Direita indignada com PSD e CDS

Há um espaço na direita dos costumes que não se sente representada no Parlamento. A aprovação da lei da maternidade de substituição com a ajuda de 26 votos favoráveis do PSD – um deles de Passos Coelho – veio tornar isso ainda mais evidente. O CDS também optou por não fazer disso bandeira e quem…

A Federação pela Vida foi das primeiras organizações a apelar a Marcelo para não promulgar a lei aprovada na semana passada na Assembleia da República. «Esperamos que o Presidente vete a lei ou a envie para o Tribunal Constitucional», dizia José Maria Duque Seabra no início da semana ao i.

Não é o único a reclamar esta intervenção. No Porto houve mesmo um grupo de jovens que organizou um Manifesto por um Debate Público sobre a PMA (Procriação Medicamente Assistida) e a Maternidade de Substituição. «Manifestando a nossa oposição às alterações propostas, entendemos ser fundamental haver um debate alargado na sociedade portuguesa. Assim, apelamos ao Presidente da República que, ao abrigo dos seus poderes constitucionais, vete os diplomas em causa, de forma a permitir esse debate na sociedade e a geração de um consenso alargado», lê-se no documento que numa semana reuniu mil seguidores no Facebook e ainda está em processo de recolha de assinaturas.

Mal-estar no PSD

A sensação entre alguns dos que se posicionam à direita é de falta de representação o que levou mesmo um militante do PSD a anunciar no blogue Cortas Fitas ter decidido desfiliar-se do partido por causa da votação na questão das barrigas de aluguer.

«O tema das barrigas de aluguer (tal como já aconteceu com a adoção por pares homossexuais e acontecerá com a eutanásia) não fazia parte do programa da PAF nem de qualquer compromisso de cada um dos partidos que a compunham», sublinha Vasco Mina, que chegou a fazer parte das listas da coligação PSD/CDS nas últimas legislativas.

Vasco Mina critica a ausência de debate interno sobre o tema e conclui: «Ser militante não obriga a aceitar tudo e tendo em consideração a gravidade civilizacional desta opção do PSD, resta-me apresentar a minha demissão de militante».

Não foi o único a sentir-se incomodado com o facto de a liberdade de voto dada à bancada social-democrata ter permitido a 26 deputados – entre os quais dois vices de Passos, Jorge Moreira da Silva e Teresa Leal Coelho – votarem em sentido contrário à indicação que vinha da comissão política do partido.

Isso mesmo foi alvo de críticas no Conselho Nacional do PSD esta semana. Uma proposta de deliberação apresentada pelo conselheiro Paulo Ribeiro apelando a Marcelo para pedir a fiscalização da constitucionalidade do diploma e para ouvir os partidos e a sociedade civil sobre a maternidade de substituição levou Passos a ter de se explicar.

O líder justificou com o voto de forma pessoal, defendendo pôr acima de tudo o interesse de quem deseja ser mãe e, por motivos de doença, não o consegue. A moção acabou por ser retirada com uma votação expressiva. Mas ficou claro que o lema não é unânime no partido. Tanto que Passos não quer voltar a ele tão cedo e tem recusado pronunciar-se publicamente sobre as barrigas de aluguer para não alimentar a polémica.

No dia da votação, na reunião da bancada parlamentar social-democrata, Pedro Passos Coelho tinha, porém, avançado já com a intenção de votar favoravelmente o projeto do BE, levando alguns deputados do PSD que estavam até aí indecisos a decidir votar a favor.

Os deputados sociais-democratas Miguel Santos e Teresa Leal Coelho também tiveram um papel fundamental no desfecho da votação.

Miguel Santos informou os colegas de bancada de que os bloquistas tinham retirado da proposta a alínea que dava à mãe de substituição 48 horas para decidir se dava ou não o filho e o email que fez chegar aos sociais-democratas foi também determinante na decisão de alguns.

Teresa Leal Coelho foi falando, ao longo da tarde do dia anterior à votação, com os colegas da bancada, explicando a importância da votação, já que até à última pairava a dúvida sobre o número de socialistas que iriam votar a favor do projeto e que o voto contra do PCP obrigava a que no mínimo oito sociais-democratas dessem o ‘sim’ para a lei ser aprovada.

Vozes críticas

Não é, porém, só dentro do PSD que há incómodo com o facto de os partidos mais à direita terem tido uma posição que não vai ao encontro do pensamento de alguns dos seus eleitores mais conservadores.

«Os dois principais partidos que não foram capazes de se entender para fazer uma revisão constitucional, cuja falta de acordo transformou o Tribunal Constitucional num parlamento não eleito e que se arriscam nas próximas eleições a perder a maioria que lhes permitiria fazer essas mudanças, resolveram unir-se para acudir ao problema das mulheres que por ausência de útero, lesão ou doença desse órgão não podem ser biologicamente mães», escrevia esta semana Helena Matos no Observador, criticando esta ‘aliança’ entre o PS – onde houve dois votos contra – e uma parte do PSD.

Um conselheiro nacional do CDS também usou um artigo de opinião no Público para criticar a forma como foi aprovado o diploma. «As bancadas da esquerda e demasiados deputados do PSD (esse enorme monte de nada ideológico do regime partidário português) aplaudiram de pé o que foi aprovado de cócoras», comenta Miguel Alvim, ironizando até sobre a posição pouco firme do seu próprio partido.

«No final do estrambólico parto parlamentar (em que até houve votos abstencionistas do CDS), a porta-voz do Bloco, Catarina Martins, venceu repugnâncias e até foi ao lado direito do hemiciclo para dar um abraço (politicamente mortal) à social-democrata Teresa Leal Coelho», critica o centrista que fala, com a devida ironia, numa «bonita e moderna esta união de propósitos à esquerda e à direita» que, em seu entender, abriu uma caixa de Pandora.