Costa não ajudaram a desfazer. “António Costa faz um bocadinho de jogo e falou numa solução à portuguesa para as imparidades da banca, mas isso não resolve problema nenhum”, comenta ao SOL um membro da direção bloquista, explicando que não faz sentido dissociar essa questão do Programa de Estabilidade.
“Estamos a falar de 20 mil milhões. É algo que tem um impacto importante em qualquer cenário macro-económico. Não faz sentido estar a discutir agora o Programa de Estabilidade e deixar para depois a solução do problema da banca”, avisa a mesma fonte.
Com os prazos a apertar – até ao debate sobre o documento na Assembleia da República faltam cerca de 10 dias -, os bloquistas pedem a Costa “uma clarificação” sobre como vai resolver o problema da banca no próprio Programa de Estabilidade.
BE recordou a Costa que Banif lhe fez perder a maioria
O BE quer demarcar-se de qualquer solução que deixe uma fatura para os contribuintes pagarem (ver texto ao lado). E vai fazer tudo para o impedir, pelo que o clima se tornou mais tenso na ‘geringonça’. “Temos cartazes nas ruas a dizer que não podemos dar mais dinheiro aos bancos. Não podemos aceitar uma solução que passe por isso”, aponta outro dirigente bloquista.
A forma como decorreu o Conselho de Estado de há duas semanas fez soar alarmes no BE, mas a entrevista de Costa ao DN foi decisiva para os bloquistas perceberem que o Governo podia estar a estudar uma solução para as imparidades da banca com mais uma fatura para os contribuintes.
O facto de António Costa ter discutido com o Presidente e com Mário Draghi, ao almoço, uma solução para a banca caiu mal no Bloco. A expressão usada pelo primeiro-ministro sobre o “veículo” para ficar com esses ativos fez perceber que o assunto podia já estar decidido, antes mesmo de ser discutido com os parceiros de esquerda que apoiam o Governo no Parlamento.
“Quando de um momento para o outro, em poucos dias, o governador e depois o primeiro-ministro e logo a seguir o Presidente – que só pode falar com conforto sobre o assunto se tem uma conversa antes com o primeiro-ministro, como é evidente, ou seja, tem um entendimento comum – , e apresentam esta solução é porque ela já está a ser estudada e está a ser estudada para curtíssimo prazo, caso contrário não teria sido levantada. Portanto, a curto prazo vamos ter esta proposta em cima da mesa, mas de momento não a conhecemos”, avisava na semana passada Francisco Louçã, com um recado para António Costa que sexta-feira Catarina Martins reforçou.
“O que não tem sentido é que nas questões financeiras o Governo vá sempre alinhar com a direita e afastar-se do consenso que é a sua base política”, apontava Louçã, para dias mais tarde Catarina lembrar no Parlamento a Costa que o caso Banif o fez “perder a maioria parlamentar”.
Abana, mas não cai
Para o BE é essencial a demarcação política nesta matéria, mas na direção partido não se antevê um rasgar do acordo assinado com António Costa por causa do tema da banca. “Isso não põe em causa o acordo. O que põe em causa o acordo são as questões concretas que ficaram definidas no compromisso político”, assegura ao SOL o dirigente bloquista Pedro Soares.
Por outras palavras, o BE só tenciona deixar cair a ‘geringonça’ se houver medidas que impliquem o corte de salários e pensões, o aumento dos impostos sobre os rendimentos de trabalho ou a subida do IVA dos bens essenciais. O que não significa que Catarina Martins não possa voltar a subir o tom nos debates com o primeiro-ministro sempre que isso se justifique. “Não somos uma maioria amorfa”, sublinha uma fonte do BE.
Para já, a esquerda conta com a garantia do primeiro-ministro de que o Programa de Estabilidade não prevê nenhuma dessas medidas. E, sexta-feira, Costa foi mais longe: numa resposta a Assunção Cristas, assegurou até que o Governo não tenciona aumentar sequer a taxa normal do IVA. A medida não iria contra o que ficou estabelecido nos acordos com BE, PCP e PEV, mas o primeiro-ministro garante que não quer ir por aí. “Não vem aí o papão, não vale a pena”, respondeu à líder do CDS, esclarecendo por que motivo ainda não apresentou o Programa de Estabilidade. “Não insisto em esconder nada. O que eu tenho pretendido fazer é ter um Programa de Estabilidade assente na informação mais recente e mais atualizada”.
A resposta não convence, porém, completamente os parceiros da esquerda. “É a garantia que dá agora. Vamos ver”, aguarda-se no Bloco.