O caso dos 10 mil milhões de euros que saíram do país para offshores entre 2011 e 2014 dominou o debate quinzenal de ontem e não é provável que saia da agenda tão depressa. Rocha Andrade e Paulo Núncio, o atual e o anterior responsáveis pelos Assuntos Fiscais, já foram chamados para vir dar explicações ao parlamento através de requerimentos do PS, do BE e do PCP… mas também do PSD. Pedro Passos Coelho quer deixar claro que não tem nada a esconder e foi essa a mensagem que tentou passar ontem num debate no qual o tema acabou por o fazer perder a calma.
“Hoje na oposição, sou o primeiro interessado em que se apure tudo o que se passou”, começou por dizer Passos Coelho, depois de Catarina Martins ter puxado pelo tema logo no arranque do debate.
“Faremos hoje na oposição exatamente o contrário daquilo que os senhores estão a fazer em relação à CGD, onde existe uma ocultação e até uma violação das regras mais básicas da transparência”, garantiu o líder do PSD, numa tentativa de fazer da Caixa o assunto principal. O tema da CGD não pegou e foram mesmo as offshores a exaltar os ânimos.
Catarina confrontou Costa
António Costa tinha começado por tentar apenas justificar a ação do seu governo na relação com os paraísos fiscais quando Catarina Martins lhe lembrou o chumbo de PS, PSD e CDS à proposta bloquista para proibir as transferências de capitais para offshores não cooperantes.
O primeiro-ministro assegurou que, “em 2015, o governo ordenou que fosse verificado o que tinha acontecido quanto ao registo entre 2011 e 2015 de transferências para offshores” e que, tendo sido detetadas 20 transferências no valor de 10 mil milhões que não constavam das estatísticas, foram pedidos esclarecimentos à Autoridade Tributária.
Foi só quando Assunção Cristas pôs em causa a neutralidade fiscal – garantida por Costa – da subida dos impostos sobre combustíveis que o primeiro-ministro passou verdadeiramente ao ataque no caso das offshores. “Vejo que quer voltar a ser a líder do partido dos contribuintes, mas depois, no seu currículo, em matéria de contribuintes vê-se que os que foram poupados foram os que levaram o dinheiro para offshores”, lançou António Costa, obrigando Assunção Cristas a usar a mesma estratégia de Passos, garantindo nada ter a esconder.
“Achamos muito bem que a Inspeção-Geral de Finanças e a Autoridade Tributária procurem averiguar o que se passou”, respondeu Cristas, num contra-ataque que a fez recordar a Costa que foi o PS quem tirou Jersey, a ilha de Man e o Uruguai da lista de paraísos fiscais, isentando as transferências para estes territórios da taxa de 35% aplicada aos offshores.
Defendendo nada ter a esconder, a líder do CDS acusou mesmo o governo de ter lançado esta notícia como uma manobra de diversão. “O governo plantou notícias para vir aqui fazer o número”, atirou.
Por esta altura, já os ânimos tinham azedado e bastou a resposta de António Costa aos comentários de Jerónimo de Sousa sobre um caso que, para o líder do PCP, é a prova de que PSD e CDS “são fortes com os fracos e fracos com os fortes”, para Passos perder a cabeça.
“Isto não é maneira de fazer política. Isso são truques de baixa política”, gritou Passos Coelho, com o microfone desligado, mas de dedo em riste e em tom audível na bancada do governo. “É absolutamente escandaloso que um governo que não aceitou acabar com a penhora da casa de morada de família por qualquer dívida das famílias tenha tido a incapacidade de verificar o que se passou com 10 mil milhões”, tinha acabado de dizer Costa sobre a saída de um valor que Heloísa Apolónia considerou ser “uma alarvidade”.
Audições esta semana?
O PSD viu na resposta do primeiro- -ministro a “insinuação” de que houve “uma orientação política” no caso das offshores.
“É indigno, inaceitável, lamentável”, reagiu já fora do hemiciclo o deputado Duarte Pacheco, acrescentando que os sociais–democratas têm urgência em ouvir Rocha Andrade e Paulo Núncio e querem mesmo que as audições se façam ainda esta semana.
Uma fonte do anterior governo assegurou ao i que nem Maria Luís Albuquerque nem Paulo Núncio sabiam da existência das transferências e que está ainda por comprovar que tenha havido fuga fiscal.
“Tudo o que sabemos é que as transferências não constam das estatísticas. Mas isso não quer dizer que não tenham sido pagos os impostos”, frisou a mesma fonte, convicta de que “a montanha vai parir um rato.”
É, pelo menos para já, este o sentimento no PSD e no CDS sobre esta polémica, estando mesmo os sociais-democratas disponíveis para uma comissão de inquérito sobre o caso se as explicações dadas nas audições não forem esclarecedoras.
Apesar disso, nem PS nem BE e PCP vão avançar já com uma comissão de inquérito. A ideia é que este instrumento parlamentar não pode ser banalizado e que antes há que tentar encontrar respostas nas audições na Comissão de Orçamento e Finanças, podendo ainda vir a ser chamados os responsáveis pelos serviços da Autoridade Tributária.