PS mais à esquerda e próximo do Bloco

No Congresso que consagrou António Costa e deu início à sua original caminhada para a governação do país, António Costa apontou à esquerda e rejeitou o Bloco Central, que comparou a um “pântano”. O novo líder socialista não foi, porém, levado muito a sério nessa aparente profissão de fé por uma esquerda nova, dado que…

A finalizar esse mesmo mês, há outro congresso, o do BE, um dos elementos da ‘geringonça’ que decide a governação do país. Os congressos são momentos de afirmação da diferença e é normal que surjam tensões entre socialistas e bloquistas, mas os dois partidos estão programaticamente mais próximos.

Em matérias económicas, sociais e europeias há uma aproximação de Costa ao discurso da esquerda, mas não é só isso. No Bloco, as duas tendências maioritárias que se digladiaram na convenção de 2014 fundiram-se numa única moção, e a agressividade esquerdista da UDP surge matizada.

O ciclo do Congresso do PS teve início com eleições diretas. Sexta-feira à tarde (em 16 federações) e sábado (nas restantes sete) os militantes votaram a reeleição do secretário-geral. António Costa foi reeleito com 95,3% dos votos, contra 2,8% de Daniel Adrião.

Assis e Beleza prometem representar ‘setor moderado’

Daniel Adrião é um concorrente contrariado. A sua missão é levar ao congresso uma moção que dá combate ao aparelhismo e defende uma mudança do sistema eleitoral, com a introdução de círculos uninominais e a despartidarização do regime. A candidatura a secretário-geral é um subproduto que dispensaria, não fossem os estatutos a isso o obrigar.

No Congresso, Francisco Assis deve ser a voz mais autorizada da oposição ideológica à aliança do PS com o PCP e o BE. Mas Assis, que congrega também as esperanças futuras da ala segurista, sabe que esta não é a sua hora. Álvaro Beleza, da mesma ala, já modera o discurso. “Não vamos ao Congresso em guerra contra António Costa, apoiamos este governo e o primeiro-ministro. Vamos em representação de um setor moderado, que faz falta ao PS, para debater política”, resume o negociador do segurismo, na fase que se seguiu à derrota do anterior líder do PS.

A oposição interna à esquerdização do PS – que inclui também  Sérgio Sousa Pinto, o ex-membro do Secretariado que saiu por discordar da aliança com comunistas e bloquistas – vai condicionada pelo sucesso da atual solução de governo. A marcação de terreno no Congresso passará por lançar dúvidas sobre o que aí vem. “Enganei-me sobre a fragilidade desta solução política, mas não estou completamente convencido de que o futuro será risonho”, salvaguarda Beleza.

Bloco antecipa convenção e adapta discurso ao poder

Quatro semanas depois do congresso do PS na FIL, o BE reúne a sua Convenção, no Pavilhão do Casal Vistoso. Há menos de dois anos, no mesmo local, João Semedo finalizou o conclave com uma declaração de combate ao PS: “Que Costa saiba que, no primeiro dia do seu governo, e será mesmo no primeiro dia, em que nos venha dizer que não há dinheiro para criar emprego ou para baixar o IRS, nos levantaremos a dizer que há gente coerente neste mundo que não aceita pagar rendas, juros e regalias com o sacrifício do povo”.

Semedo afastou-se uma semana depois do discurso, acabando com a liderança bicéfala no Bloco, mas Catarina Martins não terá de renegar o discurso de Semedo. O BE apoia o governo de Costa, porque este está a devolver rendimentos e direitos sociais aos trabalhadores.

“Sabemos o que queremos – para romper com a austeridade é preciso reestruturar a dívida e recusar o tratado orçamental, em nome de direitos sociais que a Constituição consagra e, mais, da luta pelo salário e pela igualdade”, disse também João Semedo, no seu último discurso como co-líder do BE. Aqui, a mensagem política bloquista vem sendo adaptada aos novos tempos, em que o partido integra uma solução de poder.

Agora, a moção conjunta das duas tendências maioritárias no Bloco não deixa de exigir a reestruturação da dívida, mas abandona o imediatismo da reivindicação. “Renegociar a dívida pública e realizar uma intervenção sistémica sobre a banca privada, assumindo o controlo público, são processos essenciais para proteger os recursos nacionais, criando condições para o investimento, emprego e o reforço do Estado Social”, lê-se na moção intitulada Força da Esperança.

A antecipação da Convenção, que para completar os dois anos do mandato devia realizar-se apenas em novembro, “tira pressão sobre o PS”, argumenta um responsável do BE. Com as autárquicas ainda longe, e a discussão na Assembleia da República do Orçamento do Estado para 2017 a meses de distância, a tensão é menor.

Nas autárquicas, o discurso de ambos os partidos não coincide. O BE parece rejeitar alianças pré-eleitorais, ao proclamar que “apresentará a sua alternativa”, embora no Bloco haja quem diga que “há margem” para ainda negociar com o PS nos próximos meses. Já a moção de António Costa admite o interesse em “plataformas de diálogo com outras forças políticas”.

manuel.a.magalhaes@sol.pt